CONVERSAS À MESA (TISCHREDEN) PT. 7/47 - DE JESUS CRISTO


Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 03 de Setembro de 2018, Segunda Feira, 21h02

CLXXXII.
A principal lição e estudo sobre a divindade é que aprendamos o bem e, com razão, conhecermos a Cristo, que está aqui muito graciosamente representado para nós. Nos esforçamos para conciliar a boa vontade e a amizade dos homens, para que eles possam nos mostrar uma compostura favorável; devemos nos conciliar com o nosso Senhor Jesus Cristo, para que Ele possa ser misericordioso conosco. São Pedro diz: “Cresça no conhecimento de Jesus Cristo”, deste Senhor e Mestre compassivo, a quem todos deveriam aprender a conhecê-lo somente pelas Escrituras, pois Ele mesmo diz: “Procure as Escrituras, pois elas testemunham de mim”. São João diz: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus”, etc. O apóstolo Tomé também chama Cristo de Deus; quando ele diz: “Meu Senhor e meu Deus”. Da mesma maneira, em Romanos IX, São Paulo nos mostra Cristo como Deus; onde ele diz: “Quem é Deus sobre todos, abençoado para sempre. Amém”. Em Coloss. II diz: “Em Cristo habita toda a plenitude da divindade”; isto é, substancialmente. Cristo deve ser visto como o Deus verdadeiro, pois Ele próprio cumpriu e superou a lei; é mais que certo que nenhum anjo ou criatura humana poderia superar a lei, mas somente Cristo, para aqueles que nEle crêem não possam serem prejudicados; portanto, certamente Ele é o Filho de Deus, o autêntico Deus. Agora, se compreendêssemos a Cristo de acordo com as Sagradas Escrituras, então é certo que não há com que nos confundirmos. E então podemos julgar facilmente o que é correto e manter as qualidades divinas, religiões e adoração, que são usadas e praticadas nesse mundo. Se esta imagem de Cristo for removida de nossas visões, inegavelmente haveria um transtorno absoluto. A natureza humana, sua sabedoria e compreensão, não tem o direito de julgar as leis de Deus; mesmo que se esgotem as artes de todos os filósofos, sábios e mundanos entre os filhos dos homens. Pois a lei governa a humanidade; portanto, a lei julga a humanidade e não a própria lei.

Se Cristo não é Deus, então nem o Pai e nem o Espírito Santo poderiam ser Deus; pois o nosso artigo de fé fala assim: “Cristo é Deus, com o Pai e o Espírito Santo”. São muitas pessoas que falam da divindade de Cristo, como o papa e muitos outros; mas eles discursam como um cego que fala sobre cores. Portanto, quando ouço falar de Cristo dizendo: “Vinde após mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”, então acredito firmemente que toda a divindade mostra uma substância indivisível e inseparável. Portanto, aquele que prega um deus que não morreu por mim na cruz, este deus eu não o receberei.

Aquele que possui este artigo, possui o principal e fundamental artigo de nossa fé em meio a esse mundo ridículo e insignificante. Cristo disse: “O Consolador que eu enviarei, não se afastará de você, mas permanecerá contigo, e te fará capaz de suportar todas as tribulações e maldades”. Quando Cristo diz: “Vou orar ao Pai”, então Ele fala como uma criatura humana, ou como o próprio homem; mas quando Ele diz que irá enviar o Consolador, então ele fala como o próprio Deus. Então eu aprendi neste meu artigo desta forma: “Que Cristo é Deus e homem”.

Eu, pela minha própria experiência, sou capaz de testemunhar que Jesus Cristo é o Deus verdadeiro; eu O conheço muito bem quando encontrei o Teu Nome. Muitas vezes eu estive tão perto da morte e tive aquela certeza que iria morrer, mas nada me impediu em proclamar a Palavra a esse mundo perverso; mas Ele sempre depositou misericórdia em minha vida, me consolando e me refrescando. Portanto, usemos a presteza para manter a Sua Palavra, e então tudo estará seguro, embora o diabo tenha sido tão perverso e esperto, e o mundo sempre tão mal e hipócrita. Seja o que for que aconteça comigo, certamente abrirei caminho para o meu doce Salvador Jesus Cristo, pois nEle sou batizado; eu não posso saber de nada, apenas o que Ele me ensinou.

As Sagradas Escrituras, especialmente São Paulo, atribuem em todo lugar a Cristo o que Ele dá ao Pai, ou seja, o poder divino e todo poderoso; para que Ele possa dar graça, paz na consciência, perdão de pecados, vida, vitória sobre o pecado, sobre a morte e sobre o diabo. Agora, a menos que São Paulo roubasse de Deus a sua honra, e dê a outro que não é Deus, não ousou atribuir tais propriedades e atributos a Cristo, como se não fosse o Deus verdadeiro; e o próprio Deus disse em Isaías XIII: “Não darei minha glória a outro”. E, de fato, nenhum homem pode dar aquilo que ele não tem para o outro; mas, vendo Cristo um doador da graça, da paz, e do Espírito Santo, Ele tem o poder de nos resgatar do diabo, do pecado e da morte; e assim é muito certo de que Ele tem um poder infinito, imensurável e bem poderoso, igual ao Pai.

Cristo também nos traz a paz, mas não como os apóstolos fizeram por meio da pregação; Ele nos dá a paz, como o Criador, para nós, que somos sua própria criatura. O Pai cria e dá a vida, a graça e a paz; e da mesma maneira dá ao Filho os mesmos presentes. Agora, para fornecer graça, paz, vida eterna, perdão de pecados, justificação, salvação, livramento da morte e do inferno, certamente essas coisas não são obras de nenhuma criatura, mas da única majestade de Deus, são coisas que nem mesmo os anjos podem criar ou fornecer. Portanto, tais obras pertencem à alta majestade, honra e glória de Deus, que é o único e verdadeiro Criador de todas as coisas. Nós não devemos pensar em nenhum outro Deus a não ser Cristo; o Deus que não fala da boca de Cristo, simplesmente não é Deus. Deus, no Antigo Testamento, se ligou ao trono da graça; havia o lugar onde Ele seria ouvido, desde que a política e o governo de Moisés se levantasse e florescesse. Da mesma maneira, Ele ainda não ouviria nenhum outro homem ou criatura humana, mas somente através de Cristo. À medida em que o número de judeus iam aumentando de um lado para o outro, carregando seus incensos e oferendas aqui e ali, e buscando a Deus em vários lugares, não em relação ao tabernáculo, e assim vai; Buscamos a Deus em todos os lugares; mas se não buscá-lo em Cristo, não o encontraremos em lugar algum.

CLXXXIII.
A festa que chamamos de Annunciation Mariae nos remete a mensagem de Deus que Maria recebeu do anjo para que ela conceba seu Filho, também pode ser chamada de “Festa da Humanidade de Cristo”, pois foi a partir daí que teve início a nossa libertação. O mistério da humanidade de Cristo, que se humilhou em nossa carne, está além do nosso entendimento humano.

CLXXXIV.
Durante esses 33 anos que Cristo viveu, em cada ano ele subiu 3 vezes para Jerusalém, completando 99 vezes que Ele foi para lá. Se o papa pudesse demonstrar que Cristo tinha ido em Roma pelo menos uma única vez, que alarde ele faria! Porém Jerusalém foi destruída e enterrada.

CLXXXV.
São Paulo nos ensinou que desde que Cristo nasceu até o seu fim, Ele poderia ter restaurado tudo o que foi criado como foi no começo do mundo; isto é, levar-nos ao conhecimento de nós mesmos e do nosso Criador, para que possamos aprender a conhecer quem e o que fomos, e quem e o que somos agora; ou seja, que fomos criados segundo a semelhança de Deus, e depois, de acordo com a semelhança do homem; que nós fomos enfeitiçados pelo diabo e nos mergulhamos no pecado, e ficamos totalmente perdidos e destruídos; mas agora podemos ser libertos novamente, nos tornando puros, justificados e salvos.

CLXXXVI.
No dia da concepção de nosso Salvador Cristo, nós, pregadores, devemos diligentemente nos colocar diante do povo e marcar completamente em seus corações a história desta festa, que é apresentado por São Lucas em uma linguagem simples e clara. E devemos nos alegrar com essas coisas abençoadas, mais do que todo o tesouro da terra, sem questionar como aconteceu, pois nem o céu e nem a terra podem compreender, de como Ele foi incluso no corpo puro de sua mãe. Tais discussões impedem as nossas alegrias dando crédito a dúvidas e questionamentos.

Bernard ocupou todo o sermão com esta festa, em louvor a Virgem Maria, esquecendo-se do grande autor deste conforto, que este dia Deus foi feito homem. Na verdade, não podemos deixar de exaltar e louvar a Maria, que foi tão favorecida pelo Senhor, mas quando o próprio Criador vem, Aquele que nos livra do poder do diabo, nem nós, nem os anjos, podemos honrar, louvar e adorar.

O próprio Turco, que acredita em Deus como o criador de todas as coisas, e crê que Cristo é apenas um profeta, e nega que seja o Filho de Deus unicamente gerado, verdadeiro e natural.

Mas eu, Deus seja louvado, pelo conhecimento que tenho das Sagradas Escrituras, e pela experiência em minhas provações, tentações e ferozes combates contra o diabo, provo que este artigo da humanidade de Cristo é muito seguro e infalível; pois o que mais me ajudou nessas tentações espirituais foi o conforto que encontrei neste artigo, de que Cristo, o verdadeiro Filho do Deus Eterno, é a nossa carne e osso, como diz São Paulo aos Efésios cap. V: “Porque somos membros do seu corpo, da sua carne, e dos seus ossos.” Ele está à direita de Deus e intercede por nós. Com este escudo da fé, posso retirar aquele perverso com todos os seus dardos ardentes.

Deus, desde o início, manteve-se firme nesse artigo e defendeu poderosamente o mesmo contra todos os hereges, o papa e o turco; e depois foi confirmado com muitos sinais milagrosos, de modo que todos os que se opuseram foram levados à ruína.

CLXXXVII.
Toda sabedoria do mundo é uma tolice infantil em comparação com a sabedoria de Cristo. Para o que é mais maravilhoso do que o indizível mistério, o Filho de Deus, a imagem do Pai eterno, assumiu a natureza do homem. Sem dúvida, ele ajudou seu suposto pai, José, a construir casas; pois José era carpinteiro. O que irão pensar os nazarenos no dia do julgamento, quando verem Cristo sentado na sua divina majestade; certamente eles ficarão surpresos e dirão: “Senhor, você nos ajudou a construir as nossas casas, o quão confortável é essa tamanha honra?”

Quando Jesus nasceu, sem dúvida, ele chorou e chorou, como outros filhos, e sua mãe o cuidou enquanto outras mães também cuidavam de seus filhos. Enquanto ele crescia, era submisso a seus pais. Eu imagino ele levando um banquete para o seu pai, José, e, quando retorna, Maria pergunta: “Meu querido Jesus, onde esteve?”. Então, aquele que não transgride algo simples, humilde por meio da vida de Cristo, é dotado da alta arte divina e sabedoria; sim, tem um dom especial de Deus no Espírito Santo. Recordemos sempre que o nosso bem-aventurado Salvador se humilhou e se abateu, caindo até a morte da cruz, para o nosso conforto, que somos criaturas pobres, miseráveis e condenados.

CLXXXVIII.
Se o imperador lavasse os pés de um mendigo, como o rei francês e o imperador Charles costumam fazer todas as Quintas-Feiras santas, o quão essa humildade seria exaltada e louvada! Mas, embora o Filho de Deus, Senhor de todos os imperadores, reis, príncipes, na medida mais profunda, se humilhou, até a morte da cruz. Todavia, nenhum homem se questiona, exceto apenas uma pequena multidão de fiéis que reconhece e adora, de fato, o suficiente, quando ele foi considerado o homem mais desprezado, atormentado e ferido de Deus (Isaías LIII), e por nossa causa passou por tamanha vergonha.

CLXXXIX.
Não podemos praticar o mal, e sim ensinar, pregar, cantar e falar de Jesus. Por isso que gosto muito quando cantamos na igreja: Et homo factus est; et verbum caro factum est. O diabo não suporta tais palavras e voa pra bem longe, pois ele sente profundamente o que está contido nestas palavras. Oh, como é feliz! Encontramos tanta alegria nestas palavras que o diabo se assusta com elas. Mas o mundo condena as palavras e as obras de Deus, porque elas são puras e simples. Bem, os bons e piedosos não se ofendem com isso, pois eles têm em conta o eterno tesouro celestial, e a riqueza que ali se esconde, e que é tão preciosa e gloriosa, que até os anjos se deleitam ao vê-las. Há alguns que se ofendem agora, e depois nos púlpitos dizemos: Cristo era filho de um carpinteiro, e como blasfemador e rebelde, foi colocado na cruz e enforcado entre dois malfeitores.

Mas, ao verem nossas pregações através deste artigo, e através do credo de nossos filhos, dizem: Que o nosso Salvador Cristo sofreu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e enterrado, etc., por nossos pecados, por que, então, não deveria ser dito que Cristo era filho de um carpinteiro? Especialmente vendo que ele é claramente chamado no evangelho, quando o povo se questionou sobre sua doutrina e sabedoria dizendo: “Não é esse o carpinteiro, filho de Maria?” (Marcos VI).

CXC.
Cristo, nosso Sumo Sacerdote, é ascendido aos céus, e está à direita de Deus Pai, onde, sem cessar, intercede por nós (ver Romanos VIII), onde São Paulo, com muita excelência e palavras gloriosas, nos mostra a imagem de Cristo; como em sua morte, ele é um sacrifício oferecido pelos pecados; na sua ressurreição, um conquistador; na sua ascensão, um rei; ao realizar a mediação e intercessão, um Sumo Sacerdote. Pois, na lei de Moisés, o Sumo Sacerdote só entrava no Lugar Santíssimo para orar pelas pessoas.

Cristo sempre permanecerá como um Sacerdote e Rei, embora nunca tenha sido consagrado por nenhum bispo papista ou se ordenado por algum desses padres; mas ele foi ordenado e consagrado pelo próprio Deus, e por ele ungido, onde diz: “Tu és sacerdote para sempre”. Aqui, a palavra Tu é maior do que a pedra nas Revelações de João, que era mais de trezentas ligas. E o segundo Salmo diz: “Eu, porém, ungi o meu Rei sobre o meu santo monte de Sião”. Portanto, ele certamente permanecerá ungido, e todos os que nele crêem.

Deus disse: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”. Portanto, somos dependentes desse sacerdote, pois ele é fiel e verdadeiro, um presente de Deus que nos ama mais que a própria vida, como mostrou através de sua paixão e amarga morte. Ah! Quão bem-aventurado é o homem que acredita nisso de todo o coração.

“O Senhor jurou e não se arrependerá, tu és sacerdote.” Esta é a frase mais gloriosa em todos os Salmos, onde Deus nos declara que este será o nosso Bispo e Sumo Sacerdote, e, sem cessar, intercederá por aqueles que são dele, e nenhum outro além dele. Não há Caifás, nem Anás, nem Pedro, nem Paulo, nem o papa, mas Cristo, somente Cristo; portanto, nos refugiemos nele. A epístola aos hebreus faz um bom uso desse verbo.

É, de fato, um grande e glorioso consolo (que todo piedoso e bondoso cristão não perdeu, nem foi esquecido, por toda a honra e riqueza do mundo) que conhecemos e acreditemos que Cristo, nosso Sumo Sacerdote, é a mão direita de Deus, orando e meditando por nós sem cessar – o verdadeiro pastor e bispo de nossas almas, que o diabo não pode arrancar de nossas mãos.

Mas, então, o espírito sagaz que o diabo deve ser, quem pode temer, e com seus dardos ardentes atraem os corações das pessoas boas e piedosas que estão neste excelente conforto, e acabam que mudando seus pensamentos sobre Cristo; que Cristo não é o Sumo Sacerdote, e acabam criticando a Deus; que ele não é o bispo de suas almas, mas um juiz severo e cheio de ira. O Senhor disse para Cristo: “Governe no meio dos teus inimigos”. Por outro lado, o diabo afirma ser príncipe e Deus deste mundo. Ele é, portanto, inimigo jurado de Jesus Cristo e de sua Palavra, e daqueles que seguem esta Palavra com sinceridade e sem engano. Não é possível para Jesus Cristo e diabo permanecerem no mesmo teto. Aquele sempre deve ceder para o outro – o diabo para Cristo. Os judeus e os apóstolos estavam por algum tempo sob o mesmo teto, e os judeus atormentaram e perseguiram os apóstolos e seus seguidores, mas depois de algum tempo, eles mesmos foram expulsos pelos romanos. Tão pouco os luteranos e os papistas podem estar juntos. Um partido deve render, e pela benção e ajuda de Deus, estes serão os papistas.

CXCI.
Sheb Linini; isto é, “Senta-te à minha direita”. Este Sheb Linini possui inúmeros inimigos, a quem nós, minúsculos pobres, devemos suportar; mas isso não importa; muitos de nós devemos sofrer e sermos mortos pela sua ira, e não estejamos desanimados, mas sim estejamos firmes nEle e que nos arrisquemos, nossos próprios corpos e almas, pela sua palavra e promessa: “Eu vivo, e vós também vivereis; e onde eu estiver, vocês também estarão”.

Cristo suportou a si mesmo de uma maneira como não tivesse tomado uma parte de nós, membros pobres, perturbados e perseguidos. Porque o mundo fornece recompensas doentes para os melhores e verdadeiros servos de Deus; perseguindo, condenando e matando os hereges e malfeitores, enquanto que Cristo mantém a sua paz e sofre para que seja feita, de modo que às vezes tenho esse pensamento: não sei onde estou; se eu prego certo ou não. Esta foi também a tentação de São Paulo, com a qual ele, no entanto, não falou muito, nem pôde, como eu penso; pois quem pode dizer a importância dessas palavras: “Eu morro diariamente”.

As Escrituras, em muitos casos, chamam Cristo como nosso sacerdote, o noivo, o deleite do amor, etc., e nós, que acreditamos nEle, somos chamados de sua noiva, pura, filha, etc.; esta é uma imagem justa, doce e amorosa, que sempre deveríamos ter diante de nossos olhos. Pois, primeiro, Ele manifestou seu ofício de sacerdócio, foi o que Ele pregou, fez acontecer e revelou a vontade de seu Pai para nós. Em segundo lugar, Ele também orou e sempre orará por nós, verdadeiros cristãos, enquanto o mundo durar. Em terceiro lugar, Ele ofereceu seu corpo para ser pregado na cruz pelos nossos pecados. Ele é o nosso noivo, e nós somos sua noiva. O que Ele, o amoroso Salvador Jesus Cristo, tem – sim, Ele mesmo, é nosso; porque somos membros do seu corpo, da sua carne e osso, como diz São Paulo. E mais uma vez, o que temos, é dEle também; mas a troca é excessivamente desigual; porque Ele tem eternidade, pureza, justiça, vida e salvação, as quais ele dá para serem nossas, enquanto que nós temos pecado, morte, perdição e inferno; estes são o que nós fornecemos, e Ele levou nossos pecados, e nos libertou do poder do diabo, esmagando a sua cabeça, aprisionando-o e lançando-o no inferno; de modo que agora, através de São Paulo, podemos dizer: “Morte, onde está o seu ferrão?”. No entanto, embora o nosso amado Salvador tenha solenizado este casamento espiritual conosco, e nos dotado de seu eterno tesouro celestial, e também jurado ser nosso Sacerdote eterno, a maioria, em nome do diabo, fugiu dEle e passou a adorar ídolos estranhos, como os judeus fizeram, e, também, como no governo papal.

CXCII.
“Há um só Deus”, diz São Paulo, “e um mediador entre Deus e o homem; a saber, o homem Jesus Cristo, que deu a si mesmo em resgate por todos”. Portanto, que ninguém pense em se aproximar de Deus, ou obter a graça dEle, se não for através deste Mediador, Sumo Sacerdote e Defensor.

Segue-se que nós não podemos, através de nossas boas obras e da honestidade de nossas vidas, virtudes, méritos, santidades, ou através das obras da lei, apaziguar a ira de Deus, ou obter o perdão dos pecados; e que todos os méritos dos santos sejam rejeitados e condenados, de modo que através deles nenhuma criatura humana pode ser justificada diante de Deus. Além disso, vemos como a ira de Deus é feroz contra os pecados, visto que nenhum outro sacrifício ou oferta poderiam apaziguar, mas pelo precioso sangue do Filho de Deus.

CXCIII.
Todos os hereges se posicionaram contra Cristo. Manicheu era contra a humanidade de Cristo, pois ele alegava que Cristo era um espírito; dizia ele, “Da mesma maneira como o sol brilha através de um vidro, e os seus raios passam para o outro lado sem tirar a substância do vidro, assim também é Cristo que nada tirou da substância e natureza de Maria”. Arius agrediu a divindade de Cristo. Nestorius dizia que havia duas pessoas ali. Eutychius ensinava que havia apenas uma pessoa; “a pessoa da Divindade foi absorvida”, dizia ele. Helvidius afirmava que a mãe de Cristo não era virgem, de modo que, de acordo com a sua teoria perversa, Cristo nasceu em pecado original. Macedonius era contra apenas o Espírito Santo, mas logo foi refutado e caiu em frustração. Se este artigo de Cristo permanecer, então todos os espíritos blasfemos deverão desaparecer. Os turcos e os judeus reconhecem o Deus Pai; é o Filho que eles rejeitam. Sobre este artigo muito sangue foi derramado. Eu realmente acredito que em Roma foram mortos mais de vinte mil ou mais de mártires. Começou ainda no início do mundo – com Caim e Abel, Ismael e Isaque, Esaú e Jacó, e estou convencido de que o diabo foi lançado do céu para o inferno; ele era uma criatura justa de Deus, mas foi dominado pela ambição.

Em seguida, depois das Sagradas Escrituras, não temos argumentos mais fortes para a confirmação desse artigo do que a doce e amorosa cruz. Pois todos os reinos, todos os poderosos, lutaram contra Cristo e este artigo, mas não prevaleceram.

CXCIV.
Em Roma havia uma Igreja chamada Panteão, onde foram coletadas efígies de todos os deuses que eles puderam reunir do mundo inteiro. Todos estes poderiam concordar um com o outro, pois o diabo com isso zombou do mundo, rindo em sua mão; mas quando Cristo veio, eles não conseguiam suportar, e todos os diabos, ídolos e hereges enlouqueceram completamente e ficaram cheios de raiva; pois ele, o justo e verdadeiro Deus, jogou todos juntos em um monte. O papa também se impõe poderosamente contra Cristo, mas ele deve igualmente ser confundido e destruído.

CXCV.
A história da ressurreição de Cristo, ensinando o que a sabedoria humana não consegue acreditar, que “Cristo ressuscitou dos mortos”, foi declarada às criaturas mais frágeis e tolas, mulheres, pessoas perplexas e perturbadas.

De fato, tolas diante de Deus e diante do mundo: primeiro, diante de Deus, em que “buscavam a vida entre os mortos”; segundo, diante do mundo, porque esqueceram a “grande pedra que jazia na boca do sepulcro”, e prepararam especiarias para ungir a Cristo, tudo em vão. Mas, pelo meio espiritual, significa: se a “grande pedra”, ou seja, a lei e as tradições humanas, por meio das quais as consciências estão amarradas, perto do coração, então não iremos conseguir encontrar Cristo ou crer que ele ressuscitou dos mortos. Porque através dele nós somos libertos do poder do pecado e da morte, Romanos VIII, para que a letra da consciência não nos magoe mais.

CXCVI.
Não é uma maravilha, além de todas as maravilhas, que o Filho de Deus, sendo adorado por todos os anjos e criaturas celestiais, e em cuja presença toda a terra treme e estremece, tenha ficado entre aqueles perversos infelizes, se entregado ao tormento, ao desprezo, sendo ridicularizado e condenado? Cuspiram em seu rosto, bateram em sua boca com uma cana e disseram: Oh, ele é um rei, ele precisa de uma coroa e um cetro. O doce e abençoado Salvador não lamenta em vão nos Salmos, Dimiuerunt Sunt omnia ossa mea: nessas circunstâncias, ele sofreu tanto debaixo da ira dos homens, o que ele deve ter sentido quando a ira de Deus foi derramada sobre ele sem medida? Como São Marcos diz: “Ele começou a ficar aflito e angustiado, e disse aos seus discípulos: A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal”. E São Lucas nos diz: “E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se como grandes gotas de sangue, que corriam até o chão”. Ah! Nosso sofrimento não é digno de carregar este nome – sofrimento. Quando considero minhas cruzes, tribulações e tentações, me envergonho até a morte, pensando o que são essas coisas se comparadas com os sofrimentos do meu bendito Salvador Jesus Cristo. E, no entanto, devemos estar de acordo com a imagem manifestada do Filho de Deus. E se passássemos pelo mesmo sofrimento, ainda sim não seria nada. Ele é o Filho de Deus, e nós somos criaturas miseráveis; embora devamos sofrer com a morte eterna, mesmo que eles não tenham valor.

CXCVII.
A ira do diabo é feroz e devoradora contra o Filho de Deus e contra a humanidade. Uma vez eu vi um lobo rasgando umas ovelhas. Quando o lobo entra em um rebanho de ovelhas, ele não come até que ele tenha matado tudo, e então ele começa a comer, pensando em devorar tudo. Assim é o diabo; Eu tenho agora, pensa ele, se apoderar de Cristo, e com o tempo irei acabar com os seus discípulos. Mas a tolice do diabo é de não enxergar a ligação deles com o Filho de Deus; ele não sabe que no final irá à perdição. Chegará em um ponto que o diabo temerá de uma criança no berço; porque quando o nome de Jesus é pronunciado com a verdadeira fé, o diabo não consegue ficar. O diabo prefere atravessar o fogo do que ficar onde Cristo está; portanto, é justo dizer: A semente da mulher esmagará a cabeça da serpente para não permanecer, nem ouvir ou ver Jesus Cristo. Muitas vezes sinto prazer ao ver a semelhança presente no livro de Jó, de um anzol e um pequeno verme; então vem o peixe e arrebata a minhoca, e o anzol pega em suas mandíbulas, e o pescador o puxa para fora d’agua. Nesse mesmo modo, nosso Senhor Deus lidar com o diabo; Deus lançou no mundo seu único Filho, como o anzol, e no anzol colocou a humanidade de Cristo, como o verme; então vem o diabo e se agarra ao (homem) Cristo, e o devora, e com isso ele morde o gancho de ferro, isto é, a divindade de Cristo, que o sufoca, e todo o seu poder é jogado ao chão. Isso é chamado de sapientia divina, isto é, sabedoria divina.

CXCVIII.
A conversa de Cristo com os seus discípulos durante a sua despedida na última ceia, foi muito doce, amorosa e amigável, como se fosse uma conversa de um pai para com os seus filhos. Ele tomou sua fraqueza e suportou com os seus discípulos, embora de vez em quando seu discurso fosse muito cheio de simplicidade; como quando Felipe disse: “Mostra-nos o Pai”, etc. E Tomé: “Não conhecemos o caminho”, etc. E Pedro: “Eu irei contigo para a morte”. Cada um mostrando livremente os pensamentos de seu coração. Nunca, desde o início do mundo, houve uma conversa mais preciosa, doce e amável como essa.

CXCIX.
Cristo não tinha dinheiro, nem riquezas e nem reino terrestre, mas ele é rei e príncipe. Ele reservou algo peculiar a si mesmo, que nenhuma criatura humana ou anjo poderia fazer – a saber, conquistar o pecado e a morte, o diabo e o inferno – para libertar e salvar aqueles que acreditam na Sua Palavra.

CC.
O suor de sangue e outros sofrimentos espirituais que Cristo suportou no jardim, nenhuma criatura humana é capaz de conhecer ou simplesmente de imaginar; se um de nós começar a sentir o menor desses sofrimentos, a morte seria instantânea. Muitos morrem de tristeza mental; porque a tristeza do coração é a própria morte. Se um homem sentisse tanta angústia e dor como Cristo, era impossível para a alma permanecer no corpo e suportá-la – o corpo e a alma devem se separar. Só em Cristo era possível, e dele emanava sangue suado.

CCI.
Nada é mais certo do que isto: aquele que não se apega a Cristo pela fé, e conforta a si mesmo neste lugar, que Cristo é excomungado por ele, permanece na maldição. Quanto mais trabalhamos pelas obras para obter graça, menos sabemos como nos apegar a Cristo; pois onde ele não é conhecido e compreendido pela fé, não se deve esperar conselho, ajuda ou conforto, embora nos atormentemos até a morte.

CCII.
Todos os profetas bem viram no Espírito, que Cristo, por imputação, se tornaria o maior pecador sobre a face da terra devido ao seu sacrifício pelos pecados de todo o mundo; não seria mais considerada uma pessoa inocente e sem pecado, ou o Filho de Deus em glória, mas um notório pecador, e assim seria por algum tempo abandonado (Salmos VIII), e teria sobre o seu pescoço os pecados de toda a humanidade; os pecados de S. Paulo que era um blasfemo de Deus, e perseguidor de sua Igreja; os pecados de S. Pedro que negaram a Cristo; os pecados de Davi que eram adúltero e assassino, através dos quais o nome do Senhor entre os gentios era blasfemado.

Portanto, a lei que Moisés apresentou para ser executada contra todos os malfeitores e assassinos em geral, apoderou-se de Cristo, encontrando-o entre os pecadores e assassinos, embora em sua própria pessoa inocente.

Essa maneira de imaginar Cristo para nós, os sofistas, assaltantes de Deus, obscuros e falsificados; pois eles não querem que Cristo seja feito maldição para nós, para que ele possa nos livrar da maldição da lei, nem que ele tenha algo a ver com o pecado e com os pobres pecadores; embora apenas por amor a eles tenha sido feito homem e morrido, mas eles apresentaram diante de nós apenas os exemplos de Cristo, que eles dizem que devemos imitar e seguir; e assim eles não apenas roubam de Cristo o seu nome e título, mas também fazem dele um juiz severo e irado, um tirano medroso e horrível, cheio de ira contra os pobres pecadores e determinado a condená-los.

CCIII.
A condução do nosso bendito Salvador em Jerusalém foi uma procissão pobre, onde Cristo foi visto, rei dos céus e da terra, sentado em um burro esquisito com uma sela feita com a roupa de seus discípulos. Uma equipagem ruim para um poderoso potentado, como a profecia do profeta Zacarias nos mostrou. Ainda assim, era algo imponente e gloriosa, conforme preconizava as profecias, embora aparentemente parecesse pobre e ruim.

Eu sustento que o próprio Cristo não mencionou essa profecia, mas seus apóstolos e evangelistas a usaram como testemunha. Enquanto isso, Cristo pregava e lamentava, e as pessoas o honravam com ramos de oliveira e palmeiras, que são sinais de paz e vitória. Tais cerimônias fizeram o pagão tolerar os judeus e não o contrário, como alegam alguns, pois a nação judaica e Jerusalém são muito mais antigas que os gregos e romanos. Os gregos surgiram na época do cativeiro babilônico, mas Jerusalém existia muito antes do tempo dos persas e assírios e, portanto, muito antes dos gregos e romanos, de modo que os pagãos passavam a tolerar muitas cerimônias dos judeus devido ao tempo de sua existência.

CCIV.
Os judeus crucificaram a Cristo com palavras, e os gentios o crucificaram com obras e instrumentos. Seus sofrimentos pela nossa iniquidade foram proféticos, pois Cristo sofre ainda hoje em nossa igreja muito mais do que na sinagoga dos judeus; há mais blasfêmias contra Deus, desprezo e tirania até agora entre nós do que entre os judeus. Na Itália, quando se fala do artigo da fé e do último dia do julgamento, o papa diz com sua tripulação subordinada: Oh! Você acredita nisso? Arranje um bom coração e seja feliz; deixe tais cogitações sozinhos. Essas e outras blasfêmias são tão comuns em toda a Itália que, sem medo de serem castigados, as proclamam abertamente em toda a parte.

CCV.
Em falta.

CCVI.
Minha opinião é que Cristo desceu ao inferno para pôr o diabo nas correntes, a fim de levá-lo ao julgamento do grande dia, como nos Salmos 16 e Atos II. Almas controversas alegam que a palavra Infernus, inferno, deve ser entendida como sepultura, como no primeiro livro de Moisés, mas ainda sim não está escrito somente a palavra hebraica Nabot – isto é, poço -, mas Scola – isto é, Gehenna -, inferno; pois os antigos fizeram quatro tipos de infernos diferentes.

CCVII.
A ressurreição do nosso Salvador Cristo, na pregação do Evangelho, suscita terremotos no mundo de hoje, assim como quando Cristo ressuscitou corporalmente do sepulcro. Até hoje o mundo é movido, e grandes tumultos surgem, quando pregamos e confessamos a justiça e santidade de Cristo, e que através delas somos justificados e salvos. Porém, tais terremotos e tumultos são saudáveis para nós, sim, confortáveis, agradáveis e prazerosos para os que vivem no temor de Deus, e que são verdadeiros cristãos; muito melhor do que desejar paz, descanso e quietude com uma consciência maligna pecando contra Deus.

Os judeus lisonjeavam a si mesmos pensando que o reino de Cristo teria sido um reino temporal, e os próprios apóstolos seguiam essa mesma opinião como se observa em João XIV: “Senhor, de onde vem que te hás de manifestar a nós, e não ao mundo?” Tanto quanto dizer: Nós achamos que o mundo inteiro deveria contemplar o seu estado glorioso; que tu deves ser imperador, e nós doze reis, entre os quais os reinos deveriam ser divididos, e para cada um de nós, dos discípulos, sejamos príncipes, duques, etc. Dessa maneira, os apóstolos amorosos compartilhavam e dividiam os reinos entre si, de acordo com o significado platônico – isto é, de acordo com a sabedoria do entendimento humano. Mas Cristo descreveu seu reino de outra forma: “Aquele que me ama, guardará a minha palavra, e meu pai o amará, e nós nos aproximaremos dele, e faremos nossa morada com ele”, etc.

CCVIII.
A comunhão do nosso bendito Salvador Jesus foi, sem dúvida, muito amorosa e familiar; pois quem não considerou desonra sendo semelhante à Deus, tornou-se homem semelhante a nós, mas sem pecado, servindo e tendo paciência aos seus discípulos quando se sentaram à mesa, como meu servo me espera; Os bons discipulos, singelos e simples, estavam tão acostumados a isso que até se contentaram em deixá-lo esperar. De tal modo, Cristo cumpriu seu ofício; como está escrito: “Ele veio para ministrar e não para ser ministrado”. Ah, é um grande exemplo, que ele se humilhou profundamente e sofreu, que criou o mundo inteiro, o céu e a terra, e tudo o que nele há, e que, com um dedo, poderia tê-lo virado de cabeça pra baixo e destruído.

CCIX.
Quão maravilhosamente Cristo rege e governa seu reino, ocultando-se de tal forma que sua presença não é vista, mas envergonha imperadores, reis, papas e todos os que se consideram sábios, justos e poderosos. Mas aqui pertence uma Plerophoria – isto é, temos certeza e convicção disso.

Jesus Cristo é o único começo e fim de todas as minhas divinas cogitações, dia e noite, mas eu encontro e confesso livremente que alcancei apenas um pequeno e frágil começo da altura, da profundidade e da largura deste imensurável, incompreensível e sabedoria infinita, escassos e trazidos à luz alguns fragmentos desta intensa e preciosa profundidade.

CCX.
A própria obra de Cristo foi de combater a lei, o pecado e a morte de todo o mundo; Tomando-os para si mesmo, e levando-os até então obter a vitória superando-os e destruindo-os, e assim quitar a desolação da lei e de todo o mal. Que Cristo expõe a lei e faz milagres, estes são apenas pequenos benefícios, em comparação com a verdadeira bondade, pela qual ele veio principalmente. Porque os profetas, especialmente os apóstolos, realizaram grandes milagres como o próprio Cristo.

CCXI.
Que o nosso Salvador Cristo virá, de nada vale para os hipócritas que vivem confiantes, não temendo a Deus, nem os condenados e nem os réprobos que acham que não há graça ou conforto a serem esperados, e que pela lei são afligidos. Mas ele virá para o conforto daqueles que, por um tempo, foram atormentados pela lei; não desanimaram nas aflições, e que confiam no conforto de Cristo, no trono da graça, que os entrega.

CCXII.
Não é uma vergonha que sempre tenhamos medo de Cristo, ao passo que nunca houve no céu ou na terra um homem mais amável, familiar ou mais gentil em suas palavras, obras e comportamento, especialmente em relação às consciências frágeis, tristes e atormentadas? Por isso que o profeta Jeremias ora dizendo: “Ó Senhor, concede que não tenhamos medo de ti”.

CCXIII.
Está escrito em Salmos: “Eis que tu requeras a verdade nas partes interiores, e faze-me entender secretamente a sabedoria”. Esse é o mistério que está oculto no mundo e assim permanecerá; é a verdade que está nas partes interiores, na sabedoria secreta. Não é a sabedoria dos advogados, dos médicos, dos filósofos, mas do Senhor! Ó, Senhor! A sabedoria que tu me fizeste entender. Essa é a arte de ouro que Sadoleto não possuía, embora ele tenha escrito muito sobre esse Salmo.

CCXIV.
A pregação dos apóstolos espalhou poderosamente por todo o mundo após a ressurreição de Cristo, quando o Espírito Santo foi enviado. Este mestre, o Espírito Santo, trabalhou através dos apóstolos e mostrou claramente a doutrina de Cristo, de um tal modo que sua pregação produziu mais fruto do que quando Cristo pregou, como ele mesmo havia declarado: “Aquele que crê em mim, fará também as obras que faço, e fará maiores do que estas.”

Cristo, pelo seu poder, não iria romper com a sua pregação, como ele poderia ter feito, pois ele pregou tão poderosamente que as pessoas ficavam surpresas com a sua doutrina, mas procederam gradativamente em relação aos profetas, a quem ele foi prometido, e daqueles que muitos os estimavam. Por fim, ele poderia tirar e abolir a lei cerimonial, junto com a sua obra e culto.

CCXV.
Cristo pregava sem salário, não esperando por recompensas. Mas as mulheres piedosas, aquelas que ele purificou e curou, e as libertou de espíritos malígnos e doenças, ofereceram-lhe aquilo que tinham, (Lucas VIII). Elas deram a ele suprimentos, e ele também recebia as coisas que os outros livremente e voluntariamente davam a ele. (João XIX).

Quando ele enviou os apóstolos para pregar, disse: “De graça recebestes, de graça dai”, etc., onde ele adverte para que não esperem algo por seus esforços e obras, e que não devem se lamentar por comida e roupas, etc., pois pra onde quer que fossem, eles encontrariam pessoas que não quisessem vê-los.

CCXVI.
As profecias sobre o Filho de Deus em relação a sua natureza humana foram dadas de uma forma tão obscura que eu acho que nem o diabo sabia que Cristo seria concebido pelo Espírito Santo através da Virgem Maria.

Por isso que, quando ele tentou a Cristo no deserto, disse: “Se és o Filho de Deus?”. Ele o chama de Filho de Deus, não pela sua descendência natural, mas de acordo com a maneira da Escritura, que nomeia as criaturas humanas como filhos de Deus: “Vós sois todos os filhos do Altíssimo”, etc. Não era desejado que essas profecias sobre a paixão, ressurreição e reinado de Cristo fossem reveladas antes do tempo de sua vinda, exceto apenas para o povo de seu profeta e de outros esclarecidos; foi reservado para a vinda de Cristo, o único doutor que abriu este entendimento.

CCXVII.
A razão pela qual Pedro e outros apóstolos não chamavam expressamente Cristo de Filho de Deus, foi devido aos judeus piedosos que ainda eram fracos na fé, e para evitar a perseguição contra a sua pregação, parecendo declarar um novo Deus, rejeitando o Deus dos seus pais. No entanto, eles mencionam, com palavras expressas, o ofício de Cristo e suas obras; que ele é o príncipe da vida; que ele ressuscita os mortos, justifica e perdoa os pecados, ouve orações, ilumina e conforta corações, etc. Os apóstolos mostram claramente o reconhecimento que Cristo é o verdadeiro Deus; pois nenhuma criatura pode realizar tais obras, mas somente Deus.

CCXVIII.
O diabo assalta o mundo cristão com o mais alto poder e sutileza, aborrecendo os verdadeiros cristãos através de tiranos, hereges e falsos irmãos, instigando o mundo inteiro contra eles.

Pelo contrário, Cristo resiste ao diabo e seu reino, com algumas pessoas simples e rejeitadas, como eles parecem no mundo, fracas e tolas, e ainda assim alcançam a vitória.

Agora, seria uma guerra muito desigual para uma pobre ovelha encontrar uma centena de lobos, como aconteceu com os apóstolos, quando Cristo os enviou para o mundo e um após o outro foram sendo mortos. Contra os lobos, devemos enviar leões ou feras mais fortes. Mas Cristo tem o prazer para mostrar sua sabedoria e poder em nossa fraqueza e patetice, como o mundo concebe, e assim procede que todos engolirão sua própria perdição, e irão para o diabo, que se colocam contra os seus servos e discípulos.

Pois somente ele, o Senhor dos Exércitos, faz maravilhas; ele preserva suas ovelhas no meio dos lobos, e ele mesmo assim as aflige, para que possamos ver claramente que nossa fé não consiste no poder da sabedoria humana, mas no poder de Deus. Pois embora Cristo permita que uma de suas ovelhas seja devorada, no entanto, ele envia dez ou mais pessoas em seu lugar.

CCXIX.
Muitos dizem que tendo Cristo expulsado os compradores e vendedores do templo, nós também podemos ter esse direito de usar a força contra os bispos papistas e inimigos da Palavra de Deus, como Munzer e outros sedutores. Mas Cristo fez muitas coisas que não conseguimos fazer. Ele andou sobre as águas, jejuou quarenta dias e quarenta noites, ressuscitou Lázaro da morte depois de ter ficado quatro dias no túmulo, etc. Muito menos Cristo consentirá que nós, pela força, assaltemos os inimigos da verdade; ele ordena o contrário: “Amai os vossos inimigos, rogai por aqueles que os atormentam e perseguem”; “Seja misericordioso, como seu Pai é misericordioso”; “Tome meu jugo e aprenda sobre mim, pois sou manso e humilde de coração”; “Quem me seguir, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”.

CCXX.
É maravilhoso como o nome de Cristo permaneceu no reino do papado, onde, por centenas de anos, nada foi entregue ao povo a não ser as leis e decretos do papa, ou seja, doutrinas e mandamentos dos homens, de modo que não houvessem maravilhas se caso o nome de Cristo e sua Palavra tivessem sido esquecidos.

Mas Deus preservou maravilhosamente seu evangelho na igreja, a qual agora, nos púlpitos, é ensinado ao povo, palavra por palavra. Da mesma forma, é uma grande obra de Deus, que o Credo, a Oração do Senhor, o Batismo e a Ceia do Senhor tenham permanecido e apresentado nos corações daqueles que foram ordenados a recebê-los no meio do povo.

Deus também despertou freqüentemente homens sábios e piedosos, que revelaram sua Palavra, e lhes deram coragem para reprovar abertamente as falsas doutrinas e abusos que se infiltravam na igreja, como John Huss e outros.

CCXXI.
O reino de Cristo é um reino da Graça, da Misericórdia e de todo o conforto. Salmos CXVII: “Sua graça e verdade estão cada vez mais voltadas para nós”. O reino do Anticristo, o papa, é um reino de mentiras e destruição; Salmos X: “Sua boca está cheia de maldição, fraude e engano; debaixo de sua língua está a impiedade e a vaidade”. O reino de Maomé é um reino de vingança, de ira e de desolação, Ezequiel XXXVIII.

CCXXII.
Os fracos na fé também pertencem ao reino de Cristo; caso contrário, o Senhor não teria dito a Pedro: “Fortaleça teus irmãos”, Lucas XXII., e Rom. XIV: “Receba os fracos na fé”; também em 1 Tessalonicenses V.: “Confortem e apoiem os fracos de espírito”. Se os fracos na fé não pertencessem à Cristo, os apóstolos não teriam sido escolhidos por ele.

CCXXIII.
Um copo com água é bom para um homem que não estiver bem. Um bocado de pão aquieta a fome, e aquele que precisa de pão corre atrás seriamente. Cristo é o melhor, o mais seguro e o único médico contra o mais temido inimigo da humanidade, o diabo; mas os homens não acreditam em seus corações. Se eles quisessem um médico, vivendo a centenas de quilômetros de distância, mas que podem afastar a morte temporariamente, oh, com que diligência ele é enviado – nenhum dinheiro é poupado! Mas o menor da multidão só se apega ao verdadeiro médico, e pela sua arte aprende aquilo que o sagrado Simeão bem sabia em razão do qual cantava alegremente: “Senhor, agora que teu servo parta em paz, pois os meus olhos tem visto a tua salvação! De onde veio a sua grande alegria? Porque com olhos espirituais e carnais ele diz o Salvador do mundo, o verdadeiro médico contra o pecado e a morte. É uma grande dor ver como um homem é sedento por uma bebida, ou faminto, embora um copo de água ou um pedaço de pão ainda possa ter fome e sede não mais do que duas horas ou mais, enquanto que nenhum homem, ou pouquissimos, desejam o mais precioso de todos os médicos, embora ele nos convide amorosamente a vir até à ele dizendo: “Aquele que tem sede, venha a mim e beba”, João VIII.

CCXXIV.
Assim como Cristo é agora invisível e desconhecido para o mundo, nós também somos cristãos invisíveis e desconhecidos nele. “Sua vida”, diz S. Paulo, Coloss. III, “está escondido com Cristo em Deus”. Portanto, o mundo não nos conhece, muito menos vê Cristo em nós. Mas nós e o mundo somos facilmente separados; eles não se importam com nada e nada fazemos por eles; por meio de Cristo, o mundo é crucificado para nós e nós para o mundo. Deixe-os ir com sua riqueza e deixe-nos em nossas mentes e condutas.

Quando temos nosso doce e amoroso Salvador, somos ricos e felizes mais do que o suficiente; não nos importamos com o estado, a honra e a riqueza deles. Mas muitas vezes perdemos nosso Salvador Jesus e pouco pensamos que ele está em nós e nós nele; que ele é nosso e nós somos dele. No entanto, embora ele se esconda de nós, como pensamos, no tempo de necessidade, por um momento, ainda estamos consolados em sua promessa, onde ele diz: “Eu estou diariamente com você até o fim do mundo”; esse é o nosso tesouro mais precioso.

CCXXV.
Cristo não deseja mais nada de nós do que falar sobre ele. Mas tu dirás: “Se eu falar ou pregar sobre ele, então a Palavra congela em meus lábios.” Oh, não considere isso, mas ouça o que Cristo diz: “Pedi e ser-vos-á dado”, etc.; e “Eu estou com ele em apuros”; “Eu o entregarei e o trarei para honrar”, etc. Também: “Invoca-me no tempo da angústia; assim te ouvirei, e tu me louvarás”, etc. Salmo 1. Como poderíamos realizar um serviço fácil de Deus, sem obra ou custo? Não há trabalho na terra mais fácil do que o verdadeiro serviço de Deus: ele nos carrega com nenhuma obrigação, e apenas pede que acreditemos nele e preguemos sobre ele. É verdade que tu podes ter certeza de que serás perseguido por isso, mas o nosso doce Salvador dá-nos uma promessa confortável: “Eu estarei contigo no tempo da angústia e te ajudarei”, etc., Lucas XII. 7. Eu não faço tal promessa ao meu servo quando lhe dou trabalho, seja para arar ou para carregar, como Cristo para mim, para que ele me ajude nas minhas necessidades. Nós só falhamos na crença: se eu tivesse fé conforme a Escritura exige de mim, eu sozinho expulsaria o turco de Constantinopla e o papa de Roma; mas minha fé é pouca; Devo descansar satisfeito com aquilo que Cristo falou a S. Paulo: “Minha graça é suficiente para ti, pois meu poder é forte na fraqueza”.

CCXXVI.
Dessas palavras, João XIII, que Cristo falou a Pedro: “Se eu não te lavar, tu não tens parte comigo”, não é para ser entendido que Cristo, ao mesmo tempo, batizou seus discípulos; pois em João IV, é claramente mostrado que ele mesmo não batizou ninguém, mas seus discípulos, no comando dele, batizaram um ao outro. O Senhor também não falou estas palavras apenas no lavar com água, mas no lavar o espiritual, através da qual ele, e nenhum outro, lava e purifica Pedro, os outros discípulos e todos os verdadeiros crentes, de seus pecados, e os justifica e salva; como se ele dissesse: Eu sou o verdadeiro banhista, portanto, se eu não te lavar, Pedro, tu permanecerás impuro e morto em teus pecados.

A razão pelo qual Cristo lavou não só os seus pés, mas também dos seus discípulos, enquanto que os sumos sacerdotes, pela lei, não lavavam os pés dos outros apenas os seus próprios, foi isto: o sumo sacerdote na lei era imundo, e um pecador como os outros homens, portanto, lavou os próprios pés e ofereceu-se não apenas pelos pecados do povo, mas também pelos seus. Mas o nosso eterno sumo sacerdote é santo, imaculado, sem manchas e separado do pecado; portanto, era desnecessário que ele lavasse os pés, mas ele nos lavou e purificou, através do seu sangue, de todos os nossos pecados.

Além disso, através dessa lavagem de pés, ele estava nos mostrando que seu reino que será estabelecido não será um reino temporal e visível, onde o respeito das pessoas será mantido, como no reino de Moisés, um superior ao outro, mas onde alguém deve servir a outro com humildade, como ele diz: “Aquele que é o maior entre vós, seja ele teu servo”, que ele mesmo mostrou com este exemplo, como ele diz, João XIII: “Se eu, seu Senhor e Mestre, tiver lavado seus pés, então você deve lavar os pés uns dos outros”.

CCXXVII.
Enquanto Júpiter, Marte, Apolo, Saturno, Juno, Diana, Parcas e Venus governavam entre os pagãos – isto é, eram mantidos e adorados como deuses, os judeus tendo também muitos ídolos aos quais serviam – era necessário primeiro Cristo, e, em seguida, os apóstolos, em fazer milagres naturais e espirituais, tanto entre os judeus como entre os gentios, para confirmar esta doutrina da fé em Cristo, e para tirar toda a adoração à ídolos. As maravilhas visíveis e naturais floresceram até que a doutrina do Evangelho fosse plantada e recebida, e o batismo e a Ceia do Senhor fossem estabelecidos. Mas os milagres espirituais, que o nosso Salvador Cristo mantém, são realizados diariamente, e permanecerão até o fim do mundo, como o do centurião em Mateus VIII, e da mulher cananéia.

CCXXVIII.
A maior maravilha do mundo é a morte do Filho de Deus! A morte vergonhosa na cruz. É espantoso o Pai dizer para seu único Filho, que é Deus por natureza: Vá, deixe-os pendurar-te na forca. O amor do Pai eterno era imensuravelmente maior para com o seu Filho unigênito do que o amor de Abraão para com Isaque; porque o Pai testificou do céu: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”; no entanto, Ele foi lançado fora tão lamentavelmente como se fosse um verme, desprezado por homens e excluído do povo.

Nisto, o homem tropeça em sua própria cegueira dizendo: “É este o único Filho gerado do Pai eterno – como, então, lida tão impiedosamente com Ele? Ele mostrou-se mais gentil com Caifás, Herodes e Pilatos do que ao seu Filho unigênito.” Mas, para nós, verdadeiros cristãos, é o maior conforto; pois nós reconhecemos que o misericordioso Senhor Deus e Pai tanto amou o pobre mundo condenado, que ele não poupou seu Filho unigênito, mas o entregou para todos nós, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna.

Aqueles que são atormentados com elevadas tentações espirituais, onde cada um não é capaz de suportar, devem ter este exemplo diante de seus olhos, quando estão com tristeza e peso de espírito, temendo a ira de Deus, o dia do juízo e a morte eterna, e tais como dardos inflamados do diabo. Que eles se consolem. Embora eles sofram freqüentemente, ainda sim eles não são rejeitados por Deus, e sim são bem amados, visto que Ele os faz semelhantes ao seu Filho unigênito; e que creiam que, como sofrem com Ele, assim os livrará também de seus sofrimentos. Para aqueles que vivem piedosamente em Cristo Jesus, devem sofrer perseguição; ainda um mais do que o outro, de acordo com a força ou fraqueza de cada um na fé: “Porque Deus é verdadeiro, que não nos permitirá ser tentados acima do que somos capazes de suportar.”

CCXXIX.
Foi maravilhoso quando nosso Salvador, Cristo, subiu aos céus, à vista de seus discípulos. Alguns, sem dúvida, pensaram: “Comemos e bebemos com Ele, e agora Ele é tirado de nós e levado para o céu; Todas essas coisas estão certas?” Tais raciocínios, sem dúvida, alguns deles tinham, pois não eram todos igualmente fortes na fé, como São Mateus escreve: Quando os onze viram o Senhor, eles adoraram, mas alguns duvidaram. E durante esses quarenta dias, desde a ressurreição até a ascensão, o Senhor os ensinou através de múltiplos argumentos e os instruiu em todas as coisas necessárias; Ele fortaleceu sua fé, e os lembrou do que lhes havia dito antes, até o fim eles deveriam, de repente, duvidar de sua pessoa.

No entanto, suas palavras causaram pouca impressão, pois quando o Senhor apareceu no meio deles, no dia de Páscoa, à noitinha, disse: “A paz esteja convosco”, ficaram tão perplexos e atemorizados, supondo que vissem um fantasma; nem Tomé acreditou o que os outros discípulos tinham visto, até que ele viu a impressão dos cravos em suas mãos. E, embora pelo espaço de quarenta dias Ele tivesse comungado com eles a respeito do reino de Deus, e estava até pronto para ascender, ainda sim, não obstante, eles lhe perguntaram: “Senhor! Será neste tempo restaurado o reino de Israel?”

Depois disso, no Domingo de Pentecostes, quando receberam o Espírito Santo, eles tiveram suas mentes transformadas; não ficaram mais com medo dos judeus e levantaram-se corajosamente e com grande alegria pregaram a Cristo ao povo. E disse Pedro ao coxo: Não tenho prata e nem ouro, mas o que tenho, isto é o que te dou; em nome de Jesus Cristo de Nazaré, levante-se e ande. No entanto, apesar de tudo isso, o Senhor foi capaz de mostrar a ele, através de uma visão, que os gentios deveriam ser participantes da promessa divina, embora, antes de sua ascensão, ele tivesse ouvido esta ordem do próprio Senhor: “Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura”. E “ensine todas as nações”.

Os próprios apóstolos não sabiam de tudo, mesmo depois de receberem o Espírito Santo; sim, às vezes eles eram fracos na fé. Quando toda a Ásia se retirou de São Paulo, e alguns de seus discípulos se afastaram dele, e muitos falsos espíritos que estavam em alta estima se colocaram contra ele, então, com tristeza no coração disse: “Eu estava com você na fraqueza, medo e tremor”. E “estávamos preocupados de todos os lados, sem brigas e dentro de nós temíamos”. Por isso, é evidente que ele foi feliz em consolá-lo, dizendo: “Minha graça é suficiente para ti, pois meu poder é forte em fraqueza”.

Isto é para mim e para todos os cristãos verdadeiros uma doutrina confortável; porque também me convenço de que tenho fé, embora seja assim, e bem poderia ser melhor; contudo, ensino a fé aos outros e sei que meu ensinamento está correto. Às vezes eu comungo assim comigo mesmo: Tu realmente pregas a Palavra de Deus; este ofício está confiado a ti, e tu és chamado sem a tua pretensão, o que não é infrutífero, porque muitos são reformados; mas quando considero e vejo a minha própria fraqueza, que como, bebo, às vezes sou alegre, sim, também, de vez em quando sou surpreendido, estando fora de guarda, começo a duvidar dizendo: Ah! Que nós poderíamos apenas acreditar.

Portanto, professores de confiança podem ser pessoas problemáticas e perigosas; que, quando eles olham apenas do lado de fora da Bíblia, ou ouvem alguns sermões, pensam que tem o Espírito Santo, e compreendem e sabem tudo. Mas os corações bons e piedosos são de outra mente e rezam diariamente: “Senhor, fortaleça a nossa fé”.

CCXXX.
Quando Jesus Cristo pronuncia uma palavra, ele abre a boca de tal maneira que abraça todo o céu e toda a terra, mesmo que essa palavra seja apenas um sussurro. A palavra do imperador é poderosa, mas a de Jesus Cristo governa todo o universo.

CCXXXI.
Espero mais bondade de Kate, minha esposa, de Philip Melancthon e de outros amigos, do que do meu doce e bendito Salvador Jesus Cristo; e, no entanto, sei com certeza que nem ela e nem qualquer outra pessoa na terra sofrerá ou poderá sofrer por mim; por que então eu deveria ter medo dEle? Essa minha fraqueza tola me aflige muito. Nós claramente vemos no evangelho o quão gentil Ele se mostrou em relação aos seus discípulos; o quão bondosamente Ele passou sobre sua fraqueza, sua presunção, sim, sua tolice. Ele chegou sua incredulidade e, com toda a gentileza, advertiu-os. Além disso, a Escritura, o que é mais certo, diz: “Bem aventurados são todos os que nEle confiam”. Nos nossos corações incrédulos, devemos ter medo deste homem, que é mais amoroso, amigável, gentil e compassivo para conosco do que nossos pais, irmãos e irmãs; sim, do que os próprios pais são para com os filhos.

Aquele que tem tais tentações, que ele seja assegurado, não é Cristo, mas o invejoso demônio que o atormenta, fere e o destrói; porque Cristo conforta, cura e revive.

Oh! Sua graça e bondade para conosco é tão imensuravelmente grande que, sem grandes ataques e provocações, ela não pode ser entendida. Se os tiranos e os falsos irmãos não tivessem posto tão ferozmente contra mim, meus escritos e procedimentos, então eu deveria ter me gabado demais dos meus pobres presentes e qualidades; nem devo com tanta coragem dirigir minhas orações a Deus por sua ajuda divina; Eu não deveria ter atribuído tudo à graça de Deus, mas a minha destreza e poder, e assim deveria ter voado para o diabo. Mas até o fim isso pode ser evitado, meu gracioso Senhor e Salvador Cristo fez com que eu fosse castigado; Ele ordenou que o diabo me atormentasse com seus dardos ardentes, através de tiranos, como o papa e outros hereges, e tudo o que ele sofreu para ser feito para o meu bem. “É bom para mim que eu tenha tido problemas, para que eu possa aprender os teus estatutos”.

CCXXXII.
Eu não sei nada de Jesus Cristo, apenas seu nome; eu não o ouvi e nem o vi em pessoa, mas tenho louvado a Deus, aprendi muito com as Escrituras, e estou completamente satisfeito; portanto, não desejo ver e nem ouvi-lo de corpo. Quando fui deixado e abandonado por todos os homens, em minha mais alta fraqueza, em tremor e com medo da morte, quando fui perseguido por este mundo iníquo, senti profundamente o poder divino que este nome, Jesus Cristo, me transmitiu.

CCXXXIII.
Não é de admirar que Satanás seja um inimigo de Cristo, e de seu povo e reino, e que se coloque contra Ele e sua Palavra, com todo o seu poder e astúcia. É um velho ódio e rancor entre eles que começou no Paraíso: pois são, por natureza e espécie, de mentes e disposições contrárias. O diabo cheira a Cristo a centenas de quilômetros de distância; ele ouve em Constantinopla e em Roma, o que nós em Wittenberg ensinamos e pregamos contra o seu reino; ele também sente a dor e o dano que sustenta com isso; há raivas horrivelmente dilatadas nele.

Mas o que é mais para se admirar é que nós, que somos de um tipo de natureza, e, através do vínculo de amor, unimos tão rápido que cada um deve amar ao outro como a si mesmo, e deveria, mas às vezes há inveja, ódio, ira, discórdia e vingança e que alguém está pronto para matar o outro. Pois quem é mais próximo de um homem do que sua esposa; para o filho, que seu pai; para a filha, que a mãe dela; para o irmão, que a irmã dele, etc.? No entanto, é comumente encontrado que a discórdia e a disputa estão entre elas.

CCXXXIV.
É impossível que o evangelho e a lei morem juntos em um só coração, pois a necessidade de Cristo deve ceder e dar lugar à lei. São Paulo diz: “Aqueles que são justificados pela lei, caíram da graça”. Portanto, quando tu és desta mente, que Cristo e a confiança da lei podem habitar juntos em teu coração, então podes saber com certeza que não é Cristo, mas o demônio que habita em ti, que sob a máscara em forma de Cristo te aterroriza. Ele fará para que você seja justo por meio da lei e por suas próprias boas obras; pois o verdadeiro Cristo não te chama para explicar seus pecados, nem ordena que confie em suas boas obras, mas diz: “Vinde a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso”, etc.

CCXXXV.
Eu defini Cristo e o papa pelas orelhas, então não me incomode mais; embora eu fique entre a porta e as dobradiças sendo esprimido, não importa; Cristo vai passar por isso.

CCXXXVI.
Cristo uma vez apareceu visível aqui na terra, mostrando a sua glória e, de acordo com o propósito divino, concluiu a sua obra de redenção e libertação da humanidade. Eu não desejo que Ele venha mais uma vez da mesma maneira, nem pra enviar um anjo para mim. Não, embora um anjo apareça diante dos meus olhos, ainda assim não alteraria a minha crença; porque eu tenho vínculo e sou selado por Cristo Jesus; Eu tenho a sua Palavra, Espírito e Sacramento; daí eu não desejo novas revelações. E quanto mais firme estou nesta resolução para segurar unicamente pela Palavra de Deus, e não para dar crédito a quaisquer visões ou revelações. Eu relatarei a seguinte circunstância: – Na Sexta-Feira Santa, estando orando na minha sala contemplando comigo mesmo como Cristo, meu Salvador, na cruz sofreu e morreu pelos nossos pecados, apareceu de repente no muro uma brilhante visão de nosso Salvador Cristo, com as cinco chagas, olhando firmemente para mim, como se fosse o próprio Cristo de carne e osso. À primeira vista, pensei que tivesse sido alguma revelação celestial, mas refleti que deve ser ilusão do diabo, pois Cristo apareceu para nós em sua Palavra, e de uma forma mais humilde; por isso falei à visão assim: Diabo enganador, não conheço outro Cristo além daquele que foi crucificado e que em sua Palavra é retratado e apresentado a mim. Em seguida, a imagem desapareceu mostrando claramente de onde veio.

CCXXXVII.
Ai! Qual é o nosso talento e sabedoria? Antes de entendermos qualquer coisa como devemos ser, nos deitamos e morremos, para que o diabo tenha alguma boa chance conosco. Quando se tem trinta anos, ele ainda carrega Stultitias carnales; sim, também, Stultitias spirituales; e ainda é muito para ser admirado, como em nossa fraqueza, alcançamos e realizamos muito em grandes assuntos, mas é Deus que o faz. Deus deu a Alexandre, grande sabedoria e sucesso; no entanto, Ele o chama, no profeta Jeremias, um jovem, onde diz que ele virá e virará a cidade de cabeça para baixo. No entanto, Alexandre não podia deixar de lado a sua tolice, pois muitas vezes se embriagava e, em sua embriaguez, esfaqueava seus melhores amigos e, em seguida, passava a beber até a morte na Babilônia. Salomão não tinha mais que 20 anos quando foi feito rei, mas foi bem instruído por Natã e desejou sabedoria, o que era agradável a Deus, como diz o texto. Mas agora, baús cheios de dinheiro são cobiçados. Oh! Digamos que agora, se eu tivesse dinheiro, faria isso e aquilo.

CCXXXVIII.
Cristo disse à mulher pagã: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel; e depois ajudou ela e a sua filha; portanto, um homem poderia dizer: Cristo aqui se contradisse. Eu respondo: É verdade que Cristo não foi enviado aos gentios, mas quando os gentios vieram a Ele, Ele não os rejeitaria nem os colocaria distante dEle. Pessoalmente, Ele foi enviado apenas para os judeus e, portanto, pregou na terra dos judeus. Mas, através dos apóstolos, sua doutrina espalhou pelo mundo inteiro. São Paulo nomeia o Senhor Cristo, ministrum circumcisinis, em razão da promessa que Deus deu aos pais. Os próprios judeus se orgulham da justiça divina em realizar o que Ele prometeu, mas nós, os gentios, nos gloriamos da misericórdia de Deus; Deus não esqueceu de nós, gentios. De fato, Deus não falou conosco, nem nós, rei ou profeta, com quem Deus falou; mas São Paulo, em outro lugar, diz: Era necessário que a Palavra primeiro fosse pregada a você, mas vendo que você não a receberia, eis! Nos voltamos para os gentios. Com isso, os judeus estavam muito ofendidos até hoje; eles se lisonjeavam: O Messias é único e isolado para eles e somente para eles. De fato, é um glorioso nome e título que Moisés hes dá: Tu és uma nação santa, mas Davi, em seu Salmo, promete a Cristo aos gentios – “Louvai ao Senhor todas as nações”.

CCXXXIX.
Devemos considerar as histórias de Cristo de três maneiras: primeiro, como história de atos ou parábolas; em segundo lugar, como dádiva ou momento presente; em terceiro lugar, como exemplo, em que devemos acreditar e seguir.

CCXL.
Cristo, nosso bendito Salvador, deixou de pregar e ensinar até o trigésimo ano de sua idade, nem seria ouvido abertamente; não, embora Ele tinha visto e ouvido tantas impiedades, abomináveis idolatrias, heresias, blasfêmias contra Deus, etc. Foi uma coisa maravilhosa que Ele pôde se abster, e com paciência suportá-las, até que chegou a hora em que Ele apresentaria em seu ofício de pregador.

 

Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira


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