[PROF. WOLFGANG TESKE] DOUTOR MARTINHO LUTERO COMBATE O PLÁGIO


Categoria: Coluna, Martinho Lutero
Imagem: Blog do Professor Wolfgang Teske - http://alfarrabioteske.blogspot.com/
Publicado: 13 de Dezembro de 2017, Quarta Feira, 01h17

Por: PROF. WOLFGANG TESKE (foto)

A maior obra literária do doutor Martinho Lutero, sem dúvida alguma, foi a tradução do Novo Testamento do grego e o Antigo Testamento do hebraico para a língua alemã, organizando a própria língua alemã, no século 16. Um trabalho exaustivo, que demorou algo em torno de 13 anos para ser concluído por Lutero e seus auxiliares.

Quando a tradução do Novo Testamento foi concluída, em 1521, a versão logo foi impressa, e se tornou conhecida e difundida. Apesar de sua importância para todos os habitantes do Sacro Império Romano Germânico, o duque Jorge da Saxônia, em 1527, tomado de inveja, proibiu a circulação desta obra de Lutero. Não bastou Lutero ter sido excomungado da Igreja Católica Romana e declarado um proscrito pelo Imperador Carlos V, era necessário acabar também com as suas obras literárias e o seu nome tinha que ser apagado. Para tanto, este duque, encarregou o seu secretário, o teólogo e advogado Jerônimo Emser para fazer uma nova tradução. Emser, por sua vez, apenas retirou o nome de Lutero da versão do Novo Testamento e, em seu lugar, colocou o seu. Alterou algumas palavras e frases de alguns trechos afirmando que Lutero não traduzira adequadamente das línguas originais e apresentou a obra como sendo resultado de seu trabalho de tradução para a língua alemã. Emser nada mais fez do que plagiar a obra inovadora do reformador.

Plágio, conforme definição adotada na atualidade, não é apenas fazer uma cópia idêntica e não autorizada de outra pessoa, seja artística, literária ou científica, pois quando alguém faz uma maquiagem, alterando apenas algumas coisas, dando uma aparência diferente, apropriando-se de forma mascarada de alguma obra, não importando se for um pequeno trecho ou completa, está cometendo plágio. Foi exatamente isto que aconteceu com a versão traduzida do Novo Testamento de Lutero.


Livro Carta Aberta – Lutero

O reformador, sem contar com este tipo de leis, apresenta a sua defesa, através de um pequeno livro, em 1530, denominado Carta Aberta do Dr. Martinho Lutero a respeito da Tradução e da Intercessão dos Santos. Neste documento, ao defender a sua obra, Lutero, literalmente, desmonta Jerônimo Emser e o chama de picareta de Dresden, e questiona: como esperar que um cabeça de burro, que se conhece pelas orelhas e pelo zurro, que desconhece as línguas originais, fizesse uma tradução deste nível? E afirmou: – “E para que ninguém pense que estou mentindo, coloque lado a lado os dois testamentos, o de Lutero e o do picareta, compare-os e verá quem é o tradutor de ambos”. Referindo-se ao impostor, disse também: – “Ele pegou o meu Novo Testamento, quase palavra por palavra, do jeito que eu fiz, tirou o prefácio, minhas observações e meu nome, escreveu o seu nome, prefácio e observações, para, então, vender o meu Novo Testamento com o nome dele”.

Lutero, na sequência de sua argumentação, define este tipo de atitude que, atualmente, é denominado de plágio, ao escrever: – “Não obstante, deixo que outros julguem que virtude é essa: difamar e denegrir o livro de outrem para, então, furtá-lo e publicá-lo, mesmo assim, sob o próprio nome, buscando, portanto, o próprio prestígio por meio do trabalho alheio difamado”. E, sem falsa modéstia, afirma: – “A arte, dedicação, a razão e o entendimento é que fazem o bom tradutor”, qualidades que o picareta de Dresden não tinha.

Lutero sabia que uma pessoa sozinha, não teria condições mínimas para fazer uma tradução da Bíblia, porque ele mesmo tinha um grupo altamente qualificado para lhe auxiliar, tais como: Felipe Melanchton, professor de Grego e Hebraico; Mateus Goldhahn, professor de hebraico, e que produziu uma gramática hebraica, fundamental na tradução do Antigo Testamento, além de contar com mais seis outros professores. Esta equipe foi fundamental para que conseguisse encontrar o melhor sentido do texto original na língua do povo e esclarece: – “Na tradução, eu procurei reproduzir um sentido puro e claro. Muitas vezes nos sucedeu ficarmos quatorze dias, três, quatro semanas buscando e perguntando por uma única palavra e, mesmo assim, algumas vezes não a encontramos”. Ele dá um exemplo, demonstrando a dificuldade na tradução de um trecho do livro de Jó. – “Em nosso trabalho em Jó, Felipe, Goldhahn e eu chegamos a demorar quatro dias, e apesar deste tempo, não conseguimos concluir três linhas”.

Na realidade, a argumentação de Lutero está pautada na questão ética, pois um tradutor de textos bíblicos necessita respeitar e dominar um conhecimento linguístico e cultural e ter muita experiência, além de, estar comprometido com as questões teológicas. Sobre o compromisso teológico Lutero argumenta: – Ah! A tradução não é arte para qualquer um, como julgam esses santos malucos, para tal é preciso ter um coração forte, probo, fiel, dedicado, temente, cristão, estudado, experiente e treinado. Por isso, sou da opinião de que nenhum falso cristão nem espírito sectário consegue traduzir com fidelidade”.

Lutero, ao desmontar o seu opositor, afirma que um tradutor necessita dominar a técnica linguística, que diz respeito ao uso das palavras certas e que darão o sentido da língua original na tradução. O que muito incomodou os adversários de Lutero é que ele usou além da técnica linguística, a técnica hermenêutica para fazer a tradução dos originais, isto é, traduziu pelo sentido, fazendo com que os seus compatriotas entendessem o sentido das palavras e frases em sua língua. O teólogo e filósofo Friedrich Schleiermacher, profundo conhecedor da língua grega, no século 18, se refere a Lutero como o primeiro perito a usar a técnica hermenêutica para fazer tradução de uma língua original.

O que deixou Lutero extremamente irritado e indignado, é que aqueles que lhe roubaram a autoria da obra, se apresentaram como sabichões e, por isso, disse o seguinte: – “Eles são doutores? Eu também sou. São eruditos? Eu também. São pregadores? Eu também. São teólogos? Eu também. São dialéticos? Eu também. São preletores? Eu também. São filósofos? Eu também. Eles escrevem livros? Eu também. E quero gabar-me ainda mais: eu sei interpretar salmos e profetas, eles não sabem. Eu sei traduzir, eles não. Eu sei ler a Sagrada Escritura, eles não. Eu sei orar, eles não. E passando para coisas menos importantes: a sua dialética e filosofia eu sei melhor do que eles todos juntos. E sei ainda que realmente nenhum deles entende seu Aristóteles. E se entre todos eles houver um que entenda corretamente um prefácio ou capítulo em Aristóteles, então podem me enforcar”. Sendo profundo conhecedor de todo o cenário histórico e da conjuntura do Império e da estrutura eclesiástica da época, defendendo a sua tradução e sua obra e revoltado pelo plágio sofrido escreve: – “Sou um doutor acima de todos os doutores em todo o papado, e isto basta. Doravante, simplesmente vou desprezá-los e quero tê-los desprezado, enquanto forem gente, ou melhor, burros dessa laia”.

Para desmascarar o plágio ocorrido, ainda diz: – “Arar é fácil, quando o campo está limpo. Mas arrancar a floresta e os tocos e preparar o campo, isso ninguém quer fazer”.

Nesta época, ainda não existia a Lei de Direitos Autorais, que poderia assegurar uma defesa legal de Lutero perante o Império, em relação ao seu trabalho intelectual e literário. É bem provável que este tipo de prática de plágio se tornara algo recorrente no período do Iluminismo, pois em 1886 foi aprovada a Convenção de Berna, na Suíça, que estabeleceu proteção das obras literárias e artísticas. Esta resolução foi sendo atualizada e, no século 20, incorporada na ONU, e incluída na Constituição Federal do Brasil, regulamentada pela Lei 9610/98. Esta Lei tem oito artigos que asseguram a autoria das obras intelectuais, os direitos do autor e direitos conexos e estabelece sansões às violações dos direitos autorais, entre outros. Se no século 16, o Poder Judiciário existisse, bem como a lei dos Direitos Autorais, não tenho dúvida de que o doutor Martinho Lutero entraria na justiça para requerer a proteção dos direitos autorais de sua obra. Ele teria razão para tal, como afirmou: – “Pois não cobrei, nem pedi, nem ganhei um centavo sequer para isso. Não busquei a minha fama, e tudo o que fiz foi para servir aos cristãos amados e para a glória de Deus”.

De todo modo, da tradução de Emser ninguém tem notícia, mas a Bíblia de Lutero foi reconhecida como patrimônio cultural mundial pela UNESCO.


Bíblia de Lutero

Demais artigos da série 500 Anos da Reforma Protestante:

1- Luteranos e Católicos em paz?
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2016/10/luteranos-e-catolicos-em-paz.html

2- 500 Anos da Reforma Luterana
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/01/500-anos-da-reforma-luterana-02.html

3- A educação que transformou Lutero no herói da Reforma
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/02/a-educacao-que-transformou-lutero-no.html

4- Lutero – um monge agostiniano que encontrou a liberdade
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/03/lutero-um-monge-agostiniano-que.html

5- Mudança do sistema escolar promovida por Martinho Lutero
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/04/mudanca-do-sistema-escolar-promovida.html

6- Concepções de Lutero para a educação: escola pública, universal, gratuita e obrigatória
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/05/concepcoes-de-martinho-lutero-para.html

7 – Martinho Lutero – um escritor incansável
https://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/06/martinho-lutero-um-escritor-incansavel.html

8 – Martinho Lutero – precursor da unificação da língua alemã
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/07/martinho-lutero-precursor-da-unificacao.html

9 – Martinho Lutero – um intelectual à frente de seu tempo
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/08/martinho-lutero-um-intelectual-frente.html

10 – Martinho Lutero e a Música
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/09/martinho-lutero-e-musica.html

11 – Os ecos do martelo de Martinho Lutero ressoam há 500 anos
http://alfarrabioteske.blogspot.com.br/2017/10/os-ecos-do-martelo-de-martinho-lutero.html


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