Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 17 de Janeiro de 2023, Terça Feira, 16h19
CCCLXVI.
A verdadeira igreja é uma assembleia ou congregação que depende do invisível que não pode ser compreendido pela razão; isto é, da Palavra de Deus; dando a Deus toda a honra.
CCCLXVII.
Dizemos claramente que o Nosso Senhor Deus, se ele deseja a sua igreja, então deve mantê-la e protegê-la; pois nós não podemos mantê-la ou protegê-la; se pudéssemos, de fato, nos tornaríamos jumentos mais orgulhosos sob o céu. Mas Deus diz: Eu digo, Eu faço; é somente Deus que fala e faz o que lhe agrada; Ele não faz nada de acordo com as fantasias dos ímpios que se acham justos e bons.
CCCLXVIII.
Os grandes, nobres e mundanos se ofendem com a forma pobre e mesquinha de nossa igreja que está sujeita a muitas enfermidades, transgressões e surgimento de seitas com as quais ela é atormentada; pois eles dizem que a igreja deve ser totalmente pura, santa, irrepreensível, a pomba de Deus, etc. E a igreja, aos olhos e à vista de Deus, possui tal estima; mas na perspectiva do mundo, ela é como seu noivo, Cristo Jesus, ou seja, rasgada, cuspida, ridicularizada e crucificada.
A igreja justa e verdadeira de Cristo é comparada a uma pobre ovelha tola; mas a igreja falsa e hipócrita é como uma serpente, uma víbora.
CCCLXIX.
Onde a Palavra de Deus é puramente ensinada, ali está a igreja justa e verdadeira; pois a verdadeira igreja é sustentada pelo Espírito Santo, não por sucessão de herança. Não caia nessa de que embora São Pedro foi bispo em Roma e ao mesmo tempo a comunhão cristã tenha ocorrido em Roma, o papa e a igreja romana sejam verdadeiros; pois se tais conceitos forem valiosos, então eles devem confessar que Caifás, Anás e os saduceus também eram a verdadeira igreja; pois eles se gabavam de serem descendentes de Arão.
CCCLXX.
É impossível para a igreja cristã e verdadeira subsistir sem derramamento de sangue, pois seu adversário, o diabo, é mentiroso e assassino. A igreja cresce e progride através do sangue; ela é aspergida com sangue; ela está deteriorada e desolada de seu sangue; quando as criaturas humanas reformarem a igreja, então pode custar sangue.
CCCLXXI.
A forma e o aspecto do mundo são como um paraíso; mas a verdadeira igreja cristã, aos olhos do mundo, é suja, deformada e ofensiva; ainda assim, aos olhos de Deus, ela é preciosa, amada e altamente estimada. Arão, o sumo sacerdote, apareceu gloriosamente no templo com seus ornamentos e vestimentas valiosas, com perfumes odoríferos e adocicados; mas Cristo se apresentou com humildade e desprezo.
Portanto, não estou preocupado que o mundo veja a igreja de uma maneira tão mesquinha; que me importa que os agiotas, a nobreza, a burguesia, os cidadãos, os camponeses, os gananciosos e os bêbados me condenem e me considerem um lixo? No devido tempo, eu os estimarei como insignificantes. Não devemos aceitar que sejamos enganados ou perturbados quanto ao que o mundo pensa de nós. Agradar aos bons é a nossa virtude.
CCCLXXII.
A igreja é a miséria da terra, primeiro para que possamos refletir que somos servos banidos do Paraíso por causa de Adão. Em segundo lugar, para que sempre nos lembremos da angústia do Filho de Deus que, por nossa causa, se fez homem, andou neste vale de miséria, sofreu por nós, morreu e ressuscitou dos mortos, e assim nos trouxe de volta à nossa casa paterna de onde fomos conduzidos. Em terceiro lugar é para lembrarmos que nossa nossa habitação não é deste mundo, mas que estamos aqui apenas como estrangeiros; e que existe outra vida eterna preparada para nós.
CCCLXXIII.
O próprio nome, a igreja, é o mais alto argumento e prova de todos os hipócritas. Os fariseus, os escribas, sim, todo o senado de Jerusalém clamaram contra Estevão e disseram: “Este homem não cessa de proferir palavras blasfemas contra este santo lugar e contra a lei.” Caim, Ismael, Saulo, os turcos e os judeus carregavam e ainda carregam o nome e o título da igreja. Mas Moisés resolveu esse tratado dizendo: “Eles me induziram a ciúmes com aquilo que não é Deus, eles me provocaram à ira com suas vaidades; e eu os incitarei a ciúmes com aqueles que não são um povo: eu os provocarei para se enfurecer com uma nação insensata.” Aqui estava quid pro quo; como se Deus estivesse dizendo: “Você poderia encontrar em seus corações para me abandonar? Então eu posso novamente te abandonar”, pois Deus e nação, assim como a Palavra e a Igreja, são correlativos; um não pode existir sem o outro.
CCCLXXIV.
O amaranto é uma flor que cresce em agosto; é mais um talo do que uma flor sendo facilmente quebrado, mas cresce de uma forma alegre e agradável; quando todas as outras flores murcham, esta, sendo aspergida com água, torna-se clara e verde novamente; de modo que no inverno costumam fazer guirlandas. É chamado de amaranto por isso, por não enfraquecer e nem murchar.
Não conheço nada mais parecido com a igreja do que esta flor, o amaranto. Pois embora a igreja banhe suas vestes no sangue do Cordeiro e seja tingida de vermelho, ela é mais formosa, graciosa e bela do que qualquer estado ou assembleia sobre a face da terra. Somente ela é abraçada e amada pelo Filho de Deus, como sua doce e amada esposa em quem somente ele sente alegria e deleite, e da qual somente seu coração depende; ele rejeita e abomina totalmente aqueles que condenam ou falsificam o seu evangelho.
Além disso, a igreja sofre de bom grado, isto é, ela é amorosa, paciente e obediente a Cristo, seu esposo na cruz; ela cresce e se expande novamente ganhando o maior fruto com isso; ela aprende a conhecer a Deus corretamente, invocando-O livre e destemidamente, confessando sua palavra e doutrina além de produzir virtudes justas e gloriosas.
Por fim, o corpo e o caule permanecem inteiros, sãos e não podem ser arrancados, embora alguns dos membros se tornem opositores; estes sim devem ser arrancados. Assim como o amaranto que nunca murcha ou apodrece, assim também é a igreja que nunca pode ser destruída ou erradicada. Mas o que é mais maravilhoso nesta qualidade do amaranto é que, quando é aspergido com água e mergulhado nela, torna-se fresco e verde novamente, como se tivesse ressuscitado dos mortos. Da mesma maneira, a igreja por Deus será levantada e despertada pela graça e voltará a viver; louvarão e exaltarão eternamente o Pai de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, seu Filho e nosso Redentor, juntamente com o Espírito Santo. Pois, embora os impérios, os reinos e principados tenham suas mudanças e, como as outras flores, logo caem e desaparecem, este reino, que está profundamente enraizado é indestrutível e permanece eternamente.
CCCLXXV.
Uma oliveira viverá por duzentos anos e dará muitos frutos; assim é a imagem da igreja; o óleo simboliza o amor gentil do Evangelho, assim como o vinho simboliza a doutrina da lei. Há uma unidade e afinidade natural entre a videira e a oliveira que, quando o ramo de uma videira é enxertado em uma oliveira, produz uvas e azeitonas. Da mesma maneira, quando a igreja, isto é, a Palavra de Deus, é plantada no coração das pessoas, então é ensinado tanto a lei quanto o evangelho, usando ambas as doutrinas e obtendo frutos de ambas. A castanheira, que produz frutos melhores quando é bem batida, representa o homem submisso à lei, cujas ações não são agradáveis a Deus, até que ele tenha sido provado pela tribulação. O limoeiro com seus frutos representa Cristo; o limoeiro pode dar frutos em todas as estações; quando seus frutos estão maduros, eles caem e são sucedidos por um novo crescimento; e esse fruto é um santo remédio contra veneno. Jesus Cristo, quando seus ministros e defensores partem da terra, os substitui por outros; sua produção está sempre crescendo e é um santo remédio contra o veneno do diabo.
CCCLXXVI.
É de grande admiração que o papa exalte sua igreja em Roma como a principal, sendo que a igreja mãe é a de Jerusalém; pois foi em Jerusalém onde a doutrina foi revelada pela primeira vez e apresentada por Cristo para os seus apóstolos. Em seguida foi a igreja em Antioquia de onde os cristãos carregam o seu nome. Em terceiro lugar está a igreja em Alexandria que, ainda antes dos romanos, eram as igrejas dos gálatas, dos coríntios, dos efésios, dos filipenses, etc. É tão importante que São Pedro estivesse em Roma? O que, no entanto, nunca foi, nem jamais será provado enquanto nosso abençoado Salvador, o próprio Cristo, estava em Jerusalém, onde todos os artigos de fé foram feitos; onde São Tiago recebeu suas ordens e foi bispo, e onde os pilares da igreja tinham sua sede.
CCCLXXVII.
Os papistas confiam nisso: a igreja não pode errar; nós somos a igreja, portanto, não podemos errar. Ao maior dou esta resposta: verdade, a igreja não pode errar em doutrina, mas em obras e ações ela pode facilmente errar, sim, e frequentemente erra; e, portanto, ela ora: “Perdoa-nos as nossas ofensas”, etc. Ao menor eu nego totalmente. Então quando eles argumentam que a igreja ensina a mais pura verdade, isso nós admitimos; mas quando eles argumentam que o que a igreja faz é correto e verdadeiro, isso nós recusamos.
CCCLXXVIII.
Muitos se gabam pelo título que carregam para a igreja, embora não conheçam a verdadeira igreja; os santos profetas se opuseram muito à falsa igreja. O profeta Isaías, no início do seu primeiro capítulo, descreve dois tipos de igrejas. A igreja justa e verdadeira é muito pequena, de pouca ou nenhuma estima, e jaz sob a cruz. Mas a falsa igreja é pomposa, vangloriada e presunçosa; ela floresce e é tida em alta reputação, como Sodoma, da qual reclama São Paulo, Romanos VIII e IX. A verdadeira igreja consiste na eleição e no chamado de Deus; ela é poderosa e forte na fraqueza.
CCCLXXIX.
Um dos malabarismos dos sofistas é este: um reino que é atormentado é um reino temporal. A igreja cristã é atormentada, logo o reino de Cristo é temporal. Mas eu respondo: Não, não é assim; o reino de Cristo não é atormentado, mas os nossos corpos, por causa dos nossos pecados, são atormentados. Como diz São Paulo: “Devemos, através de muitas tribulações, entrar no reino de Deus”. Ele não diz que o reino de Deus sofre externamente. É igualmente falso quando dizem que Deus é amor, Deus justifica e, portanto, o amor justifica.
Essas e outras falácias podem confundir até mesmo as mentes mais compreensivas e bem exercitadas; portanto, devemos levar tempo para respondê-los, pois nem todos podem detectá-los tão repentinamente.
Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira