CONVERSAS À MESA (TISCHREDEN) PT. 45/47 - DOS TURCOS

Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 25 de Fevereiro de 2023, Sábado, 20h33

DCCCXXVI.
Os turcos são um inimigo muito astuto que guerreia não apenas com grande poder e ousadia, mas também com estratagema e engano. Eles deixam os inimigos fracos e cansados, mantendo-os acordados com frequentes escaramuças até que obtenham uma certeza tolerável da vitória. Caso contrário, quando ocorre uma batalha contra eles, eles são capazes de realizar um trote dependendo de suas estratagemas.

DCCCXXVII.
O poder do turco é muito grande. Ele mantém seus centenas de milhares de soldados muito bem remunerados durante todo o ano. Ele deve ter mais de dois milhões de florins de receita anual. Somos muito fracos de corpo, além de estarmos divididos entre diferentes mestres que se opõem um ao outro. Mas podemos vencer esses infiéis facilmente por meio da oração do Senhor, se caso o nosso próprio povo parasse de derramar sangue em brigas religiosas e de perseguir as verdades contidas na oração. Deus nos punirá como puniu Sodoma e Gomorra, mas eu preferiria que fosse pela mão de algum potentado piedoso, e não pelo maldito turco.

DCCCXXVIII.
Dizem que a fome no acampamento turco antes de Viena, era tão grande que um pão valia seu peso em ouro, enquanto que em Viena e o exército do arquiduque tinham tudo em abundância. Essa vitória é evidentemente uma obra de Deus. O turco jurou conquistar a Alemanha dentro de um ano desfraldando um estandarte consagrado, mas foi posto de lado sem realizar nada de importante.

DCCCXXIX.
No último dia de julho de 1539 chegou notícias de que o rei da Pérsia havia invadido os estados turcos e que este último fora obrigado a retirar suas forças da Valáquia. Dr. Lutero disse: Admiro muito o poder do rei da Pérsia que mede sua força com um inimigo tão formidável como o turco. Verdadeiramente, esses dois impérios são poderosos. Mesmo assim, a Alemanha poderia resistir aos turcos se mantivesse um exército permanente de cinquenta mil pés e dez mil cavalos, de modo que as perdas por uma derrota possam ser imediatamente reparadas. Os romanos triunfaram sobre todos os seus inimigos mantendo constantemente a pé quarenta e duas legiões de seis mil homens cada, tropas disciplinadas, treinadas para a guerra.

DCCCXXX.
Chegaram notícias de Torgau de que os turcos haviam levado para a grande Constantinopla vinte e três prisioneiros cristãos que, ao se recusarem a apostatar, foram decapitados. O Dr. Lutero disse: O sangue deles clamará aos céus contra os turcos, como fez John Huss contra os papistas. É certo que a tirania e a perseguição não conseguirão sufocar a Palavra de Jesus Cristo, pois ela floresce e cresce no sangue. Visto que, quando um cristão é massacrado, vários outros surgem. Eu não confio nas nossas muralhas ou nos nossos arcabuzes para resistir aos turcos, mas sim confio no Pater Noster. E assim nós triunfaremos. O Decálogo não é, por si só, suficiente. Eu tinha dito aos engenheiros de Wittenberg: Por que fortalecer as muralhas? Elas são um lixo. As muralhas com as quais um cristão deve se fortalecer não são feitas de pedras e argamassas, mas de oração e fé.

DCCCXXXI.
Os turcos são o povo da ira de Deus. É horrível ver o desprezo deles pelo casamento, visto que os romanos não eram assim.

DCCCXXXII.
Vamos nos arrepender, orar e esperar a vontade de Deus, pois a defesa humana é muito fraca. Cinco anos depois, o imperador conseguiu resistir bem os turcos quando havia convocado um grande exército de cavalos e infantaria, de todo o império italiano e alemão. No entanto, ele não o faria. Então muitas pessoas foram massacradas pelos turcos. Ah, amado Deus, o que é esta vida senão a morte! Não há nada além da morte, desde o berço até a velhice. Temo que nem tudo dê certo. A tirania e o orgulho dos espanhóis certamente nos entregarão aos turcos e nos sujeitarão a eles. Há uma grande traição acontecendo nesses lugares. Duvido que dos vinte mil homens e as peças caras dos canhões duplos foram deliberadamente traídas para o turco. Não é comum carregar peças tão grandes de artilharia para o campo. O imperador Maximiliano os manteve seguros em Viena. Me parece que ele tinha dito para o turco: leve essas peças de artilharia como um presente para matar e destruir tudo o que tentar escapar. Essa expedição tem um aspecto de traição, pois enquanto que os nossos homens dormem, o turco observa constantemente, tentando tudo o que pode, tanto com poder aberto quanto com práticas secretas.

Se o turco fizesse a proclamação de que todo homem deveria estar livre de impostos e tributos por um período de três anos, o povo comum cederia alegremente a ele. Mas o turco com suas garras faria uso de sua tirana, como é de costume, pois ele tira o terceiro filho de todo o homem. Sendo sempre o pai do terceiro filho. Verdadeiramente é uma grande tirania que diz respeito principalmente aos próprios príncipes do império. Eu sempre suspeitei do imperador que dissimula profundamente. Quase me desesperei com ele quando se opôs à verdade que ouviu na Dieta de Augsburg. O versículo no segundo Salmo é sempre bom: “Por que se enfurecem os pagãos e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o Senhor e contra o seu Ungido”, etc. Davi criticou isso, Cristo sentiu isso, os apóstolos lamentaram e nós também sentimos. Era o que São Paulo havia dito: “Pois não foram convocados muitos sábios, de acordo com os critérios humanos, nem muitos poderosos, nem tampouco os nobres.” Invoquemos a Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e oremos pois já é hora.

DCCCXXXIII.
A admirável constância de João, príncipe eleitor da Saxônia, é digna de memórias e louvores eternos, pois defendeu firmemente a pura doutrina do Evangelho na dieta imperial em Augsburg de 1530. E, infelizmente, a Alemanha está presa na discórdia por todo esse tempo. Veja quão furioso é o ódio que os papistas nutrem pelos partidários do Evangelho. Eles colocaram sua fé no imperador contra nós, mas logo ficaram confusos. Um certo conde mandou acender uma fogueira à noite quando soube da chegada do imperador à Alemanha; e um padre papista, perto de Eisenach, disse que apostaria todas as vacas que receberia em um ano para mandar Martinho Lutero e seus seguidores para a forca antes de Michaelmas. Esses camaradas achavam que bastava o imperador marchasse contra os luteranos, mas acabaram ficando desapontados.

O imperador dos turcos mantém uma grande pompa em sua corte. Você tem que atravessar três vestíbulos antes de chegar aos aposentos onde ele está sentado. No primeiro vestíbulo há doze leões acorrentados; no segundo são panteras de igual quantidade. Ele tem sob seu governo países muito ricos e populosos. Nos últimos dez anos, o número de seus súditos aumentou muito.

DCCCXXXIV.
Em 21 de dezembro de 1536, Jorge, marquês de Brandemburgo, veio a Wittenberg e anunciou que os turcos haviam obtido uma grande vitória sobre os alemães, cujo excelente exército havia sido traído e massacrado. Ele tinha dito que muitos príncipes e bravos capitães morreram e os cristãos que foram aprisionados foram tratados com extrema crueldade. Seus narizes foram cortados e eles próprios foram usados como escudos. Lutero disse: Nós, alemães, devemos reconhecer que a ira de Deus está às nossas portas para que nos apressemos no arrependimento enquanto ainda há tempo. Aos poucos eles subjugaram os sarracenos que antes eram donos da Síria, da Ásia, da Terra Prometida, Assíria, Grécia e uma parte da Espanha. Esses solyman foram derrubados totalmente e quase aniquilados. É dessa maneira que Deus joga com os reinos, como vemos a ameaça em Isaías: “Eu, o Senhor, sou Deus forte sobre os reinos; aquele que pecar será destruído.” Os venezianos não ofereceram resistência. Eles são efeminados e fingem não ser guerreiros. É algo maravilhoso o progresso que o turco fez nos últimos cem anos, mas isso não é nada em comparação com o progresso que o império romano fez em cinquenta anos. Embora, durante esses cinquenta anos, vinte e três tiveram que lidar com Aníbal. Tal foi o seu engrandecimento que Cipião declarou que nas orações públicas deve-se pedir que a dominação estendida fosse omitida, ou seja, que agora seria melhor cuidar tudo o que foi conquistado. No entanto, Deus derrubou esse poderoso império através das mãos dos bárbaros.

DCCCXXXV.
O eleitor da Saxônia escreveu para Dr. Lutero informando que os turcos haviam obtido uma grande vitória. Cazianus, Ungnad, Schlick, todos haviam sido subornados pelo inimigo fazendo com que seus nomes estivessem espalhados em cartazes por toda Viena como traidores condenados. Esses generais lideraram o exército alemão perto do acampamento turco, e um cristão que havia escapado dos infiéis os advertiu para ficarem em guarda, mas eles trataram seu conselho como desdém. Quando o inimigo se aproximava, esses traidores fugiram com a cavalaria abandonando a infantaria em meio a matança. Em seguida, os turcos simularam uma retirada, e os generais cristãos ordenaram que a cavalaria, em número de mil e cem, voltasse a atacar. Mas os turcos os cercaram e os cortaram em pedaços. Caziano havia recebido dezoito mil ducados dos turcos por meio de um judeu para trair o exército cristão, e havia prometido entregar o próprio rei nas mãos dos inimigos. Lutero, ao ouvir essa notícia, tinha dito: Auri sacra fames, quid non mortalia pectora cogis? Esse traidor deve queimar eternamente no inferno. Eu não ousaria trair nem mesmo um cachorro! Temo muito que vá mal para Ferdinand que permitiu um exército tão grande para que fosse jogado na garganta do turco pelas mãos de um mameluco perjuro, que antes tinha caído dos turcos para os cristãos e que agora caiu novamente dos cristãos para os turcos.

Nossos príncipes e governantes devem marchar contra o inimigo e não condenar os turcos dessa maneira. Verdadeiramente, nós, alemães, somos companheiros alegres. Nós comemos, bebemos e jogamos a vontade, totalmente diferente do turco. A Alemanha tem sido um belo e nobre país, mas dir-se-á dela como de Tróia, fuit Llium. Oremos a Deus para que ele preserve as nossas consciências em meio a tais calamidades. Eu temo que o dinheiro e as forças alemãs se esgotem, pois poderemos ceder aos turcos forçadamente. Eles me censuraram com tudo isso. Logo, eu, o infeliz Martinho Lutero. Eles também me censuraram por causa da revolta dos camponeses e por causa das seitas sacramentárias, como se eu fosse o seu autor. Muitas vezes me senti disposto a jogar as chaves aos pés de Deus.

Os turcos acreditam que estão de acordo com as Sagradas Escrituras, e que se consideram como o povo escolhido por Deus – os descendentes de Ismael. Dizem que Ismael era o verdadeiro filho da promessa, pois quando Isaque estava prestes a ser sacrificado, ele fugiu de seu pai e da faca que iria abate-lo. Enquanto isso, Ismael veio e realmente se ofereceu para ser sacrificado de onde se tornou o filho da promessa. Isso é uma mentira tão grotesca quanto a dos papistas a respeito de um sacramento. Os turcos se gabam de serem muito religiosos e tratam todas as outras nações como idólatras. Eles caluniosamente acusam os cristãos de adorar três deuses. Eles juram por um único Deus, criador do céu e da terra, por seus anjos, pelos quatro evangelistas e pelos oitenta profetas que desceram dos céus, dos quais Maomé é o maior. Eles rejeitam todas as imagens de escultura e rendem homenagem somente a Deus. Eles prestam o mais honroso testemunho de Jesus Cristo, dizendo que ele foi um profeta de santidade preeminente que nasceu da Virgem Maria e também é um enviado de Deus, mas Maomé o sucedeu e está no céu sentado à direita do Pai, e Jesus Cristo está sentado à esquerda. Os turcos mantivera muitas características da lei de Moisés, mas inflados com a insolência da vitória acabaram adotando um novo culto. A glória dos triunfos bélicos é, na opinião do mundo, a maior de todas.

Lutero criticou da negligência do imperador Carlos que, envolvido em outras guerras, permitiu que os turcos capturassem um lugar após o outro. Os turcos estão sendo como era os romanos antigos, pois todos os súditos tornam-se soldados desde que sejam capazes de portar armas. Então eles sempre têm um exército disciplinado e sempre preparado para o campo. E nós aqui reunimos corpos efêmeros de vagabundos, miseráveis e inexperientes dos quais não há confiança. Meu medo é que os papistas se unam aos turcos para nos exterminar. Por favor, Deus, minha expectativa não se concretizou, mas é certo que essas criaturas desesperadas farão o possível para nos entregar aos turcos.

DCCCXXXVI.
Lutero escreveu uma carta para o chefe geral do imperador na Hungria, advertindo-o de que tinha contra si quatro inimigos poderosos. Tais inimigos não tinham a ver apenas com carne e sangue, mas também com o diabo, com o turco, com a ira de Deus e com os nossos próprios pecados. Portanto, ele deve se lembrar de se humilhar e pedir ajuda a Deus.

Lutero tinha recebido uma informação que o imperador Carlos havia enviado à Áustria dezoito mil espanhóis contra os turcos. Lutero suspirou dizendo: É um sinal dos últimos tempos em que aquelas nações cruéis, os espanhóis e os turcos, serão os nossos mestres. Prefiro ter os turcos como inimigos do que os espanhóis como protetores, pois eles são como os tiranos bárbaros. A maioria dos espanhóis são meio mouros e meio judeus que não acreditam em absolutamente nada.

A grande esperança que tenho é que o império turco seja levado ao fim por dissensões internas, como aconteceu com todos os reinos do mundo, o persa, o caldeu, o alexandrino, o romano. Espero que os quatro irmãos, filhos do grande turco, disputem a soberania entre si. Quem sobe muito alto, corre um grande risco de cair. O melhor nadador pode morrer afogado. Se for da vontade de Deus, o turco poderá cair em pedaços a qualquer momento.

DCCCXXXVII.
O turco irá a Roma como anuncia a profecia de Daniel, e então o último dia estará bem próximo. A Alemanha deve ser castigada pelos turcos. Muitas vezes reflito com tristeza de como a Alemanha negligencia totalmente todos os bons conselhos. A vitória não depende de nós mesmos. Há um tempo para conquistar os turcos e um tempo para ser conquistado. O rei da França se exaltou por muito tempo em seu orgulho, mas no fim foi rebaixado e feito cativo. O papa por muito tempo desprezou Deus e o homem, mas ele também caiu. Dizem que o papa celebrou recentemente a circuncisão de quatro de seus filhos e convidou o grande clã, o rei da Pérsia e os chefes dos venezianos para a cerimônia. Ele é extremamente venerado pelos seus súditos. Ele fornece para o povo um passaporte chamado vich, cujo portador passa por segurança pelos domínios turcos e é alojado livremente onde quer que vá.

 

Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira


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