THOMAS MUNTZER (1489-1525)


Categoria: Biografias
Imagem: Radicalismo de Thomas Muntzer - Novos Diálogos
Publicado: 12 de Março de 2011, Sábado, 00h12

Thomas Müntzer foi um teólogo revolucionário alemão que se destacou no tempo da Reforma Protestante. Nascido em Stolberg, no Anhalt, estudou nas universidades de Leipzig e Frankfurt-am-Oder bacharelando-se em Humanidades e Teologia Bíblica. Ordenado em Braunschweig (1514), de 1516 a 1518 vive no mosteiro de Frohse onde toma contato com as 95 teses de Lutero quando se decide a ir visitá-lo em Wittenberg.

Posteriormente acompanha o debate de Leipzig entre este e Karlstadt e o representante papal Johann Eck. Confessor do convento de Freitas de Beuditz (1519) abandona o sacerdócio católico para se instalar como pregador da igreja de Sta Catarina em Zwickau onde vive de 1520 a 1521 envolvendo-se com os místicos Marcos Thomä (m. 1522?) e Nicolau Sorch (m.1525), os “profetas de Zwickau” atacando com terrível irreverência os franciscanos e apoiando as reivindicações dos tecelões sendo também nesse período que começa a se distanciar de Lutero.

Expulso dessa cidade foge para Praga onde a princípio é bem recebido até que suas idéias apocalípticas e místicas levam o senado da cidade a também expulsá-lo dali. Instalado na pequena comunidade de Allstedt nos extremos da Saxônia territorial, onde assume a função de pregador da igreja de S.João (1523) é interrogado por Spalatino, amigo de Lutero e secretário do príncipe eleitor Frederico, o Sábio, na mesma época em que, possivelmente inspirado por Karlstadt, contrai matrimônio com uma ex freira. Como respostas às perseguições, Müntzer desafia Lutero para um debate público e como resposta a essa provocação o reformador publica sua Carta aos Príncipes (julho, 1524) no qual pede a ação das autoridades contra o movimento sedicioso de Müntzer e Karlstadt.

Em decorrência disso, Müntzer foge de Allstedt instalando-se em Muehlhausen onde junto com o ex-padre radical Heinrich Pfeiffer tenta sublevar os camponeses das vizinhanças sem êxito, pelo que mais uma vez é forçado ao exílio. Em Nuremberg, consegue a mobilização de vários grupos camponeses que em fevereiro de 1525 invadem Muehlhausen e o chamam de volta para instalar uma ditadura teocrática de cunho comunista e cujo centro de irradiação se estendia da Suábia até a Suíça e a Baviera a Oeste e até a Áustria ao leste, mobilizando em torno de 300 mil pessoas.

Contudo, as tropas camponesas são totalmente destroçadas em Frankenhausen (15 de maio de 1525) pela coligação das forças imperiais. Em 27 de maio de 1525, depois de torturas horríveis, Müntzer é decapitado e sua cabeça colocada na principal praça de Muehlhausen como aviso contra futuras sedições.

Após os estudos de Engels sobre a revolta camponesa alemã (século XIX) o nome de Thomas Müntzer reapareceu como ícone dos movimentos sociais e liberadores das classes oprimidas – de acordo com a leitura dali realizada pelos grupos de esquerda amplificando essa leitura depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) quando o governo comunista instalado na parte oriental da Alemanha elegeu Müntzer como um dos seus heróis nacionais ao passo que Lutero (o corvo papa-carniça na áspera descrição de Müntzer) passou a ser rotulado de porta voz das elites.

Como lembra-nos o professor Helmar Junghans, perito em Lutero que lecionou em Leipzig nos anos da República Democrática Alemã (RDA), para os marxistas, os herdeiros de Müntzer eram considerados progressistas enquanto os herdeiros de Lutero eram considerados membros de uma formação ultrapassada da sociedade. Foi somente depois de 1978 após uma série de colóquios entre cinco teólogos comissionados pelas igrejas territoriais e cinco historiadores marxistas membros da Academia de Ciências da RDA e na qual, por meio de um entendimento mais abrangente dos acontecimentos e das condições históricas e sociais do século XVI, grande parte do culto estatal a Müntzer foi diluído.

Diluído, mas não removido, pois ainda em 1989 um comitê da antiga RDA ainda afirmava que a RDA (…) tem se compreendido a si mesma como um Estado que vive de acordo com a idéia de Thomas Müntzer segundo a qual “o poder deve ser dado à gente comum”. (…) o exemplo de Müntzer demonstra valores éticos e morais que (…) ainda produzem frutos na criação dos fundamentos do socialismo.

Graças a essa hagiografia, muita coisa da teologia de Müntzer foi deixada de lado e o que sobrou contribuiu ainda mais para que dele ficasse a imagem de pregador revolucionário, autocomissionado para promover a redenção da massa ignara, do que a do teólogo com capacidades especulativas evidentes. Um exemplo disso é sua teoria da crítica da Bíblia pois enquanto Lutero aplica a hermenêutica de maneira a compreender da forma mais exata possível a ordem das palavras, em Müntzer o que se busca é a compreensão sistemática da palavra a ordem das coisas. A ordo verbum (ordem de palavras) revela a ordem de Deus registrada e conferida ao homem, mas ela é em si apenas uma expressão dessa revelação da qual se deve apreender aqui e agora a fala real do Deus vivo, a fala que ultrapassa o sentido estrito da Palavra e a transcende.

Para Müntzer o conhecimento de Deus não podia ser ensinado mas apenas compreendido por meio da fé e pela experiência e o conhecimento de Deus deve ser mensurado pela própria vontade e revelação de Deus e não por livros, nem mesmo pela Bíblia. Assim, Müntzer entende a revelação de Deus como sendo totalmente transcendente já que a fala de Deus ao coração do crente, a natureza e a História também testemunham a Sua revelação.

A Bíblia é também uma testemunha dessa revelação, mas não é a revelação exclusiva e seu radicalismo vai a tal ponto que ele não hesita em classificar como escribas os teólogos que, como Lutero, limitam a revelação de Deus apenas à Escritura. O neoplatonismo filtrado pelo humanismo dos quinhentos exerceu poderosa influência na teologia de Müntzer. O cristão deve se converter em instrumento voluntário de Deus, inclusive para o sofrimento e a doutrina luterana da justificação não passa de sofisma.

Em sua carta aos príncipes da Saxônia (1524), Lutero apresenta um áspero, mas correto resumo acerca das idéias do diabo (Müntzer) que depois de vagar por um ou dois anos por lugares ermos à procura de sossego, sem no entanto encontrá-lo (Mt 12.43) fez seu ninho em Allstedt. (…) Eles próprios (isto é, os discípulos de Müntzer) fazem questão de se gloriarem que não pertencem a nosso grupo, que nada aprenderam ou receberam de nós. Eles vêm do céu e ouvem o próprio Deus falar com eles, como fala com os anjos, e acham uma coisa péssima que em Wittenberg se ensina a fé, o amor e a cruz de Cristo. “você tem que ouvir a voz de Deus pessoalmente” dizem eles. “sofrer em você a obra de Deus e sentir o peso do talento que lhe foi confiado. As Escrituras não interessam. A Bíblia é besteira, Bíblia, Bubel, Babel, etc”. Essa passagem é referencia direta a um sermão de Simon Haferitz (m.1541), discípulo de Müntzer e pregado em Allstedt na Festa dos Reis Magos de 1524.

Assim, o espiritualismo de Müntzer é glosado como fanatismo ou o espírito revoltoso com o qual o reformador passa a rotular todos aqueles que buscam a revelação transcendental desde os “profetas de Zwickau” até Karlstadt mas sobretudo o diabo de Allstedt, a estrela Dalva que abriu o caminho para a derradeira libertação dos trabalhadores, como suspirava Engels em seus derreios.

 

Fonte: Comunidade Wesleyana Blogspot


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