Categoria: Martinho Lutero e Coluna
Imagem: Apocalipse e Lutero - Protestantismo.com.br
Publicado: 21 de Novembro de 2020, Sábado, 18h00
Por: FÁBIO JEFFERSON (foto)
“Para mim tal livro [Apocalipse] não possui qualquer característica cristã. Que cada um julgue este livro; eu mesmo tenho aversão, e isto é o suficiente para rejeitá-lo.”
Sammtliche Werke, 63, pp. 169-170, The Facts About Luther, O’Hare, TAN Books, 1987, p. 203
Na página 203 (página 208, da edição de 1916: Link), o padre O’Hare afirma: “Há muitas coisas questionáveis neste livro”, diz ele sobre o Apocalipse, “a meu ver, não traz consigo nenhuma marca de caráter apostólico ou profético… Cada um pode formar seu próprio julgamento deste livro; quanto a mim, sinto aversão a ele, e para mim isso é razão suficiente para rejeitá-lo.” (Sammtliche Werke [Collected Works], 63, 169-170). Nos dias atuais e por muito tempo antes, os luteranos, envergonhados desses excessos, substituíram as duas epístolas e o Apocalipse do Cânon das Sagradas Escrituras.
O’Hare cita “Sammtliche Werke [Collected Works], 63, 169-170”. Este trecho pode ser visto aqui: Link.
Esta referência é sobre O Prefácio de Lutero ao Apocalipse de São João (1522). Foi incluído em sua tradução do Novo Testamento entre 1522 e 1527. O prefácio foi reescrito em 1530 e as edições subsequentes da Bíblia de Lutero usam a reescrita de 1530. Uma tradução em inglês foi incluída em The Works of Martin Luther Volume Six (Philadelphia: Muhlenberg Press, 1932), p. 488-489 e também em LW 35 298-399.
O’Hare definitivamente utilizou John Alzog, então ele pode estar apresentando uma versão editada da citação similar de Lutero de Alzog (O’Hare na verdade cita Alzog apenas alguns parágrafos depois). Veja aqui: link.
The Works of Martin Luther Volume Six (Philadelphia: Muhlenberg Press, 1932), p. 488-489, afirma:
Sobre este livro do Apocalipse de João, deixo todos livres para ter suas próprias ideias, e ninguém vincularia ninguém à minha opinião ou julgamento; eu digo o que sinto. Sinto falta de mais uma coisa neste livro, e isso me faz considerá-lo nem apostólico e nem profético. Em primeiro lugar, os apóstolos não lidam com visões, mas profetizam em palavras claras e simples, como fazem Pedro e Paulo e Cristo no Evangelho. Pois convém ao ofício apostólico falar de Cristo e de Seus atos sem figuras e visões; mas não há profeta no Antigo Testamento, para não falar do Novo, que lida de forma tão completa com visões e figuras. E então eu penso nisso quase como penso no Quarto Livro de Esdras, e não posso de forma alguma detectar que o Espírito Santo o produziu.
Além disso, ele me parece estar indo longe demais quando elgoia tanto seu próprio livro, – mais do que qualquer um dos outros livros sagrados, embora sejam muito mais importantes, – e ameaça que, se alguém tirar algo dele, Deus tratará da mesma forma com ele. Novamente, serão abençoados os que guardam o que está escrito nele; e ainda assim ninguém sabe o que é, para não falar em mantê-lo. É exatamente como se não o tivéssemos, e há muitos livros muito melhores para guardarmos. Muitos dos padres também rejeitaram este livro antigo, embora São Jerônimo, com certeza, o elogie muito e diga que é acima de tudo elogio e que há tantos mistérios nele quanto palavras; embora ele não possa provar isso de forma alguma, e seu elogio seja, em muitos pontos, muito suave.
Por fim, deixe que todos pensem nisso como seu próprio espírito o faz pensar. Meu espírito não consegue se encaixar neste livro. Há uma razão suficiente para não pensar muito nisso. Cristo não é ensinado ou conhecido nele; mas ensinar a Cristo é a coisa que um apóstolo é obrigado a fazer, acima de tudo, como Ele diz em Atos 1:8: ‘Sereis minhas testemunhas’. Portanto, eu me apego aos livros que me dão Cristo, de forma clara e pura.
John Warwick Montgomery afirma que “o Prefácio curto e extremamente negativo de Lutero ao Apocalipse de São João foi completamente abandonado após 1522, e o Reformador o substituiu por um Prefácio longo e inteiramente elogioso (1530). Porque ‘alguns dos antigos pais sustentaram a opinião de que não era a obra de São João, o apóstolo’. Lutero deixa a questão da autoria em aberto, mas afirma que não pode mais ‘deixar o livro em paz’, pois ‘vemos, neste livro, que através e acima de todas as pragas, bestas e anjos maus, Cristo está com Seus santos e finalmente obtém a vitória’. Em seu prefácio original de 1532 a Ezequiel, Lutero fez uma referência cruzada ao Apocalipse de São João sem nenhum indício de crítica; em seu Prefácio posterior, muito mais completo, a Ezequiel, ele conclui com a observação de que, se alguém deseja entrar no estudo profético, mais profundamente, o Apocaplise de João também pode ajudar. (John Warmick Montgomery, “Lessons From Luther On The Inerrancy Of Holy Writes”, Westminster Theological Journal Volume 36, 295). Mesmo na versão anterior de 1522, Lutero novamente explica que sua opinião não deve ser vinculativa: “Sobre este livro do Apocalipse de João, deixo cada um livre para terem suas próprias opiniões. Eu não gostaria que ninguém fosse sujeito à minha opinião ou julgamento”, (LW 35:398) e também, “que cada um pense nisso como seu próprio espírito o conduz.” (LW 35:399)
Semelhante a outros antilegômenos, Lutero diz que “muitos dos pais também rejeitaram este livro [Apocalipse] há muito tempo….” (LW 35:399) Os editores das Obras de Lutero acrescentam que ” a canonicidade do Apocalipse foi constestada por Marcião, Caio de Roma, Dionísio de Alexandria, Cirilo de Jerusalém e o Sínodo de Laodicéia em 360 DC, embora tenha sido aceito por outros como Eusébio relata… Eramos havia notado em conexão com o capítulo 4 que os gregos consideravam o livro apócrifo”. (LW 35:399).
O tom de escrita de Lutero, no prefácio revisado em 1530 contém apenas um resquício de dúvida quanto à sua canonicidade. Lutero diz: “Porque sua interpretação é incerta e seu significado oculto, nós também o deixamos em paz até agora, especialmente porque alguns dos antigos pais sustentaram que não era a obra de São João, o Apóstolo – como é declarado na História Eclesiástica, Livro III, capítulo 25. De nossa parte, ainda temos essa dúvida. Por isso, no entanto, ninguém deve ser impedido de considerar isso como obra de São João, o Apóstolo, ou de quem ele escolher”. (LW 35:400)
No mesmo prefácio revisado, Lutero afirma que existem diferentes tipos de profecia na cristandade. O livro do Apocalipse é do tipo que prediz o que está por vir. Ele afirma que “o terceiro tipo faz isso sem palavras ou interpretações, exclusivamente com imagens e figuras, como este livro do Apocalipse e como os sonhos, visões e imagens que muitas pessoas santas tiveram do Espírito Santo – como Pedro em Atos 2:17 prega de Joel 2:28 – ‘Teus filhos e tuas filhas profetizarão, e os teus jovens terão visões, e os teus velhos terão sonhos’. (LW 35:400)
Lutero então dá uma interpretação básica do texto, aplicando-o à sua época. Ele conclui:
“Com esse tipo de interpretação, podemos lucrar com este livro e fazer bom uso dele. Primeiro, para nosso conforto! Podemos ter certeza de que nem a força nem a mentira, nem a sabedoria nem a santidade, nem a tribulação nem o sofrimento suprimirão a cristandade, mas ela obterá a vitória e vencerá por fim. Em segundo lugar, pelo nosso aviso! Podemos estar em guarda contra a grande, perigosa e multiforme ofensa que se aflinge à cristandade. Porque esses poderosos e imponentes poderes devem lutar contra a cristandade, e deve ser privada de forma externa e escondida sob tantas tribulações e heresias e outras faltas, é impossível para a razão natural reconhecer a cristandade. Ao contrário, a razão natural desaparece e se ofende. Chamam isso de ‘Igreja Cristã’, que é realmente o pior inimigo da Igreja Cristã. Similarmente, chamam aquelas pessoas de hereges malditos que são realmente a verdadeira Igreja Cristã. Isso já aconteceu antes, sob o papado, sob Maomé, na verdade com todos os hereges. Assim, eles perdem este artigo do Credo, ‘Eu acredito na Santa Igreja Cristã'” (LW 35:409-410).
A conclusão que temos é que por volta de 1529/30, no entanto, Lutero passou a ter uma atitude muito mais favorável em relação ao Apocalipse, como também observamos. Essa nova perspectiva em relação ao livro do Apocalipse provavelmente se originou na preocupação de Lutero com a mesma situação que o levou a sua tradução de, e comentar, o livro de Daniel, preparado no mesmo ano. A esta altura Lutero estava disposto a reconhecer a notável relação entre esses dois livros proféticos – pelo menos, na medida em que ambos pareciam a ele lidar com o papado e eram ambos para conforto na última vez.
Fonte: Beggars All Reformation & Apologetics
Fonte 2: Web Archive Org
Tradução: Fábio Jefferson