Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 04 de Janeiro de 2023, Quarta Feira, 11h36
CCXCII.
É impossível para um papista entender este artigo: “Creio no perdão dos pecados”. Pois os papistas estão afogados em suas opiniões, assim como eu também estava quando eu era um deles, sobre o apego ou a justiça inerente. A Escritura elege os fieis, santos e o povo de Deus. É vergonhoso que nos esqueçamos desse título glorioso. Mas os papistas pecadores não reconhecem o pecado neles; e, novamente, eles não são santos e nem assim considerados. E desta forma eles não acreditam no Evangelho que conforta e muito menos na lei que pune.
Mas aqui pode-se dizer: os pecados que cometemos diariamente ofendem e enfurecem a Deus; então como podemos ser santos? Resposta: O amor de uma mãe por seu filho é muito mais forte do que o desgosto pela caspa na cabeça da criança. Da mesma maneira, o amor de Deus por nós é muito mais forte do que a nossa impureza. Portanto, embora sejamos pecadores, ainda assim não perdemos nossa infância, nem caímos da graça por causa dos nossos pecados.
Outro também diz que pecamos sem cessar, e onde há pecado o Espírito Santo não está presente; portanto, não somos santos porque o Espírito Santo não está entre nós, pois Ele nos torna santos. Resposta: O texto diz claramente: “O Espírito Santo me glorificará”. Agora, onde Cristo está, aí está o Espírito Santo. Cristo está presente entre os fiéis que sentem a necessidade de confessar seus pecados e, com tristeza no coração, se queixam deles. Portanto, os pecados não separam Cristo daqueles que creem.
Os turcos acham que Deus não presta apoio, da mesma maneira também pensam os papistas. Assim, quando os turcos e os papistas começam a sentir seus pecados e indignidades, como em tempos de provação e tentação, ou na morte, eles se desesperam loucamente.
Mas um verdadeiro cristão diz: “Creio em Jesus Cristo, meu Senhor e Salvador”, que se entregou pelos meus pecados, está à direita de Deus e intercede por mim; infelizmente caio no pecado! Muitas vezes eu faço e sinto muito por isso. Eu ressuscito e torno inimigo do pecado. Para que possamos ver claramente que a verdadeira fé é muito diferente da fé e da religião do papa e dos turcos. Mas a força e a natureza humana não são capazes de realizar esta verdadeira fé cristã sem o Espírito Santo. Não pode fazer mais do que refugiar-se em seus próprios desertos.
Mas aquele que pode dizer: “Eu sou filho de Deus por meio de Cristo que é a minha justiça”, e não se desespera, embora seja deficiente em boas obras, que sempre falham conosco, ele crê corretamente. Mas a graça é tão grande que surpreende uma criatura humana, tornando-se muito difícil de acreditar. Tanto que a fé dá a honra a Deus, pois Ele realiza o que prometeu, ou seja, tornar justos os pecadores, Romanos IV, embora seja extremamente difícil acreditar que Deus é misericordioso conosco por causa de Cristo. Óh! O coração do homem é muito estreito e limitado para entreter ou se apegar a isso.
CCXCIII.
Todos os homens, de fato, não são igualmente fortes, de modo que há muitas falhas, fraquezas e ofensas encontradas neles; mas estes não impedem o processo da santificação se caso eles pecam não por más intenções, mas apenas por fraqueza. Pois um cristão, de fato, sente as concupiscências da carne, mas resiste a elas, e elas não têm domínio sobre ele; embora, de vez em quando, ele tropece e caia em pecado, ainda assim ele é perdoado se caso se apegar a Cristo, pois “a ovelha perdida não é caçada, mas procurada”.
CCXCIV.
Por que os cristãos fazem o uso de sua sabedoria carnal, visto que deve ser deixado de lado em questões de fé, não apenas por não entendê-la, mas também por lutar contra ela?
Resposta: A sabedoria do homem em questões de fé, até que ela seja regenerada e nasça de novo, é totalmente obscura e nada sabe sobre casos divinos. Mas em uma pessoa fiel, regenerada e iluminada pelo Espírito Santo, por meio da Palavra, é um instrumento justo e glorioso na obra de Deus: pois, assim como todos os dons de Deus, os instrumentos naturais e faculdades especializadas, são prejudiciais para os ímpios, mesmo assim eles são saudáveis e salvadores para os bons e piedosos.
O entendimento, pela fé, recebe vida da fé; o que estava morto é vivificado; assim como nossos corpos que, durante o amanhecer, levantam-se, movem-se, andam, etc., com mais facilidade e segurança do que durante a noite quando está escuro. Assim é a razão humana que se esforça não contra a fé, quando está iluminada, promovendo-a e avançando-a.
Assim, a língua que antes blasfemava contra Deus, agora louva e exalta a Deus e sua graça, como a minha língua que antes era do papado agora é iluminada; uma regeneração feita pelo Espírito Santo através da Palavra.
Um cristão santificado e reto diz: Minha esposa, meus filhos, minha arte, minha sabedoria, meu dinheiro e riqueza, não me ajudam em nada nas questões celestiais; no entanto, eu não os rejeito quando Deus me concede tais benefícios, mas separo a substância da vaidade e da tolice que se apega a ela. O ouro é e continua sendo ouro quando uma prostituta carrega consigo, da mesma maneira com uma mulher honesta e piedosa. Tanto a prostituta quanto a mulher fiel ao seu marido são criaturas de Deus. Ou seja, devemos separar a vaidade e a loucura da substância, ou da criatura do Deus que a criou.
CCXCV.
Cristãos retos e fieis sempre pensam que não são fieis, nem acreditam como deveriam; e, portanto, eles constantemente se esforçam pela sua fé, como os bons trabalhadores que sempre sentem algo faltando em suas obras. Mas os trapalhões pensam que nada está faltando no que fazem e que tudo está bem completo. Assim como os judeus que possuem os dez mandamentos nas pontas dos dedos, enquanto, na verdade, eles não aprendem e nem prezam por essas leis.
CCXCVI.
Verdadeiramente é uma presunção o indivíduo que ousa se gabar de sua própria justiça de fé; É uma questão difícil para um homem dizer: Eu sou filho de Deus, e sou consolado pela imensurável graça e misericórdia de meu Pai celestial. Fazer isso de coração não está ao alcance de todo o homem. Portanto, nenhum homem é capaz de ensinar a fé tocante pura e correta, nem rejeitar a justiça das obras sem prática e experiência sãs. São Paulo foi bem exercitado nesta arte; ele fala mais vilmente da lei do que qualquer herege pode falar do sacramento do altar, do batismo, o do que os judeus ensinaram; pois ele nomeia a lei, o ministério da morte, o ministério do pecado e o ministério da condenação; sim, ele mantém todas as obras da lei e o que a lei exige, sem Cristo, perigoso e prejudicial, o que de maior parte, se ele tivesse vivido, sem dúvida teria levado muito mal nas mãos de Paulo. Foi de acordo com a razão humana ter falado com muito desdém.
CCXCVII.
Fé e esperança são distinguíveis de várias maneiras. E, primeiro, quanto ao sujeito em que tudo subsiste: a fé consiste no entendimento da pessoa e a esperança na vontade; estes dois não podem estar separados; eles são como os dois querubins sobre o propiciatório.
Em segundo lugar, em relação a ocupação; a fé indica, distingue e ensina, e é o conhecimento e o reconhecimento; a esperança admoestada, despertada, ouvida, esperada e sofrida.
Em terceiro lugar, com relação a finalidade: a fé mira na palavra ou na promessa que é verdade; mas espera naquilo que a Palavra promete que é o bem e de bom proveito.
Em quarto lugar, no que diz respeito à ordem em grau: a fé vem primeiro, e antes de todas as adversidades e problemas é o começo da vida. Hebr. XI. Mas a esperança segue depois e surge na dificuldade. Rom. V.
Em quinto lugar, pela contrariedade: a fé combate os erros e as heresias; prova e julga espíritos e doutrinas. Mas a esperança luta contra problemas e aborrecimentos, e entre o mal ela espera o bem.
A fé na divindade é a sabedoria, a providência e pertence à doutrina. Mas a esperança é a coragem e a alegria da divindade e pertence à admoestação. A fé é dialética, pois é totalmente prudente e sábia; a esperança é a retórica, uma elevação do coração e da mente. Como a sabedoria sem a coragem é inútil, assim também a fé sem esperança não vale nada; pois a esperança perdura e supera o infortúnio e o mal. E como um valor jubiloso sem entendimento é apenas imprudência, então esperança sem fé é presunção espiritual. A fé é a chave das Sagradas Escrituras, a perfeita exposição que recebe da tradição os profetas que deixaram esta doutrina aos seus discípulos. Dizia que São Pedro chorava sempre que pensava no modo gentil que Jesus ensinava. A fé é transmitida de um para o outro e permanece continuamente em uma escola. A fé não é uma qualidade, como dizem os escolásticos, mas um dom de Deus.
CCXCVIII.
Tudo o que faz sentido no mundo se faz pela esperança. Nenhum lavrador semearia um grão de milho se não esperasse que crescesse e tornasse semente; nenhum solteiro se casaria com uma esposa se esperasse não ter filhos; nenhum comerciante ou negociante se dedicaria ao trabalho se não esperasse colher os benefícios com isso, etc. Quanto mais a esperança nos leva à vida e a salvação eterna?
CCXCIX.
A substância da fé é a nossa vontade; sua maneira é o que faz nos apegar a Cristo; sua causa e fruto final purifica o coração, nos torna filhos de Deus e traz consigo a remissão dos pecados.
CCC.
Adão recebeu a promessa da semente da mulher antes de ter feito qualquer trabalho ou sacrifício, para que a verdade de Deus pudesse permanecer firme – ou seja, que somos justificados diante de Deus totalmente sem obras e obtemos o perdão dos pecados meramente pela graça. Quem é capaz de acreditar nisso com firmeza é um doutor acima de todos os doutores do mundo.
CCCI.
A fé não é apenas uma necessidade para que os ímpios possam ser justificados e salvos diante de Deus e seus corações estejam em paz, ela é uma necessidade para diversos aspectos. São Paulo diz: Agora que fomos justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo.
CCCII.
José de Arimatéia tinha fé em Cristo assim como os apóstolos tinham; ele pensou que Cristo teria sido um potentado mundano e temporal; portanto, ele cuidou dele como um bom amigo e o enterrou com honra. Ele não acreditava que Cristo ressuscitaria da morte e se tornaria um rei espiritual e eterno.
CCCIII.
Quando Abraão ressuscitar no fim dos dias, então ele nos repreenderá por nossa incredulidade e dirá: Eu não tinha a centésima parte das promessas que vocês tem, e ainda assim acreditei. Aquele exemplo que Abraão excede toda a razão humana que, vencendo o amor paternal que tinha pelo seu único filho, Isaac, foi totalmente obediente a Deus e contra a lei da natureza, teria sacrificado aquele filho amado. O que, pelo espaço de três dias, ele sentiu em seu peito a ansiedade ofegante carregando hesitações e provações, sem expressões.
CCCIV.
Todos os hereges falharam frequentemente neste ponto específico, pois não conhecem e nem entendem o artigo da justificação. Se não tivéssemos esse artigo corretamente, seria impossível criticar a falsa doutrina papal sobre as indulgências e outros erros abomináveis, muito menos sermos capazes de superar maiores erros e aborrecimentos espirituais. Se apenas permitirmos que Cristo seja nosso Salvador, teremos vencido, pois Ele é o único cinto que envolve todo o corpo, como ensina excelentemente São Paulo. Se olharmos para o nascimento espiritual e a substância de um verdadeiro cristão, logo extinguiremos todos os merecimentos das boas obras; pois elas não nos servem pra nada, nem para adquirir a santificação, nem para nos livrar do pecado, da morte, do diabo e do inferno.
As crianças são salvas pela fé, sem precisar das boas obras; portanto, somente a fé justifica. Se o poder de Deus pode efetuar isso em um, então ele também é capaz de efetuar em todos; pois o poder da criança não o afeta, mas o poder da fé; nem é feito através da fraqueza ou deficiência da criança; pois essa fraqueza seria um mérito em si ou algo equivalente. É algo maldoso que nós, miseráveis e pecadores, repreendemos a Deus e o golpeamos nos dentes com as nossas obras, e assim pensamos na justificação diante dele; mas sem a permissão de Deus.
CCCV.
Esse artigo de como somos salvos é o chefe de toda doutrina cristã onde todos os debates teológicos devem ser dirigidos. Todos os profetas estavam envolvidos nesse dilema e, as vezes, com perplexidade. Pois quando esse artigo é mantido firme por uma fé constante, todos os outros artigos se baseiam gradativamente em seguida como o da Santíssima Trindade. Deus não declarou nenhum artigo tão claramente como este, de que somos salvos por meio de Cristo somente; embora a Santíssima Trindade é muito falada, ainda assim o artigo da salvação de nossas almas é constantemente destacado; apesar da importância dos outros artigos, nada supera o da justificação.
CCCVI.
Um capuchinho diz: veste um casaco cinza, um capuz, uma corda em volta do corpo e sandálias nos pés. Um cordelier diz: coloque um capuz preto; um papista diz: faça este ou aquele trabalho, ouça missa, reze, jejue e dê esmolas. Mas um verdadeiro cristão diz: sou justificado e salvo apenas pela fé em Cristo, sem quaisquer obras ou méritos meus; compare-os e julgue-os qual é a verdadeira justiça.
CCCVII.
Cristo disse: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca.”; São Paulo também disse: o espírito voluntariamente se entregaria a Deus, confiaria nele e seria obediente, mas a razão e o entendimento, a carne e o sangue, resistem e não avançam. Portanto, nosso Senhor Deus precisa ter paciência para nos suportar. Deus não apagará o linho brilhante; os fieis ainda possuem as primícias do espírito apenas; eles não têm o cumprimento, mas o décimo.
CCCVIII.
Eu entendo bem que São Paulo era fraco na fé, pois ele mesmo disse: Sou servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo. Um anjo ficou ao lado dele quando estava no mar e o confortou, e quando ele chegou a Roma foi consolado ao ver os irmãos saírem para encontrá-lo. Nisto vemos o quão a comunhão faz bem para aqueles que temem a Deus. O Senhor ordenou aos discípulos para permanecerem juntos em um lugar para receber o Espírito Santo, e consolarem uns aos outros; pois Cristo já sabia que os adversários os atacariam.
CCCIX.
Um cristão deve estar bem armado, fundamentado e munido de sentenças da Palavra de Deus para defender sua religião e a si mesmo contra o diabo caso seja solicitado a abraçar uma outra doutrina.
CCCX.
Quando no último dia vivermos novamente, nos envergonharemos de nós mesmos e diremos: Que pena de ti, pois não fostes mais corajoso, ousado e forte para crer em Cristo e para suportar todo tipo de adversidades, cruzes e perseguições, visto que a sua glória é tão grande. Se eu estivesse agora no mundo, não me limitaria a sofrer dez mil vezes mais.
CCCXI.
Embora um homem soubesse e pudesse tanto quanto os anjos no céu, tudo isso não faria dele um cristão, a não ser que conheça a Cristo e acredite nele. Deus diz: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico na sua riqueza; mas o que se gloria, glorie-se nisto, em que me entende e me conhece, que eu sou o Senhor que exerce benignidade, juízo e justiça, etc.
CCCXII.
O artigo da nossa justificação diante de Deus é como um filho que nasce herdeiro de todos os bens de seu pai e não chega a isso por desertos, mas naturalmente ou em curso normal. Mas, entretanto, seu pai o admoesta a fazer tais coisas e promete-lhe recompensas para torná-lo mais disposto. Se você for bom, obediente e estudar diligentemente, comprarei para você um casaco fino; ou venha até a mim e lhe darei uma maçã. Dessa forma, ele ensina o negócio a seu filho; embora toda a herança pertença a ele, é claro, ele o tornará, por promessas, flexível e disposto a fazer o que ele teria feito.
Mesmo assim Deus lida conosco; ele nos ama com palavras amáveis e doces, promete-nos bênçãos espirituais e temporais, embora a vida eterna seja apresentada a vocês que creem em Cristo por mera graça e misericórdia, gratuitamente, sem quaisquer mérito, obras ou dignidade.
E isto devemos ensinar na igreja que Deus fará boas obras, as quais ele ordenou e não aquelas que nós mesmos tomamos em mãos, por nossa própria escolha e devoção, ou bem intencionados, como os frades ensinam no papado, pois tais obras não agradam a Deus como Cristo diz: Em vão eles me adoram, ensinando doutrinas dos homens, etc. Devemos ensinar as boas obras para que o artigo da justificação permaneça autêntico. Pois Cristo não irá suportar ninguém além de si mesmo; ele terá a noiva sozinho; ele está cheio de ciúmes.
Devemos ensinar: se você crê, será salvo tudo o que tu fazes; isso não é nada quando a fé é fingida ou quando aparenta ser justa, ainda é eclipsada; ou seja, quando as pessoas pecam conscientemente contra o mandamento de Deus. E o Espírito Santo se afasta por causa das más obras feitas contra a consciência, como o exemplo de Davi testemunha suficientemente.
CCCXIII.
Quanto às cerimônias e ordenanças, o reino do amor deve ter precedência, governo e não tirania. Deve ser um amor voluntário, não um amor de cabresto; deve ser totalmente dirigido e interpretado para o bem do próximo; e quanto maior aquele que governa, mais ele deve servir de acordo com o amor.
CCCXIV.
O amor para com o próximo deve ser puro e casto entre os noivos, onde todas as faltas são coniventes, suportadas e apenas as virtudes são consideradas.
CCCXV.
Você acredita? Então falarás com ousadia. Você fala com ousadia? Então deves sofrer. Você sofre? Então serás consolado. Pois a fé, a confissão dela e a cruz seguem uma após a outra.
Tudo o que você fornecer, receberá de volta: esta é uma boa máxima que muda as pessoas pobres e ricas; é isso que mantém minha casa. Eu não me gabo, mas sei bem o que forneço durante o ano. Se meu gracioso senhor e mestre, o príncipe eleitor, desse a um cavalheiro dois mil florins, isso dificilmente cobriria o custo de minhas tarefas domésticas por um ano; e, no entanto, tenho apenas trezentos florins por ano, mas Deus os abençoa tornando-os suficientes.
CCCXVI.
Há na Áustria um mosteiro que era muito rico e caridoso para com os pobres; mas quando cessou as doações, tornou-se indigente e assim é até hoje. Tempos atrás um homem pobre foi pedir esmola naquele mosteiro e lhe foi negado; ele questionou por que eles se recusaram a dar pelo amor de Deus? Então o porteiro do mosteiro respondeu que eles ficaram pobres, ao que o mendicante disse: A causa de sua pobreza é esta – você teve anteriormente neste mosteiro dois irmãos, um chamado Date (dar) e o outro chamado Dabitur (será dado a você). O primeiro vós lançais fora, já o outro foi embora de si mesmo.
Somos obrigados a ajudar o próximo de três maneiras – dando, emprestando e vendendo. Mas ninguém dá; cada um raspa e arranha tudo para si mesmo; cada um roubaria apenas para si mesmo, mas não daria nada e emprestaria apenas para usura. Nenhum homem vende a menos que possa alcançar seu próximo; portanto Dabitur se foi, e nosso Deus não nos abençoará mais tão ricamente. Amado, aquele que deseja ter alguma coisa, também deve dar: uma mão generosa nunca está em falta ou vazia.
CCCXVII.
O deserto é uma obra que não se encontra em lugar nenhum, pois Cristo fornece uma recompensa por causa da promessa. Se o príncipe eleitor me disser: Venha à corte e eu te darei cem florins, então eu realizo o trabalho indo para a corte. Mas não recebo a recompensa pelo simples fato de eu ir até a corte, mas por razão da promessa que o príncipe me fez.
CCCXVIII.
Fico maravilhado com a loucura de Wetzell ao tentar atacar os protestantes sem rima ou razão e, como dizemos, tirando um caso do cerco; como quando ele se enfurece contra nossos princípios quando afirmamos que as obras de um fazendeiro, lavrador ou qualquer outro cristão justo, se feitas com fé, são muito mais preciosas aos olhos de Deus do que todas as obras dos monges, frades, freiras etc. Este pobre coitado fica muito zangado conosco por não considerarmos as obras que Deus ordenou e que impôs a cada homem em sua vocação, classe e chamado. Ele atende apenas as práticas supersticiosas, planejadas para exibição e efeito, que Deus não ordena e nem aprova.
São Paulo escreveu em suas epístolas sobre as boas obras e virtudes com mais energia do que todos os filósofos; pois ele exalta muito as obras dos cristãos justos em suas respectivas vocações e chamados. Vamos deixar Wetzell saber que as guerras e batalhas de Davi foram mais agradáveis a Deus do que os jejuns e orações até mesmo dos mais antigos e santos monges, deixando de lado as obras deles de nosso tempo que são simplesmente ridículas.
CCCXIX.
Nunca trabalho bem quando estou com raiva; quando estou com raiva posso escrever, orar e pregar bem, pois todo meu temperamento é estimulado, meu entendimento aguçado e todas as tentações e irritações mundanas desaparecem.
CCCXX.
O Dr. Justus Jonas me perguntou se os pensamentos do profeta Jeremias eram cristãos quando amaldiçoou o dia de seu nascimento. Eu disse que devemos de vez em quando nos dirigir a Deus com palavras semelhantes. Jeremias tinha motivos para murmurar dessa maneira. Nosso Salvador Cristo não tinha dito “Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco e sofrereis?”. Moisés também se dirigiu a Deus e disse “Por que afligiste o teu servo? Eu concebi todo este povo? E os gerei?”.
CCCXXI.
Um homem deve estar mergulhado em amarga aflição quando seu coração há boas intenções e, no entanto, não é reconhecido. Nunca consigo me livrar dessas cogitações, desejando nunca ter começado esse negócio com o papa. Assim, também, eu prefiro morrer do que ouvir e ver a Palavra de Deus e seus servos sendo condenados; mas é a fragilidade da nossa natureza ser assim desencorajada.
Aqueles que condenam o movimento de raiva contra os antagonistas são teólogos que lidam com meras especulações; eles brincam com palavras e se ocupam com sutilezas, mas quando são despertados e possuem um interesse real no assunto, são tocados sensatamente.
CCCXXII.
“Na quietude e na confiança estará a sua força.” Esta frase eu expus assim: Se tu pretendes vencer o maior, o mais abominável e perverso inimigo, que é capaz de te fazer mal tanto no corpo quanto na alma, e contra quem tu preparas todos os tipos de armas, mas não podes vencer; então saiba que existe uma erva natural e doce para te servir, chamada Patienta.
Tu dirás: Como posso atingir esse físico? Toma para ti a fé que diz: nenhuma criatura pode me prejudicar sem a vontade de Deus. Caso você leve algum dano do inimigo foi por causa da doce e graciosa vontade de Deus, e assim o inimigo se machuca mil vezes mais do que você. Daí flui pra nós, cristãos, o amor que diz: em vez do mal que meu inimigo me faz, farei a ele todo o bem que puder; amontoarei brasas vivas sobre sua cabeça. Esta é a armadura e a arma cristã, com a qual usamos para batalhar e vencer aqueles inimigos que parecem como enormes montanhas. Em uma palavra, o amor ensina a sofrer e a suportar todas as coisas.
CCCXXIII.
Um certo homem temente a Deus em Wittenberg me disse que embora vivesse pacificamente com todos sem machucar ninguém, estando sempre quieto no seu canto, ainda assim há muitas pessoas que tornaram seus inimigos. Então eu o consolei dessa maneira: Arme-se com paciência e não fique zangado, embora eles te odeiem; que ofensa, eu rezo, damos ao diabo? O que o aflige para ser um inimigo tão grande para nós? Apenas porque ele não tem o que Deus tem; Não conheço nenhuma outra causa do seu ódio contra nós. Se Deus te der para comer, coma; se ele te fizer jejuar, resigne-se a isso; dá a ele essas honras. Aceite-os; Dor ou vergonha? Suporte-os. Se ele te lançar na prisão, não murmure; Ele fará de você um rei? Apenas obedeça-o; Ele te derruba de novo? Não dê atenção.
CCCXXIV.
A paciência é a mais excelente das virtudes e, nas Sagradas Escrituras, muito louvada e recomendada pelo Espírito Santo. Os eruditos filósofos pagãos o aplaudem, mas não conhecem sua base genuína que é a assistência de Deus. Epictetus, o grego sábio e judicioso, disse muito bem: “Sofra e abstenha-se”.
CCCXXV.
Era um costume dos antigos enterrar seus mortos colocando suas cabeças em direção ao nascer do sol por causa de um significado espiritual; mas não era uma lei aplicada. Assim, todas as leis e cerimônias devem ser livres na igreja, e não serem feitas por compulsão, sendo coisas que não justificam e muito menos condenam aos olhos de Deus, mas são observadas meramente por causa da disciplina ordenada.
CCCXXVI.
A retidão das obras e a hipocrisia são as doenças mais perniciosas nascidas em nós e não são facilmente expelidas, especialmente quando são confirmadas e estabelecidas em nós pelo uso e pela prática; pois toda a humanidade terá relações com o Deus Todo-Poderoso e disputará com ele de acordo com a sua compreensão natural, e fará satisfação a Deus por seus pecados com sua própria força e obras auto-escolhidas. De minha parte, tantas vezes enganei nosso Senhor Deus prometendo ser reto e bom, que não prometerei mais, mas apenas rezarei por uma hora feliz, quando agradar a Deus e me fazer bem.
CCCXXVII.
Certa vez, um padre papista argumentou comigo desta forma: As más obras são condenadas, portanto as boas obras justificam. Eu respondi: Este argumento não vale nada; não tem base nenhuma e não possui conexão. As más obras são totalmente más porque procedem de um coração totalmente corrompido, mas as boas obras, mesmo vindas de um cristão justo, não são completas; pois elas procedem de uma fraca obediência pouco recuperada e restaurada. Quem pode dizer de coração: Eu sou um pecador, mas Deus é justo; e quem, no momento da morte, pode dizer de coração: Senhor Jesus Cristo entrego meu espírito em tuas mãos, pode-se assegurar da verdadeira justiça, e que ele não faz parte daqueles que blasfemam contra Deus confiando em suas próprias obras e justiça.
Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira