Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 18 de Fevereiro de 2023, Sábado, 23h36
DCXCVII.
O culto cristão não é a máscara hipócrita que usam nossos frades espirituais que castigam seus corpos, se atormentam e se desfalecem com jejuns ostensivos, vigiando, cantando, vestindo cilícios, flagelando-se, etc.
DCXCVIII.
É uma grande cegueira no coração das pessoas que elas não podem aceitar o tesouro da graça que lhes foi apresentado. Tais pessoas somos nós que, embora sejamos batizados, temos Cristo com todos os seus preciosos dons, fé, sacramentos e Sua Palavra, além de tudo o que confessamos ser santo, mesmo assim não podemos dizer e nem pensar que somos santos por nós mesmos; reconhecemos dizer que somos santos considerando que o nome cristão é muito mais glorioso e maior que o nome santo.
DCXCIX.
Podemos chamar vestes consagradas, ossos de homens mortos e imitação de joias de relíquias santas, mas não de cristãs; a razão é que contemplamos a máscara, cuidamos da aparência de santo que leva a uma vida austera. Daí aquela vã opinião no papado de que eles chamam os mortos de santos; um erro reforçado por Zuínglio. A sabedoria humana fica boquiaberta com os obreiros santos achando que quem faz boas obras é justo e reto diante de Deus.
DCC.
Não há melhor morte do que a de Santo Estevão que disse: “Senhor, recebe o meu espírito.” Devemos deixar de lado o registro dos nossos pecados e merecimentos, e morrer confiando na mera graça e misericórdia de Deus.
DCCI.
Devemos manter a festa de João Batista que começou o Novo Testamento, pois está escrito: “Todos os profetas e a lei profetizaram até João.”, etc. Devemos observá-lo também por causa da bela canção que no papado lemos, mas não entendemos, de Zacarias que é uma excelente canção como é mostrado no prefácio de São Lucas onde diz: “E Zacarias estava cheio do Espírito Santo”, etc.
DCCII.
Um chefe de família deve instruir seus servos e sua família desta maneira: Ajam com retidão, honestidade e sejam diligentes naquilo que eu lhes ordeno, e então poderão comer, beber e vestir-se como quiserem. Da mesma maneira, nosso Senhor Deus não se importa com o que comamos, bebamos ou como nos vestimos; todos esses assuntos, sendo cerimônias ou coisas intermediárias, ele deixa livremente para o nosso entendimento; no entanto que tais coisas não sejam nada fundamentado como sendo necessário para a salvação.
DCCIII.
É algo bem estranho ver um mundo que se sente ofendido com aquele que ressuscitou os mortos, fez os cegos enxergarem e os surdos ouvirem, etc. Aqueles que consideraram tal homem um demônio, que tipo de Deus eles serviam? Mas aqui está. Cristo daria ao mundo o Reino dos Céus, mas eles terão o reino da terra e aqui eles se separam; pois a mais alta sabedoria e santidade dos hipócritas não vê nada além da honra temporal, vontade carnal, vida mundana, bons dias, dinheiro e riqueza, tudo o que deve desaparecer e cessar.
DCCIV.
O mundo inteiro se ofende com a simplicidade dos dez mandamentos de Deus da segunda tábua, porque o sentido e a razão humana compreendem em parte o que é feito contrário a eles. Quando Deus e Sua Palavra são condenados, o mundo fica em silêncio e não os reconhecem; mas quando um mosteiro é tomado, ou uma carne é comida em uma sexta feira, ou um frade se casa, óh, então o mundo clama: Aqui são crimes abomináveis!
DCCV.
A obediência a Deus é a obediência de fé e boas obras; isto é, aquele que crê em Deus e faz o que Deus ordenou é obediente a ele; mas a obediência ao diabo é superstição e más obras; isto é, quem não confia em Deus é um incrédulo que pratica o mal, ou seja, é obediente ao diabo.
DCCVI.
No Antigo Testamento existem dois tipos de sacrifícios; o primeiro foi chamado de sacrifício matinal; assim é mostrado que devemos primeiro oferecer a Cristo, não bois ou rebanho, mas nós mesmos dando graças a Deus pelos seus dons temporais e eternos. Em segundo lugar, o sacrifício da tarde; ou seja, o cristão deve oferecer um coração quebrantado, humilde e contrito, reconhecer suas necessidades e perigos tanto corporais quanto espirituais, e pedir ajuda a Deus.
DCCVII.
Alguns dizem que Deus quer que sirvamos a Ele livre e voluntariamente, enquanto que aquele que serve a Deus por medo de punição, do inferno, ou por esperança e recompensa, serve e honra a Deus de uma maneira errada. Esse argumento são dos estóicos que rejeitam as afeições da natureza humana. É verdade que devemos voluntariamente servir, amar e temer a Deus como o bem principal. Mas Deus pode tolerar que o amemos por causa de sua promessa e oremos a ele por benefícios materiais e espirituais; ele nos ordenou a orar. Sendo assim, Deus também pode tolerar que o temamos por causa do castigo, como os profetas recordaram. De fato, é pouco o reconhecimento do homem a respeito das punições e as recompensas eternas de Deus. E se alguém olha para isso como não sendo principal fim e causa, então isso não o machuca, especialmente se ele reconhece Deus como a causa final que dá tudo por nada, por mera graça, sem nossos merecimentos.
DCCVIII.
A palavra adorar significa abaixar ou curvar o corpo com gestos externos; servir na obra. Mas adorar a Deus em espírito é o serviço e a honra do coração, compreendendo a fé e o temor em Deus. A adoração a Deus é externa e interna, ou seja, reconhecer os benefícios de Deus e ser grato a ele.
DCCIX.
Um certo príncipe da Alemanha, um conhecido meu, foi para Compostella na Espanha, onde eles acreditam que São Tiago, irmão do Evangelista São João, está enterrado. Esse príncipe foi confessar a um franciscano, um homem honesto, e foi-lhe perguntado se era alemão. O príncipe então respondeu que sim. Daí o frade disse: “Óh, filho amoroso, por que procuras tão longe o que tens muito melhor na Alemanha? Eu tenho lido os escritos de um frade agostiniano a respeito das indulgências e do perdão dos pecados, onde ele prova poderosamente que a verdadeira remissão dos pecados consiste nos méritos e nos sofrimentos de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Óh, filho amoroso, permaneça assim e não se deixe ser persuadido de outra forma. Pretendo em breve, se Deus quiser, deixar essa vida cristã, voltar para a Alemanha e me juntar ao frade agostiniano.”
DCCX.
Desde que o Evangelho foi pregado, não durou nem vinte anos e grandes maravilhas foram realizadas como nunca antes. Nenhum homem jamais pensou que tais alterações iriam acontecer; que tantos mosteiros seriam esvaziados, que a missa privada deveria ser abolida na Alemanha, apesar dos hereges, sectários e tiranos. Roma foi devastada duas vezes, e muitos grandes príncipes que perseguiram o Evangelho foram jogados no chão e destruídos.
Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira