OS QUAKERS NO BRASIL


Categoria: Historiografia
Imagem: Reunião Quaker no século XVIII - Ensaios e Notas
Publicado: 21 de Setembro de 2020, Segunda Feira, 20h47

A Sociedade Religiosa dos Amigos, ou os Quakers[1], é um dos mais peculiares grupos religiosos originários da época conturbada do século XVII na Inglaterra. Em tempos de sectarismos político e religioso, emergiram das camadas populares de orientação puritana os chamado Sessenta Valentes, dentre eles o célebre George Fox (1624–1691).

Nunca formaram uma larga denominação religiosa, porém os Quakers se destacaram em ativismo social e nas ciências. Dentre as personalidades notáveis ligadas ao quakerismo contam-se as ativistas sociais Susan B. Anthony, Lucretia Mott e Elizabeth Fry, o químico John Dalton, o presidente norte-americano Herbet Hoover, o diplomata e laureado pelo Nobel barão Philip Noel-Baker, o pioneiro da antropologia E.B.Tylor, o poeta Walt Whitman, a escultora britânico-brasileira Josephine Vasconcelos.

Pacifista, foi a única denominação religiosa a receber o prêmio Nobel em 1947, por meio do Friends Service Council do Reino Unido e o American Friends Service Committee pelos trabalhos humanitários durante e após a Segunda Guerra. Hoje 300 mil Quakers vivem espalhados pelo Quênia, Reino Unido, Estados Unidos, Guatemala, Bolívia e poucos membros em outros países.

No Brasil a presença dos Quakers é ainda mais diminuta. Porém constitui uma interessante história.

No auge da repercussão do banimento do tráfico de escravos ao Brasil, a Sociedade Religiosa dos Amigos britânica enviou dois emissários para observar o estado da população escrava e o cumprimento da lei Eusébio de Queiroz em 1852. Os visitantes John Chandler [Candler] e Wilson Burgess encontram-se com o Imperador D. Pedro II, ministros de estado, o arcebispo de Salvador, juízes e deputados, comerciantes e fazendeiros. Visitaram minas, fazendas e a faculdade de Direito do Recife. O relatório Narrative of a Recent Visit to Brazil (1858) oferece uma interessante perspectiva do país no pouco tempo que aqui estiveram.

Como nessa visita, a presença Quaker no Brasil seguiria esse parâmetros: expatriados e agentes de missões humanitárias permanecendo pouco tempo no país.

A herança mais longeva é a Congregação Unitarista de Pernambuco. Foi fundada por expatriados de língua inglesa no Recife dos anos 1930, formada por uma singular mescla entre o unitarismo e o quakerismo. Em seus tempos áureos, teve reuniões até em Brasília. Hoje se mantém com uma congregação regular em Pernambuco e mais alinhada ao cristianismo progressista dos Unitários-Universalistas que aos Quakers.

Depois da Segunda Guerra Mundial, empresários, funcionários de multinacionais, diplomatas, agentes humanitários e missionários (alguns Quakers mantém filiação dual com outras denominações) formaram reuniões domésticas no Rio e São Paulo. Um típico Quaker da Pennsylvânia, William Ravdin descreve “Além de Mary, eu e dois Amigos ligados ao USAID, temos outro frequentador regular da Embaixada Japonesa, um protestante suíço que aprecia nosso silêncio, um brasileiro, um membro da Reunião Mensal de Zurique e poucos outros“.

Em São Paulo, o casal Archibald Mulford Woodruff (1941-2012) e Linnis Cook, ele missionário presbiteriano e professor no Mackenzie, organizaram reuniões familiares desde os 1970. Ficaram no Brasil por 22 anos. Em 2009 a longa apoiadora desse grupo, a advogada e ativista social Linnis Cook, retornou aos Estados Unidos. Um grupo continua com reuniões esporádicas na Escola Graduada de São Paulo. A biblioteca do Swarthmore College na Pensilvânia mantém arquivos desses grupos.

Uma nota, as congregações locais são chamadas de Reuniões (Monthly Meetings) e os grupos maiores de Reuniões Anuais (como em “Ohio Yearly Meeting”). O culto Quakers é de dois tipos: cultos não programados, no qual os membros se reúnem em silêncio e só cantam, oram ou pregam conforme sentir inspirado pela Luz Interior; e o culto programado (na verdade, semi-programado), com um parâmetro fixo de hinos, leituras, orações e pregações. Organizacionalmente, há grupos com ministros regulares e outros sem ministros algum. Em comum, valorizam uma horizontalidade radical: todos – homens, mulheres, crianças, idosos, brancos, negros, – são iguais diante de Deus, resultando em um regime eclesiástico sem clero. No Brasil, os grupos de São Paulo e Rio parecem ter seguido em sua história um parâmetro mais aquém ao culto não programado e organização não pastoral.

Outro grupo e membros dispersos existem no estado de São Paulo. São de expatriados cuáqueros ou amigos bolivianos. No Altiplano da Bolívia um Quaker americano de etnia navajo, William Abel, distribuiu bíblias entre os aymarás em 1919. Como resultado, cerca de 35 mil Quakers, principalmente aymarás (mas com significantes membresia quéchua, mosetain, chimani e outros) vivem nesse país, organizados em cinco principais Reuniões Anuais: Iglesia Evangélica Misión Boliviana de Santidad Amigos (MBSA), Iglesia Evangélica Estrella de Belen (IEEB), Iglesia Evangélica Unión Boliviana Amigos (IEUBA), Iglesia Nacional Evangélica los Amigos (INELA) e Junta Anual de los Amigos Central (JALAC). Em São Paulo há reuniões mais ou menos regulares desde 2011, sob assistência da MBSA. Seguem uma linha evangélica-holiness de cultos programados e de ministério pastoral.

Além desses grupos, há a missão humanitária da América Friends Service – AFS – com sede no bairro da Aldeota, em Fortaleza, Ceará. Essa agência colabora com inciativas sociais brasileiras.

O quakerismo, ainda que pequeno numericamente, representa um relevante capítulo nas histórias das ações humanitárias e das migrações de língua inglesa e de bolivianos no Brasil.

NOTA
[1] Outras grafias quacres, quáqueros.

 

Fonte: ALVES, Leonardo Marcondes. Quakers no Brasil. Ensaios e Notas, 2016. Disponível em: EnsaioseNotas.com. Acesso em: 21 set. 2020.


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