CONVERSAS À MESA (TISCHREDEN) PT. 14/47 - DA ORAÇÃO


Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 12 de Janeiro de 2023, Quinta Feita, 16h38

CCCXXVIII.
Ninguém consegue acreditar o quão poderosa é a oração e no que ela é capaz de fazer, a não ser aqueles que aprenderam por meio da experiência. É uma grande questão e de extrema necessidade se apegar à oração. Eu sei que, através das minhas orações fervorosas, fui amplamente ouvido e obtive mais do que orei; Deus, de fato, às vezes demorou, mas mesmo assim fui atendido.

Eclesiástico diz que a oração de um cristão justo e fiel vale mais para a saúde do que um remédio recomendado por um médico.

Oh! Quão grande e maravilhosa é a oração de um cristão piedoso! Quão poderoso é com Deus; que uma pobre criatura humana fale com a alta majestade do Reino dos Céus sabendo que Deus sorri para ele por causa de Cristo, seu amado filho. O coração e a consciência, durante este ato de oração, não devem recuar por causa dos pecados, muito menos estar em dúvida ou se amedrontar. Não devemos fazer como o bávaro fez que, com grande devoção, invocou São Leonardo, um ídolo erguido em uma igreja na Bavaria, e atrás daquele ídolo respondeu ao bávaro: Que vergonha, bávaro; então esse ídolo o respondeu assim muitas vezes não querendo ouvi-lo até que finalmente o bávaro foi embora respondendo: Que vergonha, Leonardo!

Quando orarmos, não devemos deixar que chegue nessa vergonha bavariana; precisamos manter e acreditar que já somos ouvidos com fé em Cristo. Portanto, os antigos definiram a oração como um Accensus mentis ad Deum, ou seja, uma subida do coração a Deus.

Quando orarmos, não devemos deixar que chegue nessa vergonha bavariana; precisamos manter e acreditar que já somos ouvidos com fé em Cristo. Portanto, os antigos definiram a oração como um Accensus mentis ad Deum, ou seja, uma subida do coração a Deus.

CCCXXIX.
Nosso Salvador Cristo, com toda sua excelência, compreende brevemente na oração do Senhor todas as coisas necessárias. Exceto sob problemas, provocações e aborrecimentos; nesse caso a oração não é correta. Deus diz: “Invoque-me na hora da angústia”; sem problemas, é apenas uma murmuração insignificante e não do coração; este é um ditado comum: “A necessidade ensina a orar”. E embora que os papistas digam que Deus entende bem todas as palavras daqueles que rezam, São Bernardo está longe com uma outra opinião que diz: Deus não ouve as palavras de quem reza, a menos que aquele que reza primeiro as ouça. O papa é um mero algoz da consciência. As assembleias de sua tripulação lubrificada, quando estão em oração, parecem o coaxar de sapos que não edificam em nada; mero sofisma e engano, infrutíferos e inúteis. A oração é uma forte fortaleza da igreja; é a arma de um cristão justo que nenhum homem conhece, mas apenas aquele que tem o espírito da graça e da oração.

As três primeiras petições compreendem coisas tão grandes e celestiais que nenhum coração é capaz de procurá-las. A quarta contém toda a política e economia de governo temporal e doméstico, e todas as coisas necessárias para essa vida. A quinta petição luta contra nossas próprias más consciências e contra os pecados originais e atuais que as perturbam. Verdadeiramente a oração do Senhor foi escrita pela própria sabedoria; ninguém, exceto Deus, poderia ter feito isso.

CCCXXX.
A oração no papado é mera debulha de língua; não é oração, mas um trabalho de submissão. Daí vem um mar de confusão de Horae Canonicae, os uivos e balbucios em celas e mosteiros onde leem e cantam os salmos e recolhem, sem nenhuma devoção espiritual e sem compreender nem mesmo as palavras, frases e seus significados.

Como eu fiquei atormentado com aquelas Horae Canonicae antes de conhecer o verdadeiro Evangelho, que por causa de muitas obrigações eu frequentemente parava e não conseguia me expressar. Então aos sábados eu me trancava na cela e fazia tudo aquilo que descuidei durante toda a semana. Mas, por fim, fiquei preocupado com tantos assuntos que muitas vezes tive o desejo de omitir minhas devoções nos sábados. E então quando vi que Amsdorf e outros zombavam das minhas devoções, deixei-as de lado.

Deste grande tormento somos agora liberto pelo Evangelho. Embora eu não tivesse feito mais nada, mas apenas libertado aquelas pessoas daquele tormento, elas poderiam pelo menos me agradecer por isso.

CCCXXXI.
Não podemos orar sem fé em Cristo, o Mediador. Turcos, judeus e papistas podem repetir palavras em suas orações, mas nada disso adianta. E embora os apóstolos tenham aprendido a oração do Senhor através de Cristo, e orassem com frequência, eles ainda não oraram como deveriam; pois Cristo diz: “Até agora não orastes em meu nome”; considerando que, sem dúvida, eles oraram muito, pronunciando as palavras. Mas com a intercessão do Espírito Santo eles passaram a orar corretamente no nome de Cristo. Se a oração e a sua leitura forem apenas uma simples obra, como sustentam os papistas, então a justiça da lei não vale nada. A oração correta do cristão justo é uma cerca forte, como o próprio Deus diz: “E eu busquei entre eles um homem que levantasse a cerca e se colocasse diante da brecha para que eu não a destruísse, mas não encontrei ninguém.”

CCCXXXII.
Quando Moisés chegou no Mar Vermelho com os filhos de Israel, ele chorou com muito temor; contudo, ele não abriu a boca; sua voz não foi ouvida pelo povo; mas com toda certeza ele chorou e suspirou em seu coração dizendo: Ah Senhor Deus! Que caminho devo tomar agora? Para que lado devo ir agora? Como cheguei a este estreito? Nenhum socorro virá, pois diante de nós está o mar e atrás de nós estão os nossos inimigos egípcios; em ambos os lados só tem montanhas altas e enormes; e agora sou culpado pela destruição desse povo. Então Deus assim respondeu: “Por que clamas a mim?” Como se Ele estivesse dizendo: Que alarme todo é esse, Moisés? A razão humana não é capaz de buscar essa passagem. O caminho através do Mar Vermelho é tão extenso, provavelmente a mesma distância ou bem mais de Wittenberg para Coburg. Então, sem dúvida, o povo era obrigado a descansar e comer naquele lugar; pois seiscentos mil homens, além de mulheres e crianças, levariam um bom tempo pra passar, embora fossem cento e cinquenta lado a lado.

CCCXXXIII.
É impossível que Deus não ouça orações feitas com fé em Cristo, embora ele não dê preferência com a medida, maneira ou o tempo que ditamos nossas orações, pois Ele não está amarrado. Foi dessa maneira que Deus tratou com a mãe de Santo Agostinho; ela orou a Deus para que seu filho pudesse se converter; como suas orações ainda não foram atendidas, ela recorreu aos eruditos pedindo-lhes que o persuadissem e o aconselhassem. Ela propôs a ele um casamento com uma cristã virgem para assim ele fosse atraído para a fé cristã, mas nada disso foi suficiente. Mas quando nosso Senhor Deus apareceu, Ele veio com o propósito de transformar aquele Agostinho, e assim ele se tornou uma grande luz para a igreja. São Tiago diz: “Orai uns pelos outros, porque muito pode a oração do justo.” A oração é algo poderoso, pois é uma forte ligação entre nós e Deus.

CCCXXXIV.
Cristo apresentou sua oração de acordo com a perspectiva dos judeus, ou seja, Ele a dirigiu apenas ao Pai; enquanto aqueles que oram devem orar como se fossem ouvidos por causa do Filho. Isso porque Cristo não seria louvado antes de sua morte.

CCCXXXV.
O juiz Jonas perguntou a Lutero se essas sentenças nas Escrituras se contradiziam; onde Deus diz a Abraão: “Se eu encontrar dez em Sodoma, não a destruirei;” e onde Ezequiel diz: “Embora esses três homens, Noé, Daniel e Jó, estivessem nele, eu não ouviria”, etc.; e também onde Jeremias diz: “Portanto, não ore por este povo”. Lutero então respondeu: Não, eles não estão se contradizendo; pois em Ezequiel era proibido a oração, mas não era assim com Abraão. Portanto, devemos ter consideração pela Palavra; quando Deus manda a gente não orar, então podemos muito bem parar.

CCCXXXVI.
Quando os governadores e juízes são inimigos da Palavra de Deus, então o nosso dever é deixar, vender ou abandonar tudo o que temos; partir de um lugar para o outro como Cristo ordena. Pois é melhor sofrer todas essas coisas do que causar tumultos por causa do Evangelho.

CCCXXXVII.
Cristãos justos oram sem cessar; embora nem sempre oram com a boca, seus corações oram continuamente estando dormindo ou acordados; pois o suspiro de um verdadeiro cristão é a oração. Como diz o Salmo: “Por causa do profundo suspiro dos pobres, eu me levantarei, diz o Senhor”, etc. Da mesma maneira, um verdadeiro cristão sempre carrega sua cruz, embora nem sempre a sente.

CCCXXXVIII.
A oração do Senhor une as pessoas umas às outras, de modo que umas oram pelas outras, e juntos um com o outro; a oração é tão forte e poderosa que até afasta o medo da morte.

CCCXXXIX.
A oração preserva a igreja e até agora tem feito o melhor pela igreja; portanto devemos orar continuamente. Por isso Cristo diz: “Pedi e tereis; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á.”

Primeiro, quando estamos com problemas, ele nos pede para orar; pois Deus muitas vezes parece se esconder e não ouvir; sim, não se deixará encontrar. Então devemos procurá-lo; isto é, devemos continuar em oração. Quando o procuramos, ele frequentemente se tranca em uma câmara privada por assim dizer; se pretendemos entrar nessa câmara, então devemos bater; e quando batemos uma ou duas vezes, ele começa a ouvir um pouco. Por fim, quando batemos muito, ele abre e diz: O que você quer? E respondemos: Senhor precisamos disso ou aquilo; então Ele diz: Leve com você. Em suma, devemos persistir em oração para despertar Deus.

 

Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira


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