ZWINGLIO E A REFORMA SUÍÇA (1481-1522) NA PERSPECTIVA DE A. KNIGHT E W. ANGLIN


Categoria: Historiografia
Imagem: Ulrico Zwinglio - Opera Mundi UOL
Publicado: Originalmente publicado em Agosto/2008 e republicado no dia 07 de Agosto de 2021, Sábado, 17h20 - 1 comentário

Deixando Lutero em Wartburgo, notemos o que Deus tinha estado a fazer pelo seu povo em outro ponto da Europa por meio de outros instrumentos. É especialmente digno de menção que ao mesmo tempo em que se ia iniciando a Reforma na Alemanha, ia-se abalando cada vez mais o trono papal, em consequência de um despertamento religioso na Suíça, e o instrumento que Deus tinha escolhido para o cumprimento desta obra ali foi um padre de Roma chamado Úlrico Zwínglio. Se Lutero era filho de um mineiro, o reformador suíço não se podia gabar de ser de origem mais nobre, visto que seu pai era pastor, e guardava seu rebanho em Wildaus, no vale de Tockemburgo.

Se não fosse o fato de o pai de Zwínglio destiná-lo a igreja, podia este ter morrido sem que seu nome jamais chegasse a nós. Mas tudo foi sabiamente ordenado por Deus, que tinha uma obra especial e importante para dar a fazer ao filho do pastor; e a sua mocidade foi regulada em conformidade com isso. Ainda não tinha dez anos de idade quando o mandaram para os estudos, sob a vigilância do seu tio, o deão de Wesen, e ali deu tais provas da sua inteligência, que seu parente tomou a responsabilidade da sua educação e mandou-o estudar sucessivamente em Basiléia, Berne, Viene, e de novo em Basiléia. Quando voltou para esta cidade teve a felicidade de ficar entregue aos cuidados do célebre Tomás Wittembach, homem que via claramente os erros de Roma, e ao mesmo tempo não era estranho à importante doutrina de justificação pela fé. O professor não escondia ao seu discípulo, nem os seus conhecimentos, nem as suas opiniões; e foi ali que Zwínglio ouviu pela primeira vez, com um sentimento de admiração, que “a morte de Cristo era o único resgate para a sua alma“.

Deixando Basiléia após concluir o seu curso de teologia e depois de ter tomado o grau de bacharel em letras, foi escolhido para pastor na comunidade de Claris, onde ficou dez anos. Durante a sua permanência ali, dedicou-se a um estudo profundo das Escrituras e a examinar com atenção as doutrinas e práticas da igreja primitiva, como estavam descritas nos escritos dos antigos doutores, e isso mais o convenceu do estado de corrupção em que se achava a igreja professa; e começou a exprimir as suas opiniões sobre matérias eclesiásticas com uma clareza admirável.

No ano de 1516 estava ele em Einsiedeln, no cantão de Schwyz, tendo recebido um convite do governador do mosteiro dos Beneditinos para paroquiar a igreja de Nossa Senhora de Ermitagem, que era então um foco da idolatria e superstição de Roma. O que Lutero vira em Roma, viu Zwínglio em Einsiedeln; e o seu zelo na obra da Reforma foi estimulado pelas deploráveis descobertas que ali fez. Os seus trabalhos na Ermitagem foram abençoados, e o administrador Geroldseok e vários monges convertidos.

Depois de um ministério fiel de três anos em Einsiedeln, o reitor dos cônegos da igreja catedral de Zurique convidaram-no para ser seu pastor e pregador, sendo este convite aceito. Alguns, suspeitando das doutrinas reformadas, opunham-se à sua nomeação, mas a sua reputação era tão grande, e os seus modos tão atraente, que estava a maioria a seu favor, e foi devidamente eleito. Zurique tornou-se então a esfera central dos seus trabalhos, e foi ali que travou conhecimento com Oswaldo Myconius, que mais tarde escreveu a sua vida.

Zwínglio Pregando em Zurique
Quando ele pregava na catedral, reuniam-se milhares de pessoas para o ouvir; a sua mensagem era nova para os seus ouvintes, e expunha-a numa linguagem que todos podiam compreender. Diz-se que a energia e a novidade do seu estilo produziu impressões indescritíveis, e muitos foram os que obtiveram bênçãos eternas por meio do Evangelho puro e claro, enquanto que todos admiraram-se do que ouviam. Era grande a sua fé no poder da Palavra de Deus para converter as almas sem explicações humanas. Não quis restringir-se aos textos destinados às diferentes festividades do ano, que limitavam, sem necessidade, o conhecimento do povo com respeito ao livro sagrado e declarou que era sua intenção começar no evangelho de São Mateus e segui-lo capítulo por capítulo, sem os comentários dos homens. “No púlpito“, diz Myconius, “não poupava ninguém. Nem papa, nem prelados, nem reis, nem duques, nem príncipes, nem senhores, nem pessoa alguma. Nunca tinham ouvido um homem falar com tanta autoridade. Toda a força e todo o deleite de seu coração estavam em Deus e em conformidade com isso exortava a cidade de Zurique a confiar somente nele“. “Esta maneira de pregar é uma inovação!” – exclamavam alguns – “e uma inovação leva a outra; onde irá isto parar?“. “Não é a maneira nova“, respondia Zwínglio, com modos cortezes e brandos, “pelo contrário é antiga. Recordem-se dos sermões de Crisóstomo sobre S. Mateus, e de Agostinho sobre S. João“. Com estas respostas pacíficas, desarmava muitas vezes os seus adversários, chegando até com frequência a atraí-los a si. Neste ponto ele apresenta um notável contraste com o rude e enérgico Lutero.

Estava Zwínglio em Zurique havia pouco mais ou menos um ano quando a peste visitou a Suíça, e o reformador foi atacado por ela. Ele orou a Deus sinceramente pelo seu restabelecimento e obteve resposta para a sua oração, e a misericórdia divina em o poupar foi mais um incentivo para uma devoção ainda mais profunda. O poder da sua pregação aumentava sempre, e seguiu-se um tempo de muita benção, convertendo-se centenas de pessoas; e por este motivo os padres ficavam encolerizados e indignados. Zwínglio convidou-os mais do que uma vez para uma disputa pública, mas eles receavam o convite, e por fim, para fazerem calar o reformador, apelaram para o Estado. Este apelo foi a ruína deles, porque o Estado decretou: “Visto que Úlrico Zwinglio tinha por diferentes vezes convidado publicamente os contrários à sua doutrina a contradizê-la com argumentos das Escrituras, e visto que apesar disto nenhum o tinha querido fazer, ele podia continuar a anunciar e pregar a Palavra de Deus exatamente como até então. E também que todos os ministros de religião, quer residentes na cidade quer no campo, se absteriam de ensinar qualquer doutrina que não pudessem provar pelas Escrituras; e que deveriam igualmente evitar fazer acusações de heresia e outras alegações escandalosas, sob pena de castigo severo“. Assim se viu Roma presa na própria rede que armara, e mais uma vez vencida, enquanto que o decreto se tornou um poderoso impulso para a Reforma.

Oferta do Papa a Zwínglio
Entretanto o papa (Adriano VI), que tinha estado a ameaçar a Saxônia com os seus anátemas, recebeu as alarmantes notícias do movimento na Suíça, e, temendo os efeitos de uma segunda reforma, experimentou um novo estratagema com Zwínglio. Sabia que o reformador suíço era um homem mais delicado do que Lutero, e por isso enviou-lhe uma carta mui lisonjeira, certificando-o da sua amizade especial, e chamando-lhe seu “amado filho” e fez acompanhar esta epístola açucarada de provas evidentes da sua consideração. Quando Myconius perguntou ao portador do breve papel o que era que o papa lhe tinha encarregado de oferecer a Zwínglio, recebeu esta resposta: “Tudo menos a cadeira de S. Pedro“. Mas Zwínglio conhecia bem a astúcia de Roma, e preferiu a liberdade com que Jesus Cristo o tinha libertado, ao jugo de superstição, e a um barrete de cardeal.

Progresso da Reforma
Depois deste acontecimento a Reforma ganhou terreno com muita rapidez, e o reformador recebia constantes incentivos para a obra e as mais agradáveis provas de que Deus estava com ele. Em Janeiro de 1524 foi publicado um decreto que determinava que as imagens fossem destruídas; em abril de 1525 foi abolida a missa, e determinado que desde então, pela vontade de Deus, fosse a Ceia do Senhor celebrada conforme fora instituída por Cristo, e o costume apostólico. Mais tarde ainda, chegou a notícia da conversão das freiras do poderoso convento de Konigsfeldt, onde os escritos de Zwínglio tinham entrado; e o coração do reformador exultou quando recebeu uma carta que lhe tinha sido dirigida por uma dessas convertidas. Isto foi um golpe terrível para Roma. O efeito que um Evangelho claro e simples produziu nas freiras foi mostrar-lhes a inutilidade de uma vida de celibato e solidão, e pediram ao governo licença para sair do convento. O concílio, mal compreendendo as razões que elas tinham para isso, e assustado com aquele pedido, prometeu-lhes que a disciplina do convento seria menos severa e que lhes aumentaria a pensão. “Não é a liberdade da carne que nós pedimos“, responderam elas, “mas sim a liberdade do Espírito“. O pedido das freiras foi satisfeito porque o próprio Concílio ficou também esclarecido; e não foram só as freiras de Konigsfeldt que foram libertas; as portas de todos os conventos foram abertas de par em par, e a oferta de liberdade estendeu-se a todas as internas.

Efeitos da Reforma em Berna
Em Berna o poder da verdade manifestou-se de outro modo, não menos interessante. Os magistrados em sinal de regozijo pela grande obra, soltaram vários prisioneiros, e concederam completo perdão a dois desgraçados que estavam esperando o dia da sua execução: “Um grande grito“, escreve Bullinger, discípulo de Zwínglio, “ressoou por toda a parte. Num dia Roma decaiu em todo o país, sem traições, sem violências, sem seduções; unicamente pela força da verdade“. Os felizes cidadãos, despertados pelo poder da verdade, exprimiram os sentimentos dos seus corações da maneira mais generosa. “Se um rei, ou imperador, nosso aliado“, diziam eles, “estivesse para entrar na nossa cidade, não perdoaríamos nós as ofensas, e não auxiliaríamos os pobres? E agora que o Rei dos reis, o Príncipe da paz, o Filho de Deus, o Salvador do gênero humano está conosco, e trouxe consigo o perdão dos pecados, a nós que merecíamos ser expulsos da sua presença, que melhor podemos nós fazer para celebrar a sua chegada à nossa cidade do que perdoar aqueles que nos ofenderam?

A Obra em Basiléia
Em Basiléia, uma das comarcas mais poderosas da Suíça, as doutrinas da Reforma espalharam-se com incrível rapidez, e produziram os melhores resultados. Os zelosos burgueses limparam o país das suas imagens, e quando o humilde e piedoso Oecolâmpade (o Melanchton da reforma Suíça), acabou de completar um ministério fiel de seis anos na comarca, adotaram em todas as igrejas o culto reformado, que foi firmemente estabelecido por um decreto do Senado.

O coração exulta ao descrever esta gloriosa obra de Deus, e sentimos não poder continuar uma tarefa tão agradável, mas falta-nos espaço.

 

Fonte: A História do Cristianismo - Dos Apóstolos do Senhor Jesus Cristo ao Século XX, A. Knight & W. Anglin, Ed. CPAD


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1# "MULTIFORME GRAÇA DE DEUS NA VIDA DE ZWÍNGLIO." - Paulo Mendonça, 28 de Outubro de 2019, Segunda Feira, 15h56
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