LUTERO E SUAS SUPOSTAS CITAÇÕES HERÉTICAS ALEGADAS POR THEOBALD BEER E OUTROS ROMANISTAS


Categoria: Martinho Lutero
Imagem: Julgamento de Lutero, imagem meramente ilustrativa - Resistência Apologética
Publicado: 15 de Agosto de 2015, Sábado, 15h39 - 1 comentário

Diversas páginas católicas andam a reproduzir supostas citações atribuídas a Lutero na intenção de denigrir a imagem do reformador para reforçar apelos que invalidem o protestantismo. A estratégia funciona assim: Mostre aos protestantes que Lutero era um blasfemador e então provamos que o protestantismo tem tanto valor quanto as calúnias de Lutero, ou seja, NADA.

Contudo ao nos depararmos com as supostas citações, percebemos que se trata de uma propaganda caluniosa de pura e generalizada desinformação que cabe a nós darmos um fim sem deixar de apresentarmos uma boa resposta para cada uma das supostas alegações ou interpretações que fazem. É preciso dizer primeiramente que ainda que Lutero tivesse dito tais coisas, isso não seria cousa suficiente para invalidar o protestantismo afinal, OS SUCESSORES DE PEDRO EM ROMA, OS PAPAS especificamente os da renascença não foram lá grandes exemplos de moralidade e ortodoxia e Lutero perto deles poderia ser considerado um santo, mesmo assim, os erros, pecados e blasfêmias papais não são tidas no meio romanista como coisa que invalide o catolicismo que para além disso afirma que ouro continua a ser ouro, mesmo sendo oferecido por mãos impuras COMO AS DO PAPADO MEDIEVAL.

Sendo assim, militantes católicos reproduzem essas coisas hipocritamente que não são nada diferente de citações blasfemas do próprio romanismo que faz do bispo romano um deus na terra, senhor de todos e juiz até dos anjos a quem todos devem se submeter se desejarem a salvação (isso sim é blasfêmia). Na pior das hipóteses, Lutero não mais seria que um péssimo exemplo de cristão assim como muitos papas e santos católicos o foram em algumas circunstâncias, e na melhor das hipóteses como eu disse acima em vista de alguns papas, Lutero seria um santo. De todo modo não é a Lutero ou qualquer outro reformador ou a Roma quem nos referenciamos e sim a Cristo todo suficiente e sua palavra como fundamento assim como os apóstolos nos transmitiram de uma vez por todas e como nossos antigos pais eclesiásticos testemunharam com seu sangue e vida.

Ao me deparar com o entusiasmo romanista nos lançando essas “blasfêmias” de Lutero, surgiu logo a pergunta, de ondes eles tiram essas coisas? Qual a veracidade e credibilidade de tais informações e quais fontes são usadas? Pois bem, cada citação e artigo que são reproduzidos aos montes, pode-se perceber a similaridade em sempre citarem as mesmas coisas no mesmo formato de exposição, e sempre coisas que ao serem rastreadas nos levam a uma unica origem, uma pagina australiana de apologética católica (Lutero, “Expondo o Mito”) já antes muito refutada por James Swan em diversas alegações caluniosas. Esta página católica assim como o apologista Swan nos demonstra em seu blog, nos traz, um dos piores conteúdos sobre Lutero que alguém possa usar, evidentemente por ignorar e negligenciar fatores como contexto, história e veracidade na sua análise sobre Lutero.

Este site católico passou por revisões (pode-se ver o gráfico aqui), Swan observa que o artigo original de 2004 (aqui) difere do texto atual linkado acima e foi parcialmente plagiado de um boletim católico datado de 1985 do Seminário São Tomás de Aquino em Ridgefield, Condado de Fairfield – Connecticut.

O documento pode ser visto (aqui) exposto pelo James Swan.

Portanto agora que já rastreamos a verdadeira fonte das supostas citações que os romanistas usam, passemos agora a expor algumas delas e desmascarar as calúnias veiculadas aqui no Brasil levantadas contra o reformador para desmoralizar e descredenciar o protestantismo.

Em suas “Conversas à Mesa” [Tischreden, em alemão] — anotações de admiradores editadas em forma de livro, Lutero dizia coisas terríveis sobre Deus e sobre Jesus Cristo.

Resposta:
As “Conversas à mesa” (Tischreden) de Martinho Lutero são uma compilação de diálogos com os seus discípulos e colegas e como dito acima pelo próprio romanista, foram anotadas e editadas em forma de livro, logo não são um tratado formal de teologia. Além do mais como diz no site http://www.portal-luterano.org.br/tablet…:

As Tischreden são compilações de frases que saíram da boca de Lutero, mas não de sua pena. É no mínimo temerário usar frases soltas de Lutero que foram anotadas por várias pessoas diferentes (muitas vezes às pressas) para fazer acusações sem levar em consideração as obras que o próprio Lutero escreveu e publicou“.

A primeira edição alemã do “Conversas à Mesa” foi preparada por um dos que tomavam notas, Johannes Aurifaber (Goldschmitt) e publicada em 1566 vinte anos após a morte de Lutero. A obra é um conjunto de gatafunhos escritos por alunos e colegas de Lutero, onde contam em segunda mão supostas histórias vividas com o reformador alemão. Não é portanto uma boa fonte que comprove qualquer blasfêmia da parte de Lutero, e muito menos ainda quando os textos são recebidos sem qualquer análise crítica, para formular uma opinião sobre o pensamento dele.

O texto das “Conversas” está disponível online numa tradução para o inglês (aqui) e (aqui).

“Cristo Adúltero. Cristo cometeu adultério pela primeira vez com a mulher da fonte [do poço de Jacó] de que nos fala São João. Não se murmurava em torno dele: “Que fez, então, com ela? ” Depois, com Madalena, depois, com a mulher adúltera, que ele absolveu tão levianamente. Assim, Cristo, tão piedoso, também teve que fornicar, antes de morrer” (Lutero, Tischredden, Conversas à Mesa, N* 1472, edição de Weimar, Vol. II, p. 107, apud Franz Funck Brentano, Martim Lutero, Ed Vecchi Rio de Janeiro 1956, p. 15).

Resposta:
Se uma fonte de 1566 já não é confiável para sustentar tais alegações ditas por Lutero, que se dizer então de uma versão de 1956 que se baseia em outra versão crítica dos escritos de Lutero, publicados em Weimar, entre 1912 e 1921, por Ernst Krone que soma 125 volumes e nem tudo de qualidade uniforme? Pois bem, é esta a fonte usada acima. Todas apontam para as supostas “Conversas à Mesa” que como já mencionado, não são um tratado teológico e sim coleções editadas e reunidas décadas depois de Lutero supostamente as ter pronunciado.

A citação acima também faz um apelo ao citar como fonte o Funck Brentano em sua obra Martinho Lutero pois quem a elaborou a tirando do contexto sabe que será difícil convencer um honesto leitor de que Lutero realmente disse tais coisas ao mesmo tempo que alcançou enorme destaque em converter milhões de almas a rejeição do catolicismo romano papal. Citam o Brentano porque ele é um biografo e historiador protestante e então com isso tentam dar maior credibilidade a adulteração contextual que fazem.

Mas qual a veracidade da citação? Vejamos o que diz um historiador católico, já que os romanistas usaram um protestante para darem um ar de imparcialidade:

“É completamente absurdo pensar que Lutero chamasse a Cristo adúltero. Faz alusão aos murmúrios dos judeus contra Jesus. Se o texto não aparece claro, é porque Schlagenhaufen (um dos que anotaram as conversas à mesa com Lutero) descuidadamente omitiu algumas palavras explicativas, v.gr., «adulter coram mundo», que encontramos num lugar quase paralelo. Pregando sobre Madalena em 1536, dizia: «Et dicunt eum diabolum… Filius hominis est ein Seuffer, helt zu Buben und Huren… Iohannes coram mundo Seuffer und Huren» (WA 41, 647). O que disse, pois, Lutero foi que Cristo pareceu perante o mundo como adúltero, porque murmuraram dele ao vê-lo com a samaritana e outras pecadoras.(Ricardo García-Villoslada, na sua obra “Martín Lutero”, tomo II, página 251)

Portanto daí vemos que a citação dos romanistas está adulterada e mal interpretada intencionalmente.

Lutero blasfema:
“Deus est stultissimus” [Deus é estupido] (Lutero, Conversas à Mesa, ed Weimar, N* 963, Vol. I , p. 487. Apud Franz Funck Brentano op. cit. p. 147).

Resposta:
Outra citação usada não só fora do contexto mas também intencionalmente mal interpretada. O Volume da Obra citada refere-se a “Hälfte der dreißiger Jahre, Sammlungen Veit Dietrichs und Medlers” ou “Metade dos anos trinta, coleções Veit Dietrich e Medlers” e pode ser vista (aqui). A pagina 487 pode ser vista (aqui), e a conversa 963 está localizado na parte inferior da página 487, continuando a página 488. Esta citação vem da seção de entradas por Veit Dietrich e Nicholas Medler gravados no início de 1530 e pode ser vista a partir (daqui), embora os manuscritos não estivessem disponíveis até 1912. Este trecho escrito em alemão e latim tem a seguinte redação:

O que a citação diz é:
“Deus é muito tolo [ou estúpido], pois o mais poderoso inimigo, Satanás, se opõe a um homem doente que é como um caniço agitado. Ele deve irritar terrivelmente o diabo pois ele, um grande, poderoso e inteligente espírito, não é capaz de superar ou ferir o homem, uma criatura tão humilde e fraca sem a permissão de Deus. Portanto, irritado Satanás lança dardos inflamados contra nós, sendo que o remédio é o escudo da fé. Isso, certamente, muitas vezes tem sido feito comigo.”

O que Lutero supostamente se refere ironicamente é ao fato de Deus provocar bastante ao diabo, um ser poderoso, com um mero homem fraco e mortal. Analisando a frase percebemos o estilo hiperbólico de Lutero sempre ao expressar suas ideias. Sendo assim fica óbvio que não se trata de uma blasfêmia. No nosso linguajar de hoje, dirianos que Deus está sacaneando o diabo, tirando onda com a cara dele ao fazer com que um ser embora tão poderoso, só possa atingir a seres fracos como nós apenas com sua permissão divina e que para o diabo, isso seria estupidez tanto poder divino em favor dos fracos humanos miseráveis.

O “Deus est stultissimus” de Lutero seria a blasfêmia das blasfêmias, se não fosse o elogio de louvores. Por seu famoso “Deus é estúpido”, Lutero expressa que os homens não podem percebê-Lo com sua inteligência miserável. Deus deixa ao diabo o papel do intelectual. (Jean Cocteau)

Além disso, os romanistas amam citar a biografia de Lutero feita por Frantz Funck-Brentano. A obra original é da Grã-Bretanha: Academia Books de 1939 e não 1956, ambas as versões inglesa e brasileira não trazem a citação em seu contexto. Na obra, Funck-Brentano apenas afirma:

Verdadeiro Deus foi grande e poderoso, argumentou Lutero, e bom e misericordioso, e todo esse tipo de coisa; mas Ele era estúpido [1]. Ele era um tirano. [1] Deus est stultissimus (Tabela número 963. Discussão edição Weimar I, 487)“.

Portanto basta analisar a obra citada por Brentano que então percebemos a péssima adulteração e ignorância contextual que os romanistas fazem.

Lutero concluía : “Deus age sempre como um louco”
(Franz Funck Brentano, Martim Lutero, p. 111).

Resposta:
O que podemos notar é que os romanistas sempre fazem referencia de uma fonte, que cita outra fonte e por sua vez mencionam uma fonte mas nunca trazem o paragrafo inteiro. Só que desta vez, tal referência não é do Brentano e sim do amador Peter Wiener, em sua obra “Martinho Lutero – Antepassado Espiritual de Hitler” (pode ser visto aqui) no mesmo site desonesto que é a fonte de todas as calunias contra Lutero. Wiener levantou a citação da biografia de Lutero feita por Frantz Funck-Brentano, que por sua vez cita outra fonte que é a Edição de Weimar já mencionada acima e todas mencionam o “Conversas à Mesa”. Ou seja, os romanistas não citam NADA que seja realmente comprovado como tendo sido dito por Lutero quando se referem as conversas à mesa. Primeiro que, como antes mencionado, tal obra não é um tratado de teologia e sim coleções de citações reunidas décadas depois da morte de Lutero e revisadas séculos depois e para além disso, nem Wiener nem Funck-Brentano documentam Lutero corretamente mas apenas fazem pinceladas de ideias supostamente atribuídas a ele.

O que Peter Wiener cita é:

“Deus muitas vezes age como um louco “;” Deus paralisa a velha e cega a jovem e, portanto, permanece mestre “, eu olho para Deus nada melhor do que um canalha”, “Deus é estúpido” (“Table Talk”, No. 963, W1, 48)”

De acordo com Wiener a referência para estas citações está na mesma conversa 963 da pagina 48, mas ele errou, pois a pagina é a 487. Percebam que ele, assim como os romanistas em sua maioria, sempre soltam frases soltas desconexas mas NUNCA os parágrafos inteiros. Na verdade é um jogo de citações e referencias secundárias que remetem ao “Conversas à Mesa”. A coisa piora quando percebemos que todas os artigos católicos baseados no “Lutero, Expondo o Mito”, além de estarem plagiando citações secundárias, pra piorar estão usando fontes de autores sem nenhuma credibilidade. Mostrei acima que o Wiener tem sua obra hospedada no mesmo site que o “Lutero, Expondo o Mito”, mas vejamos o que o Peter Wiener diz sobre ele mesmo:

“Eu não sou nem estudioso, nem político, nem teólogo, nem autor profissional. Eu sou um simples professor” (p. 5).

Pois bem, aí estão as verdadeiras fontes católicas, um leigo amador e um site de apologética católica que usa fontes secundárias sem qualquer contexto e veracidade e ainda fazem isso para sustentarem que são a verdadeira igreja. Mas, só se Deus fosse mesmo muito louco e tolo para que isso fosse verdade, uma igreja apostata, mentirosa e caluniadora de seus contraditores sendo sua verdadeira igreja? Impossível.

ps: daqui a pouco eles vão dizer que eu chamei Deus de louco e tolo… rsrsrs (romanistas tem problemas com contexto pois amam um bom pretexto para nos atacar).

Cadernos pessoais de Lutero recentemente descobertos estudados pelo Padre Theobald Beer que publicou um livro sobre o tema Lutero afirma que Cristo é, simultaneamente , Deus e satanás, o bem e o mal. Lutero exibe um dualismo gnóstico e herético. Os protestantes desconhecem os escritos de Lutero. Os poucos Pastores que conhecem esses textos buscam esconder essas tais frases.

Resposta:
Quem não parece ter lido nada de Lutero com honestidade é o próprio padre Been que achou ter descoberto algo novo sobre Lutero e publicou em 1980 seu livro de 584 páginas intitulado Der fröhliche Wechsel und Streit, baseando-se em recentes descobertas (nem tão recentes pois tem mais de 50 anos) anotações de Lutero em maioria muito antes de seu clamor pela reforma quando ainda era um monge agostiniano desenvolvendo suas ideias. O Padre nem precisaria ter ido tão remotamente para caluniar Lutero, todos sabemos que além de teólogo, Lutero foi um filósofo em seu próprio direito e abominou explicações aristotélicas e escolásticas sobre doutrina da graça, fé, justiça, e salvação. Ele constantemente expôs a pseudo-lógica e soluções vergonhas de seus oponentes com a realidade do paradoxo divino ao fazer afirmações hiperbólicas e reflexões retóricas onde muitas vezes cita o que o raciocínio de seus contraditores implicam e não o que ele mesmo sugere. Não devemos sair por ai aceitando conclusões romanistas desonestas de analises superficiais baseados em citações remotas de Lutero que não passam de rascunhos e rabiscos e que a própria editora luterana se dispõe a veicular. Nada temos a esconder sobre Lutero nem a temer do que ele disse pois ele apontou como marco e direção as escrituras a igreja primitiva como modelo, nós seguimos seu exemplo nisso, o que é coisa diferente dos romanistas.

Sobre os tais cadernos recentemente encontrados
Não há nenhuma referência de que cadernos de Lutero ou até mesmo um livro foi encontrado recentemente contendo tais ideias gnósticas e maniqueístas como muitos alegam. Na verdade o que foi encontrado são algumas anotações de seu “Tratado da Liberdade Cristã” na Biblioteca Humanista de Sélestat, no nordeste da França, escondido na coleção de um estudioso da Renascença, chamado Beatus Rhenanus. A publicação “Tratado da Liberdade Cristã”, escrita em 1520 em latim, contém 50 anotações escritas em vermelho à mão por Lutero, que foram autenticadas por especialistas.

Trata-se de um “rascunho para impressão” de uma segunda edição, que chegou às mãos do sábio Beatus Rhenanus (1485-1547) por meio de um cânone de Augsburgo, no sul da Alemanha, antes de ser impresso em Basileia, na Suíça, no início de 1521, incorporando quase inteiramente as modificações do “pai do protestantismo”, explicou o pesquisador James Hirstein, que também é professor de latim e quem encontrou o manuscrito. Rhenanus e os impressores anônimos da Basileia também contribuíram para a impressão. Ao longo dos séculos e das reedições, 15 notas de Lutero acabaram desaparecendo, “porque ninguém sabia que eram suas”, disse Hirstein. As notas do reformista alemão “apontam sua forte relação individual com Deus”, disse o pesquisador. (veja isso aqui).

Para além disso, a obra referida já existe em duas versões, latim e alemão, por isso, sendo as versões mais usadas as que estão em alemão que por sua vez são traduzidas para o inglês e então para o português. Essas mudanças ou notas e citações recém descobertas se referem à versão Latina. Dado o período de tempo caótico e intenso em que este tratado foi escrito, para que essas mudanças nunca fossem divulgadas antes isso nos leva a concluir que Lutero não estava muito preocupado com elas, então não há nada de substancial encontrado que possa insinuar que Lutero tivesse pensamentos gnósticos e maniqueístas acerca de Deus e de Cristo. E se caso demonstrem isso, o próprio que descobriu tais citações cita que elas são bem anteriores a divulgação da obra, são rascunhos, que provavelmente foram depois desconsiderados por Lutero, e é claro, o que era Lutero antes de iniciar seu clamor pela reforma? Ora, ele era um padre católico. Portanto não é de se admirar que tivesse tais ideias reflexivas e além disso, Lutero era um filósofo nato, questionador muito do que se diz que ele tenha dito, na verdade são reflexões dele acerca do que outro disseram como o caso dele supostamente ter chamado a Cristo de adultero.

Sobre Obras de Lutero “ainda não conhecidas” por pastores.
Estima-se que cerca de dezenas de milhares de páginas de documentos nunca foram traduzidos para o idioma Inglês o que mudou até recentemente pois a Concordia Publishing House, está supervisionando uma expansão do conjunto de 55 volumes de obras de Lutero em Inglês sendo que mais uns 20 volumes já estão concluídos. Mas como disse acima, tais obras de Lutero estão em latim e alemão não se tratando de algo que seja de caráter que alguém queira esconder, simplesmente elas ainda não estão disponíveis em inglês ou português. Ainda assim cerca de um terço de seus escritos estão disponíveis para leitores em Inglês. O primeiro volume das novas edições foi publicado em 2009. (veja mais de 300 obras publicadas aqui). Grande parte permanece inacessível para Inglês mas estão em lingua alemã e latina dos que existem em língua inglesa temos 178 dos mais de 2.000 sermões sobreviventes. Os novos 20 volumes das Obras de Lutero serão organizados em nove divisões:

1. Primeiros trabalhos (de 1509 – 1521) sendo 2 volumes

2. Disputas, sendo 2 volumes

3. Lutero sobre os Salmos , sendo 3 volumes

4. Exegese sendo 5 volumes

5. Prefácios, sendo 1 volume

6. Escritos teológicos e polêmicos (de 1521-1546) sendo 1 volume

7. Sermões (de 1521-1546) sendo 3 volumes

8. Cartas, sendo 2 volumes

9. Biografia, sendo 1 volume

Portanto, além das recentes notas de Lutero que foram encontradas e que são 50, e mais as diversas obras ainda não traduzidas para inglês, nenhuma delas apresenta algo que possa ser apontado como maniqueísta ou gnóstica só porque Lutero se opõe a Agostinho em alguns pontos e a filosofia aristotélica usada pelos antigos pais da igreja. Outras ainda são rabiscos, rascunhos, reflexões que não transmitem interesse substancial mais do que as obras já existentes. O que o tal padre estudou foram as obras existentes em latim e alemão e essas citadas acima, nada de novo ele traz que não seja as antigas acusações contra Lutero, além de é claro fazer diversas citações descontextualizadas da Edição de Weimar.

O que exatamente o Theobald Beer diz?
Como eu já mencionei acima, os romanistas nunca nos apresentam o paragrafo que alegam em seu contexto, eles sempre fazem uma citação tirada de outra fonte que cita outra fonte. Rastreei cerca de 50 artigos na internet em versão portuguesa e mais uns 100 na versão inglesa para encontrar o que realmente este padre diz que estivesse veiculado numa pagina católica, pois a unica menção que fazem é que o “O Padre estudou os cadernos de Lutero e concluiu que ele era um gnóstico e maniqueísta”.

Pois então, encontrei algumas coisas que o padre Beer afirmou sobre e contra Lutero e descobri que se tratam de suas analises do ‘Conversas à Mesa”. Por exemplo Hans Urs von Balthsar , em seu livro, Theo-Drama: Theological Dramatic Theory: IV: The Action (Ignatius Press, 1994; traduzido da edição de 1980 do Jonhannes Verlag), cita o padre Beer extensivamente (ou seja, as citações de Beer da Edição de Weimar do Conversas à Mesa), em uma seção, “O radicalismo de Lutero,” no que diz respeito às declarações do “reformista” na cristologia ( pp 284-292. ) o autor usando a referência, da referência do padre Theobaldo diz, que Lutero disse:

Cristo é mais maldito e abandonado do que todos os santos; ele não se limitou a sofrer um pouco, como certas pessoas imaginam. Em toda a realidade e verdade, ele apresentou a Deus a condenação eterna do Pai para nós. ( p. 285 , de WA, 56, 392, 7 ss.)

Ora então segundo os romanistas Lutero estava blasfemando contra Cristo ao dizer que Jesus foi o mais maldito de todos os santos e mais abandonado porque se deu por condenado em nosso lugar ao Pai? Me parece que os católicos então nunca leram a Bíblia pois ela mostra exatamente isso. Cristo se fez maldição em nosso lugar para nos salvar da ira e condenação divina. Isso é fato.

Cristo sentiu todo o mal que está em nós após o ato de pecado, ou seja, a morte e o medo do inferno. (p. 285 , de WA, 8, 87, 34 ss.)

Nesta outra declaração Lutero apenas diz que Cristo sentiu aquilo todos nós sentimos, e aquilo que todos sofremos em decorrência do pecado, A MORTE E O MEDO do inferno. Não há blasfêmia alguma aí. Lutero não afirma que Cristo tinha o mal, ou que tinha o medo do inferno e da morte, ELE DIZ QUE CRISTO SENTIU TUDO ISSO por nós.

Ele sentiu a ira de Deus, mais do que qualquer outro homem. Na verdade, ele sentiu pena de inferno.( p 285. , de WA, 40, III, 716, 6)

Ora, e não foi exatamente isso que Cristo passou? Pela ira divina reservada a nós e a a pena do inferno em nosso lugar?

[Cristo é tanto] morto e vivo, maldito e abençoado, na dor e na alegria; assim, ele absorve em si tudo o que é mal. . . (287 p. ; referência WA inalcançável a partir da cópia on-line)

Este trecho faz apenas referência ao sofrimento de Cristo e nesse sofrimento, em sua dor e alegria, ele foi morte e vida, maldição e benção, absolvendo ou, recebendo todo o mal…. que é claro, fora reservado a nós. Não há blasfêmia nisso.

Deus não pode ser Deus sem primeiro se tornar um demônio; não podemos entrar no céu sem antes ir para o inferno. ( p 289. “; Cf. toda a passagem da interpretação do Salmo 117: 31, I, 249, 16-250, 37”)

Aqui se faz referência a nossa condenação a nossa condição, Deus é referido como demônio no sentido de julgar, de nos acusar, denunciar nossos delitos e em nossa condição pecaminosa merecemos o inferno e estávamos a passos largos indo pra ele antes de sermos conduzidos ao céu pela porta da graça. Devemos lembrar que o mesmo Deus que pela sua graça nos salvou, é o mesmo Deus que em sua justa e santa natureza, antes, nos condenou ao inferno. Que blasfêmia há em dizer isso? Basta checar os escritos de Lutero sobre salvação e graça que se entende exatamente o que ele diz a respeito.

Essas são algumas citações usadas por outros autores citadas pelo Padre Beer para traçar uma cristologia de Lutero, notem que quem as analisou foi UM ROMANISTA e não é de admirar a aversão dele pelos escritos de Lutero pois já leu tais escritos na pura intenção de encontrar cabelo em ovo.

Theobald Beer além de fazer analises ROMANISTAS no “Conversas à Mesa” também foi o primeiro a estudar milhares de notas que Lutero adicionou às margens dos escritos de Agostinho, Pedro Lombardo, e outros escritos de Lutero no período de 1509-1516(antes da Reforma) incluindo também as notas de Lutero nos escritos de Anselmo e outros escolásticos e antigos pais da igreja daí surge sua alegação de que Lutero tinha forte influencia maniqueísta e gnóstica. Só que essa conclusão de Theobald deriva de sua percepção da oposição de Lutero em algumas citações de Agostinho e outros antigos padres, daí que, como tais escritos patrísticos e escolásticos são contrários ao maniqueísmo e gnosticismo, o romanista conclui então que Lutero estivesse aderindo a tais ideologias heréticas.

Resumidamente, o Padre pegou escritos iniciais de Lutero quando ele desenvolvia suas ideias, viu que ele se opunha ao aristotelismo como forma de explicação teológica, viu que ele discordava de Agostinho em alguns pontos e então concluiu que Lutero era um maniqueísta gnóstico. Ora, isso pra mim é o mesmo que alguém querer invalidar toda a obra do apostolo Paulo só porque antes ele perseguia cristãos, ou até mesmo querer desconsiderar a Davi devido ele ter sido mentor de um assassinato. Pegar citações anotações e rascunhos que sequer tiveram continuidade na exposição teológica de Lutero é das mais desonestas ações dos romanistas caluniadores que esquecem de perceber que se caso assim Lutero fosse, um herege maniqueísta, ele o era até romper com Roma enquanto era católico, e depois voltou pra ortodoxia do evangelho. Isso não é diferente como por exemplos com papas como Zózimo e Libério quando um capitulou com o pelagianismo e outro com o arianismo tendo depois de serem corrigidos, retornado a ortodoxia.

Outra fonte católica que reproduz as analises de Theobald Beer, começa com a seguinte citação:

“Lutero? Delírio Maniqueísta” (Felipe Melanchthon)

Logo em seguida se afirma:

“Portanto, ataca Agostinho onde ele se opõe aos maniqueus. Por isso, Melanchthon o acusou de maniqueísmo depois da morte, porque em Lutero voltamos dois deuses, os dois Cristos.(…)” (Beer: 58)

“Dado que Cristo é uma dualidade para Lutero, Ele não pode ser a terceira pessoa da Santíssima Trindade, que encarnando tornou-se uma só pessoa: “Cristo não pode ser “pessoa”, deve ser um “compositum”, pois nele devem coexistir a divindade e a maldição, ou seja, a diabolicidade.” (Beer: 55).

Primeiramente deve ser lembrado que muito do que Melanchthon escreveu depois da morte de Lutero deve ser rejeitado, incluindo a sua revisão da Confissão de Augsburgo, sob ameaça de perseguição da Igreja Católica. Antes de sua morte Melanchthon se arrependeu de sua heresia. E em segundo lugar, o dualismo maniqueísta eleva ao diabo enquanto que Lutero eleva a Deus. E quanto ao exemplo acima de suposta heresia de Lutero, é uma acusação falsa (assim como todas as expostas neste link católico[aqui]).

Lutero tinha um jeito de se expressar por meio de paradoxos e hipérboles. Ele iria aproveitar todas as oportunidades para demonstrar que não é humanamente possível compreender o mistério de Deus ter executado Seu próprio Filho na cruz e é sobre este evento que Lutero faz essas diversas declarações. Os aristotélicos, escolásticos, agostinianos e romanistas jamais conseguiram a resposta pra isso. Para Lutero, a razão é prostituta do diabo. (Grande Catecismo 1,1-3, F. Bente e WHT Dau, tr. Triglot Concordia: Os Symbolical Livros do Ev Lutheran Church. (St. Louis: Concordia Publishing House, 1921), 565.)

Lutero está sempre falando e se referindo a Cristo na cruz. Quem é este que morreu pelos pecados do mundo? Lutero diz respeito a Cristo como diabo do diabo. (LW Vol. 22, pp 332-349). Pois como que Cristo continua a ser uma pessoa com duas naturezas ao mesmo tempo em que é transformado em um pecador maior do que o próprio diabo na cruz? É ai que exatamente ele se refere “ao divino e o diabólico co-existentes dentro dele.” Ou como se referem acima “pois nele devem coexistir a divindade e a maldição, ou seja, a diabolicidade“. Não é portanto uma afirmação de Lutero que assim seja e sim uma reflexão uma análise de que como Deus poderia dizer sobre Cristo: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo“, e, em seguida, permitir que seu filho fosse executado na cruz com mais ódio do que Ele odeia ao diabo? O próprio diabo não acreditava que era possível Deus permitir isso. Com certeza ele teria impedido que Pôncio Pilatos ordenasse a execução de Cristo. É aí que Lutero hiperboliza esse pensamento ao dizer:

“deve-se conceder uma hora de divindade do diabo e eu devo atribuir a diabolicidade a Deus” (Beer: 55)

Todo o alvoroço do Theobald se deve em não ter compreendido que a doutrina da justificação sustentada por Lutero rompeu decisivamente com o modelo agostiniano de distribuição progressiva da graça. Somos justificados não porque Deus nos está tornando gradualmente justos, mas porque fomos declarados justos com base no sacrifício expiatório de Cristo. Para Lutero Cristo pagou por mais graça do que o diabo e o mundo inteiro em todas as épocas poderiam pecar. Por isso ele diz:

“Cristo não tomou sobre si só uma condição humana geral, mas submeteu-se ao diabo e concorda com o diabo de alguma forma. Ele não assumiu só as culpas, como afirma a fé católica, mas também a disposição ao pecado.” (Beer: 55)

Lutero não está dizendo que Cristo assumiu a disposição ao pecado, ele se refere a NOSSA DISPOSIÇÃO AO PECADO que é uma condição humana geral. O que Lutero explica é que muitos negam aquilo que não podem entender. Ao negar que a justiça de Cristo é imputada ao homem pela fé, ele também está negando que Deus imputou todo o pecado de todos os tempos em Cristo, na cruz, e nela o homem é declarado justo enquanto Cristo é condenado como o diabo, como o próprio mal. Na cruz, Deus ama o mundo que odeia ao mesmo tempo que odiou a Cristo a quem Ele ama. O sacrifício foi absoluto pois o poder infinito da graça de Cristo não pode ser mais ensombrada por qualquer quantidade de pecado. O grande paradoxo é que a graça salvadora é um dom de Deus que não pode ser conquistada, mas é somente recebida por meio da fé. E são esses paradoxos abordados por Lutero que fazem com que desonestos apontem ele como um blasfemador herege gnóstico maniqueísta sem perceber que Lutero está apenas explicando acerca das ações que cada natureza que há em Cristo, tiveram na redenção.

Não é nada novo fazerem esta confusão uma vez que nos acusam de nestorianismo quando dizemos que Cristo como sendo Deus não tem mãe, mas tem Maria mãe da sua natureza humana. Os romanistas sempre fazem essa confusão entre PESSOA E NATUREZA e esquecem que Cristo é UMA PESSOA COM DUAS NATUREZAS DISTINTAS, uma humana e outra divina. O que me admira é um estudioso elogiado pelo papa emérito Bento XVI fazer uma confusão destas apenas para caluniar o reformador.

Att: Elisson Freire.

 

Fonte: Resistência Apologética


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1# "Como sempre protestante justificando o injustificável com argumentos Pífios e distorcendo tudo." - Católico Tridentino, 05 de Junho de 2022, 23h41

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