[FÁBIO JEFFERSON] LUTERO E OS CAMPONESES


Categoria: Martinho Lutero e Coluna
Imagem: Guerra dos Camponeses e Lutero - Montagem Protestantismo.com.br
Publicado: 30 de Janeiro de 2017, Segunda Feira, 21h23

Por: FÁBIO JEFFERSON (foto)

Esta postagem é uma resposta ao artigo Luther, Exposing the Myth de um site católico que critica ferozmente a posição de Lutero diante dos camponeses.

De acordo com o artigo, Lutero disse: “Eu, Martinho Lutero, exterminei os camponeses revoltados, ordenei-lhes os suplícios, que o seu sangue recaia sobre mim, mas faço subir até Deus, pois foi ele que me mandou falar e agir como agi e falei“.

Luther, Exposing the Myth diz que o propósito de Lutero era mostrar que “pelas suas próprias palavras o veremos o que realmente ele era, isto é, um apóstata rebelde, que abandonou a fé e levou muitos à apostasia de Deus sob o disfarce de uma reforma para seguir suas inclinações perversas.” Com esta citação, eles mostram que enquanto Cristo ensinava sobre justiça, Lutero ordenou a morte dos camponeses.

Documentação
A citação é de uma história encontrada em inglês por volta de 1800. Luther, Exposing the Myth cita “Tischereden, Erlanger Ed., Vol. 59, pág. 284”. Eles provavelmente tiraram um trecho desta fonte secundária e, também, é possível que tal citação veio de uma fonte católica romana secundária. Observe as semelhanças:

O Tischereden é uma coleção de comentários de segunda mão escrita por amigos de Lutero, e que foi publicada após a sua morte. Ou seja, não foi algo que ele escreveu. Não existe tal coisa como a edição de Erlanger sobre as obras de Lutero, é Erlangen referindo-se à edição de Erlangen das obras de Lutero. Esta edição alemã/latina esgotada dos trabalhos de Lutero foi publicada nos anos de 1800. Então, o volume 59 é de fato o Tischereden. A citação pode ser encontrada na parte inferior da página 284 do volume 59, continuando para a página 285. O texto diz:

Essa citação de Tischereden foi coletada por Conrad Cordatus. É bem provável que Cordatus não tenha escutado ou gravado o comentário. Diz-se que ele tomou os comentários de Lutero através de outras fontes. E, mais tarde, revisou suas notas de Tischreden fazendo mudanças estilísticas. Devido a isso, Luther’s Works (edição em inglês) inclui apenas uma pequena amostra dessas declarações compiladas por Cordatus. A citação também pode ser encontrada em WA Tr 3:75 em formas semelhantes, e que foi traduzida para o inglês em LW 54:180.

Contexto
No. 2911b: Responsabilidade pela contenção dos camponeses entre 26 e 29 de janeiro de 1533.
Os pregadores são os maiores assassinos porque advertem ao governante a cumprir seu dever e punir os culpados. Eu, Martinho Lutero, matei todos os camponeses na revolta, pois ordenei que fossem mortos. Todo o seu sangue está no meu pescoço. Mas eu remejo tudo a nosso Senhor Deus, que me ordenou que falasse como eu falo. O diabo e os ímpios matam, mas eles não têm este direito. Assim, os sacerdotes e os oficiais devem ser bem distinguidos, para que possamos ver que os magistrados podem condenar por lei, e podem morrer em virtude de seu cargo. Hoje, pela graça de Deus, eles aprenderam bem. Agora eles abusam de seu poder contra o evangelho, mas eles não irão engordar dele.” [LV 54:180]

Conclusão
Lutero começa dizendo que os pregadores são “assassinos” quando eles aconselham aqueles que levam a espada para usar a espada. Então, Lutero chama por sua própria absolvição porque “Deus ordenou” que ele dissesse o que ele fez. Era uma voz audível? Dificilmente – era a Escritura. Se olharmos para trás, Contra as Hordas de Assaltantes e Assassinos de Camponeses, Lutero afirma:

“Romanos 13[:1] diz: ‘Cada pessoa esteja sujeita às autoridades governantes’. Uma vez que agora estão deliberadamente e violentamente quebrando este juramento de obediência, e se colocando em oposição a seus senhores, eles passam a perder o corpo e a alma, como infiel, perjuros, mentirosos, patifes desobedientes e canalhas que costumam fazer. São Paulo passou esse julgamento sobre eles em Romanos 13:2 quando ele disse que aqueles que resistem às autoridades trará um julgamento sobre si mesmos. Esta declaração, cedo ou tarde, irá ferir os camponeses, pois Deus quer que as pessoas sejam leais e façam o seu dever [LW 46:49].

Em primeiro lugar, não me oponho a um governante que, apesar de não tolerar o evangelho, fere e castigue esses camponeses sem antes oferecer-se a submeter o caso ao julgamento, pois está dentro de seus direitos, já que os camponeses não contendem mais tempo para o evangelho, pois tornaram-se iníquos, perjuros, desobedientes, assassinos rebeldes, ladrões e blasfemadores, que até mesmo um governante pagão tem o direito e autoridade de punir. Na verdade, é o seu dever punir tais canalhas, pois é por isso que ele carrega a espada e é ‘servo de Deus para executar a sua ira contra o iníquo’, Romanos 13[:4] [LW 46:51].

Pois, neste caso, um príncipe e um senhor (cristãos) devem lembrar de que, de acordo com Romanos 13:4, ele é ministro de Deus e servo de sua ira, e que a espada lhe foi dada para usar contra tais pessoas. Se ele não cumprir os deveres de seu ofício punindo alguns e protegendo outros, comete tão grande pecado diante de Deus como quando alguém que não tenha recebido a espada comete assassinato. Se ele é capaz de punir e não o faz – mesmo que tenha que matar alguém ou derramar sangue – ele se torna culpado de todo o assassinato e do mal que essas pessoas cometem. Pois, deliberadamente, desconsiderando o mandamento de Deus, ele permite que tais patifes façam seus malvados negócios, embora ele tenha sido capaz de impedi-los e era seu dever de fazê-lo. Não é hora de dormir. E não há lugar para paciência e misericórdia. Este é o tempo da espada, não o dia da graça. [LW 46:52].”

Então, Lutero parece ter afirmado: “O diabo e os ímpios matam, mas eles não têm esse direito“. Isto é, os camponeses não têm o direito de matar. Quem então Deus deu o direito de matar? Lutero afirma: “Portanto, os sacerdotes e os oficiais devem ser bem distinguidos, para que possamos ver que os magistrados podem condenar por lei, e podem morrer em virtude de seu cargo. Hoje, pela graça de Deus, eles aprenderam bem.” Ou seja, os clérigos não têm o direito de matar ninguém, mas os magistrados fazem. Lembre-se, Lutero era um clérigo. Isso não contradiz o que ele afirmou acima que matou os camponeses? Não. Ele explicou que havia exortado as autoridades a usarem a espada. Seu comentário sobre matar pessoalmente os camponeses não é nada mais que admitir que ele exortou as autoridades a fazer seu trabalho dado por Deus. Ele termina dizendo: “Agora eles abusam de seu poder contra o evangelho, mas eles não irão engordar dele.” O antecedente imediato são os magistrados. Aqui, Lutero afirma que os magistrados manipularam erroneamente a espada contra o Evangelho.

Tomado no valor nominal por alguém predisposto contra Lutero, o comentário mostra que Lutero admite sua culpa pela morte dos camponeses. Roland Bainton assinala: “Os príncipes católicos responsabilizaram Lutero por toda a epidemia” da Guerra dos Camponeses. Aqui podia-se encontrar Lutero admitindo descaradamente que ordenou a morte dos camponeses e foi realizada por sua demanda.

Mas a história diz o contrário. Luther’s Against the Robbing and Murdering Hordes of Peasants (o próprio documento que Lutero pediu a matança dos camponeses) foi realmente publicado após o começo da Guerra dos Camponeses. O tratado foi adiado, e não teve um papel de imediato durante a guerra. A nobreza alemã não foi estimulada pelas palavras de Lutero. Eles foram estimulados pelos camponeses que se esforçaram pela anarquia e agitação civil.

Mas o tratado teve um impacto, pelo menos na corte da opinião popular do século XVI. As obras de Lutero assinalam: “De fato, tanto os príncipes católicos quanto os protestantes interpretaram Lutero contra as hordas de camponeses assaltantes e assassinos, que haviam ganhado ampla circulação em meados de maio, como justificação para suas ações [LW 46:59]. Um documento que saiu depois que os camponeses já estavam no processo de ser abatido, tornou-se o que justificou o assassinato.

Lutero realmente escreveu uma carta aberta explicando com sua linguagem áspera contra os camponeses. Mais uma vez distinguiu os papéis dos dois reinos:

“Há dois reinos, um é o reino de Deus e o outro é o reino do mundo. Escrevi sobre isso com tanta frequência que fico surpreso por haver alguém que não conhece ou nem se lembra disso. Quem sabe distinguir corretamente entre esses dois reinos, certamente não se ofenderá com o meu pequeno livro, e também entende corretamente as passagens sobre a misericórdia. Nele só há perdão, consideração uns pelos outros, amor, serviço, fazer o bem, paz, alegria, etc. Mas o reino do mundo é um reino de ira e severidade. Nele há somente punição, repressão, julgamento e condenação para conter os ímpios e proteger o bem. Por isso tem a espada, e as Escrituras chamam de príncipe ou senhor a ‘ira de Deus’ ou a ‘vara de Deus’. Isaías 14[:5-6]

As passagens bíblicas que falam de misericórdia aplicam-se ao reino de Deus e aos cristãos, não ao reino do mundo. Pois é um dever do cristão não apenas ser misericordioso, mas também suportar todo tipo de sofrimento – roubo, assassinato, diabo e inferno. É desnecessário dizer que não deve atacar, matar ou vingar-se de ninguém. Mas o reino do mundo, que nada mais é que o servo da ira de Deus sobre os ímpios e é um verdadeiro precursor do inferno e da morte eterna, não deve ser misericordioso, mas rigoroso, severo e irado no cumprimento de seu trabalho e dever. Seu instrumento não é uma coroa de rosas ou uma flor de amor, mas uma espada nua. E uma espada é um símbolo de ira, severidade e castigo. Ele é virado apenas contra os ímpios para mantê-los em cheque e em paz, e para proteger e salvar os justos [Romanos 13:3-4]. Portanto, Deus decreta na lei de Moisés e em Êxodo 22[21:14] onde ele instrui a espada, ‘Tomarás do assassino do meu altar, e não terás misericórdia dele’. E a Epístola aos Hebreus [10:28] reconhece que quem viola a lei deve morrer sem misericórdia. Isso mostra que, no exercício de seu ofício, os governantes mundanos não podem e não devem ser misericordiosos – embora por graça, eles podem tirar um dia de folga de seu cargo.

Agora, quem confunde esses dois reinos – como fazem nossos falsos fanáticos – colocaria a ira no reino de Deus e a misericórdia no reino do mundo. E isso é o mesmo que colocar o diabo no céu e Deus no inferno. Estes simpatizantes com os camponeses gostariam de fazer essas duas coisas. Primeiro eles queriam trabalhar com a espada, lutar pelo evangelho como ‘irmãos em Cristo’ e matar outras pessoas, que eram supostamente misericordiosas e pacientes. Agora que o reino do mundo os superou, eles querem ter misericórdia nele. Isto é, eles não estão dispostos a suportar o reino mundano, mas não concederão o reino de Deus a ninguém. Você pode imaginar algo mais perverso? Não é assim, queridos amigos! Se alguém merece a ira no reino do mundo, que se submeta, ou tome seu castigo, ou humildemente peça perdão. Aqueles que estão no reino de Deus devem ter misericórdia de todos e orar por todos, e ainda não impedir o reino do mundo na manutenção de suas leis e no desempenho de seu dever. Antes deveriam prestar assistência [LW 46:69-70].”

Adendo (2016)
Esse registro é uma revisão que postei em 2011. O original pode ser encontrado aqui. Assim como tantas outras fontes que estão disponíveis online, estou revisando os registros mais antigos, adicionando materiais e comentários, e corrigindo os links quebrados. Nada de substância significativa mudou neste registro do que foi apresentado no primeiro.

Fonte: Beggars All: Reformation & Apologetics – https://beggarsallreformation.blogspot.com/

Tradução: Fábio Jefferson


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