Categoria: As 95 Teses de Lutero Comentadas
Imagem: Martinho Lutero pregando suas 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg - The Gospel Coalition
Publicado: 07 de Novembro de 2021, Domingo, 15h13
TESE XL
A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências faz odiá-las, pelo menos dando ocasião para tanto.
Toma uma pessoa verdadeiramente penitente e verás que ela procura tão ardentemente vingança de si mesma por causa da ofensa a Deus, que te obrigará a ter misericórdia dela, sim, [verás] que será necessário resistir a ela para que não se destrua, como muitas vezes lemos e ouvimos que aconteceu. O B. Jerônimo escreve que sua Paula foi assim, e escreve a mesma coisa a respeito de si mesmo. Para essas pessoas, nenhuma pena é suficiente; mais ainda: com o filho pródigo, invocam o céu e a terra e até o próprio Deus contra si, assim como fez Davi quando disse: “Suplico que tua espada seja voltada contra mim e contra a casa de meu pai.” [2 Sm 24.17]. Portanto, creio haver dito com razão que as penitências canônicas são impostas tão-somente às pessoas que, por serem preguiçosas, não querem fazer coisa melhor ou, pelo menos, para examiná-las quanto à veracidade de sua contrição. Assim, fica claro quão difícil é, ao menos para os doutos, achar o meio-termo entre o ódio e o amor às penas, para ensinar o ódio a elas de tal maneira que, ainda assim, induzam as pessoas principalmente ao amor a elas. Contudo, como nada é difícil para os indoutos, nada impede que também isto lhes seja fácil. O Evangelho certamente ensina que não se deve fugir das penas nem relaxá-las, mas sim buscá-las e amá-las, porque ensina o espírito da liberdade e do temor de Deus até o desprezo de todas as penas. Porém é muito mais lucrativo e conveniente para as caixas dos questores que o povo tema as penas e haura o espírito do mundo e do temor na letra e na servidão, ao ouvir que algumas penas canônicas são uma coisa tão horrível, que se ensina que elas só podem ser evitadas com tanto esforço, com tanta despesa, com tanta pompa, com tão grandes cerimônias, como nem se ensina que o Evangelho deve ser amado.
[…]
TESE XLI
Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais obras de amor.
Eu diria o seguinte ao povo: Vede, irmãos, é preciso que saibais que existem três espécies de boas obras que se podem fazer gastando dinheiro. Em primeiro lugar e antes de mais nada, se alguém dá aos pobres ou empresta a seu próximo necessitado e, de modo geral, auxilia a quem sofre qualquer necessidade. Esta obra deve ser feita de tal maneira que se deve interromper mesmo a construção de igrejas e deixar de lado oferendas para [a aquisição de] vasos e ornamentos das igrejas. Depois que isso tiver sido feito, e não restando nenhum necessitado, então a segunda obra será contribuir, primeiramente, para nossas igrejas e hospitais em nossos países e para construções de utilidade pública. Depois, porém, que isto tiver sido feito, então, finalmente, se vos apraz, podeis dar, em terceiro lugar, também para a compra de indulgências. Pois quanto à primeira obra temos mandamento de Cristo, quanto à última, nenhum mandamento.
Se disseres: “Com essa pregação se juntará pouco dinheiro através das indulgências”, respondo: creio que sim. Mas o que há de estranho nisso, já que, através das indulgências, os pontífices não buscam dinheiro, e sim a salvação das almas, como se evidencia nas que dão por ocasião da consagração de igrejas e altares? Por isto, por meio de suas indulgências eles não querem impedir coisas melhores, mas, antes, promover o amor.
Digo francamente que quem ensina o povo de outra forma e perverte essa ordem não é um doutor, mas um sedutor do povo; só que, por causa de seus pecados, às vezes o povo merece não ouvir a verdade ser pregada corretamente.
TESE XLII
Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa de alguma forma ser comparada com as obras de misericórdia.
Como eu disse acima, entendo o papa, conforme significa [a palavra], como pessoa pública, isto é, como nos fala por meio dos cânones. Com efeito, não existem cânones que afirmem que a dignidade das indulgências possa ser comparada às obras de misericórdia.
A tese, porém, é evidente: porque o mandamento de Deus tem uma dignidade infinitamente superior ao que também é permitido e de nenhum modo ordenado por um ser humano; pois lá existe mérito, aqui, nenhum.
Aqui se objeta: “Mas as indulgências são compradas por meio de uma obra piedosa, por exemplo, através de uma contribuição para uma construção ou para o resgate de cativos; logo, elas são meritórias.”
Respondo: não falo da obra, e sim das indulgências, pois aquela obra poderia ter feita sem indulgências, já que não está necessariamente ligada a elas. As indulgências concedidas sem obra só tiram e nada conferem. Porém a obra sem as indulgências confere, pois lá recebemos o que é nosso, enquanto que aqui damos. Por esta razão, lá se serve à carne, aqui, ao Espírito; numa palavra: lá se satisfaz à natureza, aqui à graça. Por isso, as indulgências, tomadas em si mesmas, não são comparáveis a uma obra de misericórdia.
[…]
Do mesmo modo, é de se temer que através dessa perversão da ordem seja fomentada uma grande idolatria na Igreja. Pois se o povo é ensinado a contribuir para fugir das penas (o que, espero, não aconteça, mesmo que muitos talvez assim entendam), então está claro que não contribuem por causa de Deus, e o temor das penas ou a pena será o ídolo deles, a quem sacrificam desta maneira. Se isso acontecesse, haveria na Igreja um mal semelhante ao que houve outrora entre os romanos pagãos, quando serviam a Febre e as outras divindades fúteis e nocivas para não serem prejudicados. Por este motivo, aqui se deve vigiar em favor do povo e confiar tais negócios tão dúbios e perigosos apenas aos mais doutos.
TESE XLIII
Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.
Formulo esta tese assim por causa das pessoas rudes, já que ela se evidencia suficientemente a partir do que dissemos acima. Eu não sou o primeiro nem o último que sustenta esta tese (juntamente com as duas que a precedem e as duas que se seguem a ela); todos e toda a Igreja a sustentam, só que apenas o povo nunca a ouve. Talvez se tema que ele entenda depressa demais uma verdade tão manifesta e sólida. Pois também S. Boaventura, bem como todos os demais, ao tratar dessa matéria, fazem a si mesmos esta objeção: “Logo, as demais boas obras devem ser omitidas”, e respondem: “De forma alguma, porque as demais boas obras são melhores no tocante à obtenção do prêmio essencial.” Portanto, a tese é evidente, pois quem diz isto são aqueles que, não obstante, afirmam que as indulgências são um tesouro dos méritos de Cristo e da Igreja.
TESE XLIV
Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre de pena.
Isto é evidente. Pois aí é dada tão-somente remissão das penas, e – como também todos concedem – as indulgências não efetuam mais do que suprimir as penas. Ora, a supressão da pena não torna a pessoa boa ou melhor no amor.
TESE XLV
Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.
Pois tal pessoa perverte a ordem acima exposta, e contra isso diz João: “Se alguém vir seu irmão padecer necessidade e lhe fechar seu coração, como permanecerá nele o amor de Deus?” [1 Jo 3.17]. Nossos sofistas, porém, interpretam essa necessidade como necessidade extrema, a saber, para nunca ou rarissimamente dar oportunidade a que o amor se torne ativo, ao passo que eles mesmos, se estivessem em necessidade – não extrema, mas imediata -, quereriam receber auxílio; às outras pessoas, contudo, querem ajudar quando elas já expiaram. Realmente ótimos teólogos e cristãos, que não fazem às pessoas o que querem que lhes seja feito.
TESE XLVI
Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.
Eu já disse suficientemente acima que as indulgências pertencem ao número das coisas que são permitidas, mas não ao das que são úteis, assim como, na antiga lei, a carta de divórcio, o sacrifício de ciúme, e, na nova lei, processos e ações judiciais por causa dos fracos, sim, “por causa da vossa dureza” [Mt 19.8], diz Cristo. Todo aquele que fizer isso será antes tolerado do que recomendado. E mais: como diz a glosa no livro V, de pe. et re. Quod autem, também muitos outros fariam melhor se satisfizessem eles mesmos e não comprassem indulgências. Apenas criminosos têm necessidade de comprá-las.
TESE XLVII
Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgências.
Pois o apóstolo diz: “Quem não cuida dos seus e principalmente dos de sua casa negou a fé e é pior do que o descrente.” [1 Tm 5.8]. Porém são muitos os que não têm pão nem roupa de modo apropriado e, mesmo assim, induzidos pelo barulho e estrépito dos pregadores de indulgências, fraudam a si mesmos e causam sua própria penúria para aumentar a riqueza daqueles.
TESE XLVIII
Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar.
Desta tese se rirão nossos senhores cortesãos da Cùria Romana, cônscios. Certo, todavia, é que, antes de mais nada, o pontífice deve desejar a oração de seus súditos, assim como também S. Paulo freqüentemente a desejou dos seus. E esta é uma razão muito mais justa para dar indulgências do que se fossem construídas mil basílicas. Isto porque o sumo pontífice, mais sitiado do que rodeado por tantos monstros de demônios e pessoas ímpias, não pode errar senão causando o maior mal de toda a Igreja, principalmente se ouvir com prazer a voz pestilenta de sua sereia [que diz]: “Não se diz presume que o ápice de tão grande celsitude erre”; da mesma maneira a que diz: “Todos os direitos positivos estão no escrínio de seu peito.” Presume-se que ele não erra, mas é de se perguntar se essa presunção é boa; todos os seus direitos estão no escrínio de seu coração, mas é de se perguntar se seu peito é bom. É disto que se deve cuidar através da oração. Mas a respeito desse assunto o B. Bernardo [escreveu], da forma mais bela de todas, ao papa Eugênio em Da consideração.
TESE XLIX
Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
Vê, pois, o perigo: as indulgências são pregadas ao povo diretamente contra a verdade da cruz e do temor de Deus, porque se lhes concede liberdade das penas e, depois, segurança dos pecados remitidos. E parece um sinal evidente de que as indulgências pregadas como tal jactância não provêm de Deus o fato de que o povo acorre a elas, as aceita e observa com mais disposição do que o faz em relação ao próprio santo Evangelho de Deus, para que seja provada a verdade: porque o que vem de Deus é desdenhado pelo mundo; outro vem em seu próprio nome, e a este o mundo aceita. A causa do erro são as próprias pessoas que ensinam tais fábulas, pregando-as com mais diligência e pompa do que o Evangelho; além disso, pregam a todos o que é para poucos. Pois, como ficou suficientemente claro acima, as vênias são relaxações, licenças, permissões e indulgências, e verdadeiras indulgências (se tomamos o significado rígido da palavra) são permissões molengas para cristãos delicados, frios, duros, isto é, mais de gibeonitas, carregadores de água e escravos do que dos príncipes e filhos de Israel.
TESE L
Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir as cinzas a Basílica de S. Pedro do que edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
Pois assim, depois de terem imposto a toda ordem da vida cristã determinada quantia de dinheiro, nossos robustíssimos caçadores ensinam por fim também as mulheres a mendigar, mesmo contra a vontade do marido, e os frades mendicantes, mesmo contra a vontade de seus superiores, a arrebanhar dinheiro de qualquer parte, até que não haja absolutamente ninguém a quem reste um tostão que não dê para esta finalidade. Por fim, chegaram a exortar [as pessoas] a vender até suas roupas ou a emprestar dinheiro de qualquer lugar; diz-se que isso também aconteceu. Como as indulgências são o mais vil de todos os bens da Igreja, que não deve ser dado senão aos mais vis [membros] da Igreja, não sendo ainda nem meritório nem útil, mas, na maior parte, extremamente nocivo se as pessoas não são timoratas, sou de opinião que tal doutrina é digna de maldição e contrária aos mandamentos de Deus. Pois a mulher deve estar sob o poder do marido e nada fazer contra a vontade dele, mesmo que se tratasse de [algo] meritório, muito menos mendigar por causa de indulgências que talvez não lhe sejam necessárias. Além disso, os religiosos deveriam manter sua obediência, ainda que, em outra parte, [pudessem] obter a coroa do martírio. E o papa jamais pretende o contrário, mas sim seus falsos intérpretes. Que alguém outro bote para fora sua cólera; eu me contenho. Só digo uma coisa: ao menos trata de discernir a partir disso, prezado leitor, se, com suas pregações pestilentas, eles não procuram fazer com que o povo creia que nas indulgências estejam a salvação e a verdadeira graça de Deus. De outro modo, como as recomendariam tão ansiosamente que, por causa delas, tornam sem valor as obras meritórias e os mandamentos de Deus? Mesmo assim, até agora não são [considerados] hereges, ao ponto de se gloriarem de serem perseguidores de hereges.
Acaso o papa quis que, por causa de pedras e pedaços de madeira, os seres humanos entregues a seus cuidados sejam tosquiados até a pele viva, sim, que sejam imolados e lançados na perdição pelas pestilentas doutrinas desses ladrões e salteadores (como Cristo diz)? Era melhor ter aquele imperador que disse: “Um bom pastor deve tosquiar as ovelhas, mas não esfolá-las”. Entretanto, eles não só as esfolam, mas as devoram em corpo e alma. Verdadeiramente, “a garganta deles é um sepulcro aberto, com suas línguas”, etc. [Sl 5.9].
TESE LI
Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto – como é seu dever – a dar àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.
Assim o B. Ambrósio fundiu cálices para resgatar prisioneiros, e o B. Paulino de Nola se entregou a si mesmo como prisioneiro pelos seus. E é para isto mesmo que a Igreja tem o ouro, como consta nos decretos, que o tomaram do mesmo Ambrósio. Mas agora, bom Deus, quantos são os que levam árvores, sim, mesmo folhas para a floresta, e gotinhas para o mar, isto é, seus centavos para aquela bolsa, cujo ganho, para usar palavras de Jerônimo, é a religião de todo o mundo!
TESE LII
Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.
Também esta monstruosidade eles ousam proferir sem qualquer vergonha, para tirar dos seres humanos o temor de Deus e, por meio das indulgências, conduzí-los consigo até a ira de Deus, contra o dito do sábio: “Não queiras estar sem medo a respeito do pecado perdoado!” [Eclo 5.5]. E mais uma vez: “Quem discerne as [próprias] faltas?” [Sl 19.12]. Mas eles dizem: “Não abolimos o temor a Deus.” Se a segurança [obtida] por meio das indulgências pode subsistir com o temor de Deus, é verdade que não o abolis, mas sim o povo, ao aceitar as cartas recomendadas com tão grande palavra de juramento. Se ele teme que as cartas não sejam suficientes perante Deus, como será verdadeira aquela gloriosa promessa de segurança? Se confia que são suficientes, como temerá? Maldito seja, em eternidade, todo discurso que infunde segurança e confiança em ou através de qualquer coisa exceto unicamente a misericórdia de Deus, que é Cristo. Todos os santos não só temem, mas também dizem em desespero: “Não entres em juízo com o teu servo, Senhor!” [Sl 143.2], e tu os fazes entrar, seguros através das cartas, no juízo dele. Por isso creio que não é completamente desprovida de verdade aquela fábula que certas pessoas inventaram contra tão desenfreados abismos de mentira e que diz: Um morto chegou ao inferno com cartas de indulgências e pediu liberdade por causa delas. Então o demônio veio ao seu encontro e, enquanto as lia, a cera e o papel se consumiram entre suas mãos (por causa do calor do fogo); e então o demônio o arrastou consigo para dentro do abismo.
TESE LIII
São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.
Porque é o ofício e a intenção do papa querer que antes de mais nada, sempre e em toda parte seja pregada a palavra de Deus, como sabe que lhe é ordenado por Cristo. Como, pois, se há de crer que ele se oponha a Cristo e a si mesmo? Mas os nossos ousam isto, assim como também ousam tudo.
TESE LIV
Ofende-se a palavra de Deus quando, em um sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.
[Esta tese] é suficientemente evidente a partir da dignidade, sim, da necessidade da palavra de Deus, ao passo que a palavra das indulgências não é necessária nem muito útil.
TESE LV
A atitude do papa é necessariamente esta: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.
Porque nada na Igreja deve ser tratado com maior cuidado do que o santo Evangelho, já que a Igreja nada tem de mais precioso e salutar. Por isso, o Evangelho também é a única obra que ele injungiu a seus discípulos tão repetidamente. E Paulo diz que não foi enviado para batizar, mas para pregar o Evangelho. Por fim, Cristo ordenou que o Sacramento da Eucarístia não fosse celebrado senão em sua memória. E Paulo em 1 Co 11.26: “Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciareis a morte do Senhor.” Pois é melhor omitir o sacramento do que não anunciar o Evangelho, e a Igreja determinou que a missa não deve ser celebrada sem a leitura do Evangelho. Assim, pois, Deus dá mais importância ao Evangelho do que à missa, porque, sem o Evangelho, o ser humano não vive no Espírito; sem a missa, porém, ele o faz. Pois o ser humano viverá em toda palavra que procede da boca de Deus, como o próprio Senhor ensina mais amplamente em Jo 6. Depois, a missa reanima as pessoas que já estão no corpo de Cristo; mas o Evangelho, a espada do Espírito, devora as carnes, divide Beemote, tira o equipamento dos fortes e aumenta o corpo da Igreja. A missa a ninguém aproveita senão a que já está vivo; o Evangelho, absolutamente a todos. Por isso, na Igreja primitiva permitia-se aos energúmenos e catecúmenos estar presentes até depois do Evangelho, sendo então mandados para fora por aqueles que eram do corpo da missa, e também hoje os direitos permitem que os excomungados assistam à missa até depois do Evangelho. Assim como João precedia Cristo, da mesma forma o Evangelho precede a missa. O Evangelho prosterna e humilha; a missa dá graça aos humilhados. Portanto, fariam melhor se proibissem a missa.
[…]
TESE LVI
Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
Esta é a segunda morte que mereci. Por isso, depois de já há muito haver afirmado muitas coisas tão manifestas que não necessitariam de protestação, agora preciso debater mais uma vez e, por isto, também protestar com uma última protestação neste debate. Portanto, aqui debato e busco a verdade; seja testemunha o leitor, seja testemunha o ouvinte, ou seja testemunha o próprio inquisidor da depravação herética.
TESE LVII
É evidente que eles certamente não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.
[Esta tese] é suficientemente evidente através da experiência.
TESE LVIII
Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.
O tema desta tese enraizou-se com excessiva profundidade e fixou-se profundamente em quase todos os mestres. Por esta razão, preciso demonstrá-las mais extensa e firmemente, e o farei com confiança.
Primeiramente, quanto aos méritos dos santos:
Eles dizem que nesta vida os santos realizaram muitas coisas além de uma obrigação, a saber, obras supererogatórias, que ainda não foram recompensadas, mas deixadas no tesouro da Igreja, às quais é feita uma compensação digna por meio das indulgências, etc. E assim pretendem que os santos tenham satisfeito por nós. Contra isto eu arguo o seguinte:
[…]
Não existem obras de santos que tenham permanecido sem recompensa, porque, segundo todos, Deus premia além do que é condigno. E Paulo diz: “Os sofrimentos do tempo presente não são condignos da glória futura”, etc. [Rm 8.18].
[…]
Em segundo lugar, quanto ao mérito de Cristo:
Este não é o tesouro das indulgências – é sobre isto que debato. No entanto, [só] um herege nega que ele é o tesouro da Igreja, pois Cristo é o resgate do mundo e o redentor; por esta razão, verdadeiramente e tão-só ele é o único tesouro da Igreja. Nego, todavia, que ele seja o tesouro das indulgências, até que me ensinem [o contrário].
[…]
TESE LIX
S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.
[Esta tese] é suficientemente evidente para quem viu a legenda de S. Lourenço. Depois, hoje a palavra não é usada no sentido de que os pobres sejam chamados de tesouro da Igreja, mas assim denominamos o patrimônio de Cristo e de S. Pedro, o que certo palha – porém sem grão – de Constantino deu à Igreja. Por isso, também Sl 2.8, onde Deus diz a Cristo: “Pede-me, e te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão”, deve ser entendido como referindo-se às cidades e aos campos desde o Oriente até o Ocidente. Do contrário, se em nossa época alguém falasse de modo diferente das coisas da Igreja e das espirituais, ele nos seria um estrangeiro, embora também o B. Lourenço tenha chamado os bens da Igreja (mas não só eles) de riquezas.
Fonte: Martinho Lutero, Obras Selecionadas - Os Primórdios Escritos de 1517 a 1519. Volume I. Comissão Interluterana da Literatura São Leopoldo. Co-Editoras: Editora Sinodal (São Leopoldo), Concórdia Editora (Porto Alegre), Editora da Ulbra (Canoas). 2004