LUTERO E A EDUCAÇÃO CRISTÃ NA CONTEMPORANEIDADE


Categoria: Martinho Lutero e Sociologia
Imagem: Martinho Lutero e suas 95 teses contra a venda de indulgências. - Muito Curioso
Publicado: 22 de Abril de 2014, Terça Feira, 01h29

Thiago Brazil

O presente artigo tem como objetivo levantar uma reflexão sobre o papel da igreja na contemporaneidade com relação à fomentação de uma educação verdadeiramente cristã. Para tanto, parte-se de uma sucinta análise do primeiro motivo para o investimento em escolas cristãs apresentado por Martinho Lutero (1483-1546) em sua carta aberta “Aos Conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs” de 1524. Após tal análise textual, faz-se uma crítica ao modelo educacional vigente, especialmente em nosso país. Conclui-se o artigo com uma reflexão sobre a necessidade urgente de formar uma nova geração de cristãos capazes de professarem sua fé em meio à sua atuação na sociedade.

Lutero e os problemas relativos à educação na Alemanha no século XVI
Lutero inicia seu célebre texto denunciando que, já naquele contexto histórico, o modelo de ensino poderia ser mui facilmente definido como acristão (1995, p. 303). Para superar tal situação, o pensador cristão sugere a aplicação de alguns princípios básicos para o desenvolvimento de uma verdadeira educação cristã.

O primeiro princípio diz respeito à necessidade de valorização do processo educacional como um todo, isso porque, segundo o reformador, a imensa maioria da Alemanha do século XVI estava preocupada apenas com “a barriga” – ou seja, com a exclusiva intenção de garantir um sustento financeiro para sua família.

Diante da decadência da vida monástica, os jovens deveriam ser retirados das instituições educacionais, onde recebiam uma formação humanística e religiosa, e deveriam ser educados para um ofício de onde garantiriam um determinado ganho monetário a suas famílias.

Lutero chega a reproduzir o principal questionamento dos pais daquele período histórico “que haverão de estudar se não podem tornar-se padres, monges e freiras? Que aprendam algum ofício com que possam sustentar-se” (1995, p. 303-304). Já os verdadeiros pais, que forem cristãos fiéis diriam “Pois, na verdade não queremos preocupar-nos apenas com o sustento de nossos filhos, mas também com sua alma.” (1995, p. 304).

O argumento de Lutero é fortalecido através da constatação de que se investem grandes quantias em aparatos de guerra, na construção de uma infraestrutura para o comércio e a agricultura, mas encontra-se muita resistência para empregar-se verbas na educação de nossos jovens através, por exemplo, do pagamento de bons salários a professores (1995, p. 305).

Lutero finaliza a discussão deste seu primeiro princípio educacional demonstrado que todo e qualquer investimento que se faz na educação de nossos jovens é irrisório diante daquilo que se gastava com a luxúria da Igreja e com os desvios de seus membros corruptos (1995, 305). Isso é, quando os cidadãos alemães viviam enganados comprando relíquias e indulgências, pagando altos tributos a Igreja e aos seus clérigos, gastavam absurdamente mais do que aquilo que se necessita para a construção e manutenção de escolas para a juventude.

Uma reflexão sobre a Educação Cristã na contemporaneidade
Sinto muita proximidade entre os problemas e desafios apontados por Lutero para uma Educação Cristã na Alemanha do século XVI e aqueles que enfrentamos hoje no Brasil. Façamos uma rápida análise dos principais questionamentos apontados por Lutero:

1) Uma visão instrumental da Educação Cristã: Talvez isso seja um dos aspectos que mais preocupa-nos no modelo educacional que vivenciamos na atualidade. É bem verdade que este pode ser visto a partir de duas perspectivas básicas, a primeira diz respeito à expectativa criada por alguns pais que vêem seus filhos como verdadeiros “planos de previdências privadas”, por meio dos quais projetam a concretização de todos os sonhos e projetos pessoais frustrados no passado. De uma maneira mais absurda ainda, alguns pais vêem na educação dos filhos a possibilidade de tirar proveitos financeiros, para tanto submetem seus filhos a variadas ameaças e supostas maldições. Para tanto, muitos pais preferem privar suas crianças de um ensino eminentemente cristocêntrico e, de uma maneira desumana, lançá-las em outros supostos espaços educacionais que nada mais são do que locais de torturas físicas (basta contabilizar o tempo de permanência destas crianças na escola, sem espaço para “ser criança” ou para descansar) e psicológicas (competições, pódios, medalhas, certificados, etc.; uma verdadeira linha de montagem de neuróticos, compulsivos, egoístas e frustrados). A outra perspectiva é a que comporta os auto-denominados “empresários da educação”, um verdadeiro contra-senso em se tratando de Educação Cristã, cuja finalidade deve ser a ampliação do Reino de Deus na vida de nossas crianças e jovens, e não o acúmulo de riquezas de um determinado indivíduo ou instituição. Os valores que desejamos transmitir são inegociáveis – em todas as acepções possíveis da palavra.

2) A decadência da Educação Cristã como consequência de um silencioso ataque do maligno: Esta é uma dura realidade que muitos educadores e Igrejas mantenedoras de escolas cristãs não querem encarar. A verdade é que nosso projeto de formar boas cabeças cheias de cristianismo e dos demais conhecimentos necessários e possíveis irrita o adversário do Reino de Deus. Quantas escolas cristãs poderiam ser fundadas se alguns templos suntuosos não existissem ou se ao menos fossem mais simples? Quantos jovens poderiam durante o dia ter suas vidas edificadas e consolidadas no cristianismo se nossos melhores cérebros cristãos estivessem a serviço do Reino dentro de salas de aulas nas quais o testemunho de Cristo pudesse ser anunciado interdisciplinarmente com os conteúdos do currículo educacional básico? Contudo, não percebemos que cada vez mais nos afastamos dos projetos sócio-educacionais nas igrejas em detrimento do luxo, do exagero, das competições arquitetônicas.

3) A falácia da alta custeabilidade de um projeto educacional: No texto em análise, Lutero assevera: “… seria justo que se doassem cem ducados, embora com eles se pudesse educar apenas um garoto de modo a tornar-se um varão verdadeiramente cristão. Pois um cristão verdadeiro é melhor e mais útil do que todos os seres humanos da terra“. (1995, p; 305)

Ora, diante de uma assertiva tão categórica como esta, resta-nos reconhecer que urge a articulação de um projeto educacional cristão de impacto para nossa comunidade. Não uma mega-escola para concorrer com as outras já existentes, e sim inúmeros pólos de Educação Cristã espalhados em nossa capital, em nosso estado, ensinando nossas crianças “no caminho”.

Ousamos o que a Bíblia nos diz, demos ouvido aos seus santos profetas da história recente da humanidade, façamos algo por nossas crianças e jovens, salvemo-nas de uma educação acristã.

Conclusão
Presenciamos o nascimento de uma nova geração de cristãos que foram, desde seu nascimento, embevecidos num complexo e maquiavélico mundo cultural, o qual serve diretamente aos caprichos do príncipe deste século. Cada vez mais nossas crianças e jovens são confrontados com uma mentalidade carnal e diabólica (Tg 3.15) que está sendo apregoada nas instituições de ensino secular. Diante de tal fato como devemos nos portar? Se permanecermos na inércia, contemplaremos, nas nossas velhices, nossos líderes incapazes de defenderem suas convicções e crenças, ou seja, se nada fizermos a igreja da qual fazemos parte estará fadada, num futuro não tão distante, a inexistência.

Ao invés de investirmos apenas em clínicas para reabilitação de drogados, somemos esforços para criar ambientes onde nossos filhos aprendam, desde cedo, os nefastos efeitos dos narcóticos, e, além disso, que também possam ouvir que somente vivendo nos braços de Jesus eles estarão livres das garras do mal.

Que formemos novos obreiros cheios de um espírito crítico, mas principalmente cheios do Espírito Santo, capazes de fugir das seduções da soberba, da autossuficiência e da exaltação.

Bibliografia
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Ética: Fundamentos, Oração, Sexualidade, Educação e Economia. Vol. 5. São Leopoldo: Comissão Interluterana de Literatura, 1995.

Thiago Brazil é evangelista, membro da Igreja Evangélica Assembléia de Deus – Ministério do Templo Central – em Fortaleza (CE); professor de filosofia em seminários teológicos; graduado, mestre e doutorando em filosofia pela Universidade Federal do Ceará.

 

Fonte: Mensageiro da Paz, Abril 2014


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