[PROF. WOLFGANG TESKE] MARTINHO LUTERO - PRECURSOR DA UNIFICAÇÃO DA LÍNGUA ALEMÃ


Categoria: Coluna, Martinho Lutero, Historiografia
Imagem: Blog do Professor Wolfgang Teske - http://alfarrabioteske.blogspot.com/
Publicado: 19 de Agosto de 2017, Sábado, 00h10

Por: PROF. WOLFGANG TESKE (foto)

Martinho Lutero, ao receber o título de doutor na Universidade de Wittenberg, na Alemanha, em 1512, declarou: – “Profiro publicamente um caro voto pela Sagrada Escritura e prometo, para a vida toda, estudá-la e pregar sua mensagem, defender a fé cristã contra todos os hereges, por discussão e escritos. Que Deus me ajude“. E ele, efetivamente, se dedicou a esta missão como professor universitário, pelo resto de sua vida. É importante frisar que o pensamento teológico de Lutero era profundo e de muita riqueza. Sua vida foi marcada por centenas de escritos e muitas disputas teológicas com dezenas de intelectuais. Tanto nas obras escritas quanto nos debates, demonstrava ser mestre, tanto no conteúdo tratado, como no uso dos recursos retóricos, linguísticos e literários da época.


Martino Lutero / Imagem: Bom Mestre

Dentre os maiores desafios da Reforma, estava a necessidade de traduzir a Bíblia para a língua alemã, língua de seu povo. Entretanto, surgiu um impasse, pois o Sacro Império Romano Germânico era dividido em várias regiões e cada qual tinha um dialeto diferente. Tão diferente que os alemães do norte não conseguiam compreender o que os do sul falavam. Por esta razão, a tradução do Novo Testamento da língua grega, em 1522, e do Antigo Testamento do hebraico, concluída em 1534, se tornaram uma obra monumental. Ao iniciar este trabalho desafiador, Lutero escreveu a seu amigo George Spalatino: – “Estou começando a tradução da Bíblia que, a despeito de me ter incumbido desta tarefa, excede as minhas forças. Agora compreendo o que significa traduzir e por que ninguém se encarregou disto, disposto a lhe emprestar o nome“.

A pergunta que surge é: Por que Lutero estava tão determinado em traduzir a Bíblia das línguas originais? A razão estava no seguinte: a versão que era utilizada pela Igreja Católica, na época, era a Vulgata, uma tradução da Bíblia para o latim, escrita entre fins do quarto século e início do quinto, por São Jerônimo, e nos mosteiros também se encontrava a Septuaginta, uma versão grega do Antigo Testamento. Além disto, a Igreja não estimulava a tradução para outros idiomas, por considerar a Bíblia um livro obscuro e não apropriado para ser lido por leigos. Isso fazia com que o povo sequer compreendesse o que era dito e estava escrito, pois o latim era a língua utilizada nas igrejas e o texto bíblico ficava nas mãos do clero. Os padres liam e interpretavam a bel prazer os ensinos da Bíblia, e afirmavam que os dogmas da Igreja tinham o mesmo peso ou ainda maior do que o que estava nas Escrituras Sagradas.

No entanto, como fazer uma tradução para o alemão, com uma diversidade tão grande de dialetos? Exemplificando: para a palavra irmã, ou schwester no alemão padrão, criado por Lutero, na região de Köln ou Colônia, se utilizava a palavra suster, em München ou Munique, swester. Para a palavra amor, Liebe no alemão padrão, em Colônia se utilizava a palavra minne. Poderia aqui, mencionar inúmeros outros exemplos, mas são suficientes para se entender o que Lutero teve que fazer.

Antes de tudo, temos que compreender uma questão geográfica da época. Lutero residia na região da Saxônia, localizada na parte leste da atual Alemanha e que estava em franca ascensão. As vias de comércio da Europa passavam pela Saxônia, e isto fazia com que pessoas de todos os territórios de língua alemã migrassem em grande quantidade para lá. E cada um vinha com um falar próprio o que acabava gerando uma mistura e a criação de uma língua comum, chamado de “alemão forense de Meissen” (Meissner Kanzleideutsch). Este dialeto local era entendido em quase todo o Sacro Império Romano da Nação Germânica, e foi a partir dele que Lutero iniciou a tradução, com algumas particularidades.


Bíblia de Lutero

Para Lutero, a tradução da Bíblia não poderia ser palavra por palavra, teria que ser de uma forma que o texto final pudesse ser compreendido pelos leitores e ouvintes, tinha que ter sentido. Para tanto, orientou os seus auxiliares que fossem procurar as crianças na rua, falar com as donas de casa, com o padeiro e açougueiro, com as pessoas simples do mercado, para saber como se expressavam. Portanto, a recomendação era que o tradutor não focasse na complexidade da língua da qual se traduz, mas sim, a forma como o povo se expressava. Lutero não tinha dúvida, a Bíblia traduzida tinha que “falar a língua do povo”. Com esta arte de tradução, Lutero resgata o profundo significado do texto sagrado e fez isto a partir do universo linguístico do povo pobre. O fez de tal forma que, com fidelidade, conseguiu traduzir o sentido da língua original, e, assim, o povo alemão pode conhecer a Palavra de Deus em sua própria língua.

Por outro lado, apesar de unificar a língua alemã, não eliminou os mais variados dialetos que até hoje ainda existem na Alemanha. O que fez foi criar uma língua padrão, com um vocabulário e gramática próprias, apesar de algumas palavras serem pronunciadas de forma diferenciada em algumas regiões. O passo seguinte foi a criação das escolas em todo o Império Germânico, onde meninos e meninas aprendiam os aspectos léxico-gramaticais desta língua e, assim, podiam ler e interpretar a Bíblia. Além disso, podiam aprender todas as artes e conhecimentos previstos no currículo da época.

Formou-se um idioma alemão uniforme e erudito, que contribuiu diretamente para a sedimentação do sentimento de unidade cultural e econômica de uma nação alemã. Por isso, no século 18, quase trezentos anos depois, o poeta, filósofo e teólogo alemão Johann Gottfried von Herder afirmou que Martinho Lutero era merecedor do título: – “Mestre da nação alemã, sim, como correformador de toda a Europa, agora iluminada”. E Johann Wolfgang von Goethe, considerado uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo europeu, que, no final do século 18 e início do século 19, escreveu o drama trágico Fausto, sua obra prima, além de romances, peças de teatro, poemas, escritos autobiográficos, reflexões teóricas nas áreas da arte, literatura e ciências naturais, declarou: – “Os alemães só se tornaram um povo por intermédio de Lutero”. Tanto Goethe como Friedrich Schiller, poeta, filósofo, médico e historiador alemão, em dos grandes homens das letras da Alemanha no século 18, escreveram as suas obras nesta língua criada por Lutero.

E, 1763, o Império da Prússia derrotou a Saxônia na Guerra dos Sete Anos. Com isso, a Saxônia perdeu o papel de modelo cultural e, a partir de então, a língua oficial passou a ser o alemão padrão prussiano. Na Conferência para a Unificação da Ortografia Alemã, ocorrida em 1901, foram impostas regras fundamentais para a língua, uniformizando-a na Alemanha, na Suíça e na Áustria, que adotaram a ortografia prussiana. Entretanto, as regras léxico-gramaticais criadas por Martinho Lutero, testadas há séculos permaneceram, apesar da pronúncia das palavras serem modificadas. Isto mais uma vez tornou o reformador Martinho Lutero como pioneiro e precursor de uma língua padrão unificada.

Outro fator agregado a todo este panorama histórico é que na Alemanha o movimento que mais valorizou o nacionalismo foi a Reforma Protestante. Ao traduzir a Bíblia das línguas originais para o alemão, Martinho Lutero deu um grande passo para o nacionalismo e a unificação da própria Alemanha. A Reforma Protestante com o princípio de livre interpretação, e o Renascimento com sua arte foram e são elementos fundamentais para a nacionalidade, unificação e fortalecimento da Nação Alemã.

A tradução da Bíblia foi tão importante que estudiosos têm considerado Lutero como o pai da língua alemã e, além disso, muitos aprenderam a ler, na época, porque queriam ler as Escrituras. Eis um grande legado de Lutero e da Reforma Protestante para a atualidade.

Demais artigos da série 500 Anos da Reforma Protestante:

1- Luteranos e Católicos em paz?
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2016/10/luteranos-e-catolicos-em-paz.html

2- 500 Anos da Reforma Luterana
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/01/500-anos-da-reforma-luterana-02.html

3- A educação que transformou Lutero no herói da Reforma
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/02/a-educacao-que-transformou-lutero-no.html

4- Lutero – um monge agostiniano que encontrou a liberdade
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/03/lutero-um-monge-agostiniano-que.html

5- Mudança do sistema escolar promovida por Martinho Lutero
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/04/mudanca-do-sistema-escolar-promovida.html

6- Concepções de Lutero para a educação: escola pública, universal, gratuita e obrigatória
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/05/concepcoes-de-martinho-lutero-para.html

7 – Martinho Lutero – um escritor incansável
https://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/06/martinho-lutero-um-escritor-incansavel.html


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