Categoria: Martinho Lutero
Imagem: Fernando Jorge - Jornalista, Historiador, Escritor e Enciclopedista Brasileiro - Resistência Apologética
Publicado: 02 de Dezembro de 2016, Sexta Feira, 18h18
Lutero acendeu a fogueira da Reforma. No entanto, quem o ajudou a alimentar as labaredas foi a própria Igreja Católica, com os seus abusos, o seu mercantilismo, a sua insensatez, a sua venalidade. É inegável que ele tinha grandes defeitos, era um pecador contumaz, porém ela, a Igreja Católica, ostentava de modo insolente, despudorado, um enorme elenco de vícios execráveis. Assumia o ar de monja casta, mas comportava-se como a mais luxuriosa das prostitutas.
O trecho acima está na página 87 da biografia que o historiador Fernando Jorge fez acerca de Martinho Lutero. Tempos atrás publiquei uma crítica a este seu livro – Lutero e a Igreja do Pecado – por alimentar a fogueira católica ao repetir versões espantalhos de Lutero supostamente baseadas em frases extraídas das Tischreden (“Conversas à Mesa” ou Table Talk). As tais Tischreden, são transcrições de conversas com Lutero publicadas depois de sua morte e sem a sua revisão, não tendo qualquer evidência de que são mesmo todas confiáveis, e isso porque o formato atual que vemos hoje, chegaram a ser formuladas cerca de 200 anos depois de sua morte. Para um crítico literário, ou biógrafo que se preze a ser um historiador, tal tipo de material jamais deve ser utilizado como fonte primária formal ou judicial para se avaliar a filosofia e a teologia de quem quer que seja.
Apesar de não sustentar uma conclusão de sua tese central no livro, Fernando Jorge afirma que os motivos que levaram Lutero a iniciar a Reforma foi a sua obsessão pelo diabo que o levou a enxergar a igreja romana como a própria Sinagoga de Satanás.
Contudo apesar deste ponto negativo em sua obra (usar as Tischreden muitas vezes sem o devido contexto crítico e não sustentar sua tese proposta pela divulgação do livro), o Fernando Jorge como eu disse em outro artigo (veja aqui), traz exposições sobre Lutero mas também sobre a Igreja Romana que de certa forma, chega a ser algo que reduz em muito o pensamento de que a cristandade na Idade Média era algo a se admirar. Isto vindo de um escritor que é citado por católicos para caluniar Lutero, é por demais bem vindo para demonstrar que os tais, sequer são capazes de ler toda uma obra relacionada a Lutero ou seja lá qual for o assunto relacionado a Reforma e a Igreja Medieval.
Católicos todos os dias em páginas de facebook e grupos virtuais, costumam pintar a Igreja Romana como uma igreja atacada, vitimizada, uma santa recatada que foi injustamente surpreendida por um herege demoníaco que queria destruir a cristandade. O Fernando Jorge se de um lado expõe Lutero como um homem obcecado pelo diabo, por outro lado deixa a entender que essa era a condição que alguém honesto seria levado ao lidar com uma igreja que andava de mãos dadas com o pecado.
Contudo, diante de alguns textos extraídos da obra tão aclamada por católicos tupiniquins para caluniar Lutero, veremos que de vitima e santa recatada, na verdade a Igreja de Roma não tinha nada, e evidentemente havia se tornado numa larga porta para o inferno.
Lorde Macaulay, o insigne historiador inglês, não sofismou ao dizer o seguinte, a propósito da História dos papas, de Leopold von Ranke: “A guerra entre Lutero e Leão X foi uma guerra entre a fé firme [a do reformador] e a incredulidade, entre o zelo e a apatia, entre a energia e a insolência, entre a seriedade e a frivolidade, entre a pura moralidade e o vício”. Só discordo num ponto do autor dos Critical and Historical Essays: é quando ele evoca a “pura moralidade” de Lutero. Aliás, os defeitos do monge alemão nos parecem bem pequenos diante dos pecados de certos papas que, como admite lorde Macaulay, foram ateus, licenciosos e envenenadores.
O texto acima também é do livro – Lutero e a Igreja do Pecado – na mesma página 87 de onde se pode ler o texto supra citado no início deste artigo. Fernando Jorge faz uso de historiadores renomados como Thomas Babington, ou se preferir, Lord Macaulay, um barão e membro do parlamento escocês. Este por sua vez cita um dos maiores historiadores alemães do século XIX que é considerado o pai da “História cientifica”, o renomado Leopold von Ranke.
Baseando-se nestas e outras fontes de igual valor historiográfico, mas, muito ignoradas por meros leigos católicos caluniadores, o escritor e historiador Fernando Jorge ainda aborda outras questões delicadas demais para serem aceitas por um católico que passou os últimos anos se entupindo de desinformações falaciosas do Fernando Nascimento, Cris Macabeus, Rafael Rodrigues, Paulo Leitão e Cia.
Em resumo, trago abaixo alguns textos que organizei por tópicos, sendo que o melhor deles, eu deixo pro próximo artigo. Os tópicos organizados aqui por mim não seguem a mesma ordem de títulos capitulares que o Fernando Jorge dá no seu livro. Aqui assim fiz apenas para melhor abordar o conteúdo que pretendo expor.
Lutero nas palavras de Lutero – Eu fui verdadeiramente um frade piedoso e segui as regras de minha Ordem com mais severidade do que o posso dizer. Se jamais houvesse um frade que entrasse no céu por seu espírito fradesco, eu decerto seria um deles. E todos os religiosos que me conheceram podem dar testemunho disto. Se tais práticas houvessem durado mais tempo, eu teria me consumido até a morte, à força de vigílias, de preces, de leituras e de outros trabalhos. No dia 2 de maio de 1507, ele rezou sua primeira missa. Contará depois como, no momento de elevar a hóstia, ficou perturbado, sentindo-se só e indigno na presença de Deus. Para descrever o seu estado de espirito, usaria a palavra anfechtung, definidora de uma sensação de abandono, descrença e desprezo. A exacerbada consciência de suas faltas, das suas imperfeições. fez Lutero clamar, numa carta enviada a Staupitz, o provincial da Ordem: “Meus pecados, meus pecados, meus pecados!”
Fernando Jorge, Lutero e a Igreja do Pecado – Página 16
Lutero e sua carreira acadêmica – Leitor insaciável, ele devorou os escritos de Gerson, Duns Scotus, Tauler, Pedro D’Ailly, Nicolau de Lira, São Bernardo e São Tomás de Aquino. Dois autores o atraíram muito: Gabriel Biel, professor em Tubingen, “o último dos escolásticos”, e Guilherme Occam, o doctor invincibilis, monge franciscano inglês. (…) Occam foi um dos teólogos prediletos de Lutero(…) Em 9 de março de 1509, Lutero obteve o título de baccalaureus biblicus, isto é, de bacharel em História Sagrada, o qual lhe outorgava o direto de explica-la publicamente. E fora convidado por Frederico, o Sábio, em outubro do ano anterior, para lecionar na Universidade de Wittenberg. Tinha apenas vinte e cinco anos, quando lhe concederam esta honraria, mas parece que isto não aumentou o seu orgulho, pois via aquela cidade à margem direita do Elba, futuro centro de memoráveis lutas teológicas, como um lugar meio bárbaro, carente de cultura, situado no limite extremo da civilização. A carreira de Lutero como pregador público foi iniciada em Wittenberg, na capela da Ordem dos Agostinianos. Os seus sermões atraíram numerosa assistência e ele tinha, além do magnetismo pessoal, uma voz sonora, agradável, límpida, bem timbrada. De súbito, e não se sabe por quê, o jovem mestre retorna ao mosteiro de Erfurt, lá pelas alturas do mês de novembro de 1509. Ávido de cultura, inicia o estudo profundo do grego, a fim de poder ler os Evangelhos na redação original.
Fernando Jorge – Lutero e a Igreja do Pecado – página 16
A Alemanha da época de Lutero – A pátria de Lutero era “a vaca gorda de onde o papa tirava mais leite”, isto é, dinheiro. Os bens da igreja, ali, compreendiam a terça parte de seu solo, um fato que não ocorria em qualquer outra nação. E por ter concedido mais de dois mil cargos eclesiásticos, o Vaticano obtinha uma vultosa renda anual. Daí vinham o luxo, o extremo conforto, a vida esplêndida dos bispos, dos cardeais e do papa, mas os sacerdotes pobres, sem recursos, a fim de poderem sustentar as suas paróquias, abriam tavernas, casas de jogos, hospedarias, lugares suspeitos, estabelecimentos comerciais.
Fernando Jorge – Lutero e a Igreja do Pecado – página 69
O que Lutero teria que enfrentar – Lutero estava enfrentando a mais poderosa força unificadora da cultura ocidental: a Igreja Católica, Apostólica e Romana. Os textos, as palavras, as doutrinas do “monge do diabo”, eram um desafio à ortodoxia, à unidade dessa Igreja, fora da qual, segundo afirmou São Cipriano, não existe salvação, extra Ecclesiam, nulla salus. A vida pública da cristandade ocidental se achava sob a onipotência da Igreja. Esta, um superestado, possuía os seus próprios exércitos e dizia-se que toda a autoridade temporal e espiritual vinha do papado, pois o sumo-pontífice era o substituto de Deus na Terra, “o porta-voz do Juiz Supremo do Universo”. O papa Inocêncio III (1198 -1216), a fim de controlar a vida da Igreja, dera apoio espetaculoso aos tribunais formados para punir os hereges, cortes cuja jurisdição ia além do tûmulo: um defunto, após se submeter a julgamento, podia ser queimado nos autos-de-fé. Dessa maneira agiu a Inquisição pontificial ou romana, também chamada de Santo Óficio, instituição que em Portugal queimou cerca de mil e quinhentas pessoas, no decorrer de dois séculos, e que se estabeleceu na Espanha a pedido dos reis católicos Fernando e Isabel, com o objetivo de vigiar os “falsos cristãos”, isto é, os judeus marranos ou relapsos.
Fernando Jorge – Lutero e a Igreja do Pecado – página 67, 85
A Igreja e seu clero no tempo de Lutero
[Ao visitar Roma] Talvez lhe viesse à mente, de modo constante, aquela frase de Santo Agostinho: “Roma locuta, causa finita“. (“Roma falou, a questão está resolvida.”)
Mas ao visitar a capital da cristandade, Lutero se desiludiu com a cupidez do clero, pois ali, como se fosse numa feira, bispados, dioceses e sacramentos estavam à venda. Nas igrejas e nos locais de peregrinação, meretrizes se exibiam, ressuscitando os costumes depravados da época de Calígula, enquanto sacerdotes gananciosos, com a cruz no peito e palavras doces nos lábios, iam distribuindo, em troca de quantias elevadas, toda espécie de “relíquias”: cabelos de São João, dentes de São Jerônimo, a bacia de Pôncio Pilatos, espinhos da coroa do Salvador, palhas do berço do menino Jesus, moedas arrecadadas por Judas, após haver traído o filho de Deus… Aliás, o humanista Erasmo de Rotterdam já havia afirmado: eram adoradas, nas igrejas da Europa, doze cabeças de São João Batista e cinco tíbias do jumento no qual Jesus Cristo montou, a fim de ir a Jerusalém. Também existiam nessas igrejas, segundo Erasmo, lascas de madeira tidas como originarias da verdadeira cruz de Cristo, porém em quantia suficiente para construir um grande navio…
Roma forneceu a Lutero a impressão de ser uma abominável censurado[1], que entregava o seu asqueroso corpo sifilítico àqueles que mais pagassem…
O monge dominicano Savonarola, que em 1488 foi queimado numa fogueira, por ordem de uma tribunal particular, sem a interferência do papa, assim se expressou a respeito das vacas gordas da Bíblia: “Para mim, essas vacas gordas significam as meretrizes de Roma. Dizer que são mil é muito pouco para Roma, e dez mil, doze mil, quarenta mil, é ainda pouco!“
Mostraram coisas respeitáveis a Lutero na “cidade eterna”: as cabeças embalsamadas do apóstolos, a mesa da Última Ceia, os ramos da sarça ardente de Moisés, o manto púrpura de Cristo, a corda com a qual o Iscariotes se enforcou, a escada de vinte e oito degraus, que Jesus subiu para ser levado a presença do governador da Judeia. Eram as “relíquias” daquele “centro do mundo”, orbis in urbes. Todas as vezes que alguém mirasse uma delas, perderia alguns anos no Purgatório. Meses depois, Lutero iria registrar as impressões dessa viagem:
Vi o santo padre [Leão X] e a sua religião de ouro, e os ímpios cortesãos. Naturalmente o vi em igrejas abarrotadas, como é do seu hábito se apresentar por entre um mar de velas, mitras cintilantes e paramentos luxuosos. Carregavam o venerável ancião na cadeira gestatória, sob o flutuar de penas de pavão, no centro do cortejo. Assentado no seu trono, ele recebeu o beija-pé e a eucaristia, dando-lhe um cardeal, de joelhos, o cálice, o qual esvaziou, com o auxilio de uma cânula de ouro.
O monge rude, inimigo das pompas clericais, reprovou o modo de comungar do chefe da Igreja:
Que cristão pode e deve olhar com prazer o papa, ao receber este a eucaristia, sentado como um cavaleiro fidalgo e deixando o sacramento ser entregue em uma cânula de ouro por um cardeal, posto de joelhos diante dele, como se o Santo Sacramento não fosse digno de um papa! Imundo, pobre pecador, devia levantar-se para dar glórias a Deus, o qual é acolhido com todo o respeito por todos os outros cristãos, que são muito mais santos que o santíssimo padre.
Lutero não era o primeiro a criticar tal cerimônia, pois Alberti, escritor florentino falecido em 1472, havia lançado as seguintes perguntas no seu Diálogo sobre o papa:
Pensa você que seja realesco um pontífice revestir-se para se fazer adorar, assim como um deus, de um comprido casaco de mulher, como usavam os efeminados e os luxuriosos da Babilônia? Pensa você que seja marcial caminhar no meio do quadro de um batalhão, escoltado por longo cortejo? E pensa você que sejam pregadores verdadeiros os que por lucro se interessam pelos negócios de perjúrios, de usuras, de testamentos, de casamentos, de terras e de igrejas?
Segundo a opinião de Alberti, os padres estavam no grupo “dos homens mais cúpidos do mundo”. Um sacerdote queria ultrapassar o outro, pela pompa e pela ostentação. Eles desejavam jóias belas, ricas e ornamentadas, exibiam-se em público com um “exercito de comilões”, e por causa da preguiça, da ausência de virtude, viviam na lascívia, entregues aos prazeres da carne.
Podemos afirmar: os vícios, o nepotismo, a libertinagem, a imoralidade, dominavam a corte pontifícia, o Colégio Cardinálico Romano, sobretudo desde a época dos papas Sisto IV e Inocêncio VIII. Bispos e cardeais ajuntavam imensas riquezas, acumulando tanto ouro quanto lhes fosse possível. Girolamo Savonarola, o já citado monge dominicano, não tinha sofismas quando verberava esses costumes dissolutos: “Na igreja primitiva os cálices eram de madeira e os prelados de ouro. Nos dias de hoje, a Igreja tem cálices de ouro e prelados de madeira“.
Autor de um só livro, do qual se conservou um único exemplar, eis como o padre espanhol Deligado classifica a Roma daquele tempo:
…triunfo dos grandes senhores e Paraíso das prostitutas, Purgatório dos jovens e Inferno de todos, fada Morgana dos pobres e ninho dos ladrões.
O jesuíta Madeu disse que Roma, de “capital do império de Cristo“, passou a ser “o reino do desbragamento, a pátria das messalinas“, onde os servidores do altar mergulhavam rapidamente no “leito do despudor“. Ali “os mais infames proxenetas eram confidentes dos prelados e dos príncipes eclesiásticos“. Bem antes do padre Deligado e do jesuíta Madeu, o poeta latino Juvenal não mediu as palavras ao condenar os vícios da cidade dos césares:
“Quid Romae faciam? Mentiri nescio“.
(Que faria eu em Roma? Não sei mentir.”)
Frase popular da época de Martinho Lutero:
“Quem visita Roma, perde a fé“.
Os seguidores de Lutero viram na Roma papal a Grande Prostituta do Apocalipse, que é descrita no Novo Testamento (…) Por causa do seu farisaísmo, dos seus processos sangrentos, da sua tirania sobre as consciências, a Roma católica se assemelhava, de modo amplo, a essa Grande Prostituta do Apocalipse. É uma afirmativa de Eugen Relgis, na História sexual de la humanidade, autor que também enxergou, na urbe às margens do Tibre, “a capital da corrupção religiosa na Idade Média.
Esse apodrecimento moral não era um privilégio da cidade onde onde São Pedro morreu crucificado, de cabeça para baixo. Bondael, num panfleto flamengo, criticou a poligamia dos frades e a conduta das monjas que usavam “saias estreitas”, tão estreitas que pareciam estar nuas.
“Dezenas de religiosos, como o bispo Bonifácio, o venerável Beda e o bispo Ratério, de Verona, os dois primeiros no século VIII e o ultimo no século X, mostraram em vários textos a licenciosidade do clero europeu. Não faltam exemplos, em tal sentido.“
Archembald, bispo de Sens no referido século X, após expulsar os monges de sua abadia, ali instalou um harém de concubinas. E no claustro pôs falcões de caça e molossos, os seus corpulentos e ferozes cães de fila… Um bispo de Liége, chamado Henrique, era pai de sessenta e cinco filhos ilegítimos. Frades de São Teodardo impuseram a “pernada”, o jus primae noctis, aos habitantes de Saint-Auriol, isto é, esses frades podiam ter o direito à primeira noite de uma mulher recém-casada. Fatos dessa natureza inspiraram a Folengo, o poeta satírico italiano nascido em 1496, a seguinte descrição dos sacerdotes daquela época: “…bem arranjados, bonitos, bem postos, exímios em jogos de cartas, useiros e vezeiros em terem por conta meretrizes a quem chamam de irmãs, e bastardos, a quem chamam de sobrinhos, em trazerem capa à espanhola, em mandarem tufar o veludo das calças, em criarem aves de rapina, gaviões, perdigueiros, etc.“.
Teófilo Folengo, depois de escrever isto acrescentou:
E, entretanto, a Igreja chora, dilacerada e doente, porque quem entra no seu interior vê tanta sujeira que ela mais parece uma pocilga de porcos do que um templo.
Consoante a feliz imagem de J.Babelon, “a barca de São Pedro navegava num oceano de imundicies“. Sim, e cenas imorais, eróticas, apareciam até nas obras de arte das igrejas. No púlpito da catedral de Estrarburgo, por exemplo, havia uma escultura em pedra, mostrando os gestos libertinos de um monge e de uma freira, um deitado ao lado do outro. O mesmo parzinho podia ser visto na catedral de Erfurt. Coisas assim também eram contempladas nas igrejas de Basiléia, Bremen, Doberan, Magdeburgo, Nordlingen, Worms, Wetzlar e Zerbst.
Informa o escritor Lujo Bassermann que o mosteiro da fundação de São Leonardo, em Francfort-sobre-o-Meno, possuía um bordel. Parte dos lucros auferidos nesse lugar caía nas mãos dos monges daquele mosteiro. Tal comércio durou até o ano de 1561. E um bispo, Johann von Strassburg, foi mais longe ainda em 1309, pois ele próprio mandou construir o seu prostíbulo.
O Clero parecia estar ao serviço do diabo. Já não respeitava os preceitos da Bíblia. (…).
_____________________________
(Fonte: Fernando Jorge – Lutero e a Igreja do Pecado – paginas 24 a 30 – ênfase e negritos acrescentados)
Todo este extenso texto acima sobre a Igreja e seu clero no tempo de Lutero, são do livro do historiador católico Fernando Jorge que sobre Lutero e o papa ainda expõe:
Lutero e o papa (pag 83)
Numa de suas cartas, dirigida a Leão X, o monge rebelde escreveu que a Santa Sé, também chamada de Corte de Roma, era mais corrompida do que qualquer Babilônia ou Sodoma, estando mergulhada na mais infrene, desesperada e irremediável impiedade. Entretanto, não parou aí esta crítica de Lutero, ou melhor, a sua objurgatória:
A Igreja de Roma, antes a mais santa de todas as igrejas, tornou-se o covil sem leis de ladrões, o mais impudico de todos os bordéis, o próprio reino do pecado, da morte e do inferno. E a tal ponto que nem mesmo o Anticristo, se um dia surgir, poderá imaginar qualquer acréscimo a tanta iniquidade…
Leão X, “homem digno”, vivia naquela corte governada pelo próprio Satanás. Aqui Lutero suavizou um pouco a sua crítica, pois ele já via o diabo na figura do sumo-pontífice. Nenhum sacerdote católico ousara falar assim com um papa, ao longo da história da Igreja. A audácia de Lutero, sob tal aspecto, chegou a limites nunca antes alcançados:
“Não é verdade que não existe nada mais corrupto, mais pestilento e mais odioso do que a Corte de Roma? Ela supera em muito a impiedade dos turcos e sendo outrora o portal do Paraíso, é agora uma espécie de entrada aberta para o Inferno.(…).“
Estas acima são apenas algumas citações que nos mostram como andava a igreja medieval na época de Lutero. A tese do Fernando Jorge, é que Lutero era obcecado pelo diabo e ao ver a igreja neste estado, entendeu que ela não poderia ser a verdadeira igreja de Cristo. Como o Fernando Jorge é católico romano, obviamente ele não iria defender este ponto de que devido a tais erros, a igreja romana então não poderia ser a igreja de Cristo, pelo contrário, ele conclui que essa obsessão pelo diabo vinha dos próprios erros de Lutero. Daí que em partes do livro, o Fernando Jorge passa a expor citações de Lutero que nos soam como blasfêmias ou delírios.
Todavia é importante ressaltar que tais citações abordadas por Fernando Jorge e por muitos católicos mundo a fora, tem como fonte uma obra não confiável para estipular este tipo de juízo. Quando não citam diretamente o “Conversas à Mesa”, usam outras fontes que remetem a esta obra. Mas, o “Conversas à Mesa” como já explicado, é uma coleção de comentários de Lutero escritos por estudantes e amigos de Lutero e só reunidos e publicados muito tempo depois de sua morte tendo o formato atual numa margem de 200 anos desde que o reformador teria dito tais coisas. Assim, não é oficialmente um escrito de Lutero e não serve de base para interpretar sua teologia. Até mesmo o historiador católico e crítico de Lutero, Hartmann Grisar, apontou que:
É claro, não se deve ignorar que o Conversas à Mesa são efêmeros – ‘filhos do momento’. (…) contém frequentes exageros e denunciam uma falta de moderação. Os flashes estilo relâmpago que eles emitem não são sempre verdadeiros. Os exageros momentâneos do locutor às vezes gera contradições que conflitam com outras conversas ou declarações literárias. Frequentemente declarações humorísticas são recebidas como declarações sérias. Humor e sátira de um tipo muito pungente fazem um grande papel nestas conversas.
Hartmann Grisar, Martin Luther: His Life and Work, Maryland: Newman Press, 1950, pág. 481
Portanto, eliminando o fato de se usar as “Conversas à Mesa” para caluniar Lutero e o fato de tentar o por como um obcecado pelo diabo, o livro do Fernando Jorge nos serve de boa fonte sobre a época em que viveu Martinho Lutero e as principais controvérsias com a igreja de seu tempo. E se por acaso algum leitor ainda pense em criminalizar Lutero como um louco blasfemador que era obcecado pelo diabo, eu sugiro que procure pensar na real possibilidade de que Lutero era obcecado na verdade por Cristo. Afinal, é isso que afirma os dois ultimo papas que ainda vivem em nosso tempo.
Abre aspas para Papa Bento XVI:
O que não dava paz (a Lutero) era o assunto de Deus, que era a paixão profunda e a força de sua vida e seu total itinerário. (…) O pensamento de Lutero, sua espiritualidade inteira, estavam completamente centrados em Cristo.
Papa Bento XVI. Erfurt, Alemanha – 23 de setembro de 2011 – Fonte: G1.
Agora abre aspas para Papa Francisco:
Acredito que as intenções de Lutero não tenham sido erradas, era um reformador, talvez alguns métodos não foram corretos, mas naquele tempo, se lemos a história do Pastor – um alemão luterano que se converteu e se fez católico – vemos que a Igreja não era precisamente um modelo a imitar: havia corrupção, mundanismo, apego à riqueza e ao poder. E por isso ele protestou, era inteligente e deu um passo adiante justificando porquê o fazia. Hoje protestantes e católicos estamos de acordo na doutrina da justificação: neste ponto tão importante não havia errado. Ele fez um remédio para a Igreja, depois esse remédio se consolidou em um estado de coisas, em uma disciplina, em um modo de fazer, de crer, e depois estava Zwinglio, Calvino e detrás deles haviam os princípios, ‘cuius regio eius religio’.
Papa Francisco, Armênia. 27 de junho de 2016 – Fonte: Portal Zenit – O Mundo Visto de Roma
Que será agora que farão os apologistas católicos que passaram os últimos anos poluindo a internet com mentiras e calúnias contra Lutero? Será que irão protestar contra os papas e os historiadores católicos que os desmentem?
O mais engraçado é que quando os católicos são desmascarados ao citarem o “Conversas à Mesa”, eles então passam a citar outras fontes como o Patrick O’Hare que na verdade não cita sequer outra fonte em sua maioria que não seja o próprio “Conversas à Mesa”. Espero que depois de dois papas atuais terem elogiado Lutero e agora que o Vaticano recebeu uma imagem de Lutero e a expôs em ato de cortesia aos luteranos, isso não torne os católicos tupiniquins, nos protestantes que eles tanto condenam, seria risível demais.
Att: Elisson Freire
Fonte: Resistência Apologética / Notas: [1] Palavra com significado obsceno