KARL BARTH: UMA INTRODUÇÃO À SUA CARREIRA E AOS PRINCIPAIS TEMAS DE SUA TEOLOGIA


Categoria: Biografias, Acervo
Imagem: Karl Barth - Gospel Goods
Publicado: 25 de Abril de 2016, Segunda Feira, 13h26

Por Franklin Ferreira
Ministro da Convenção Batista Brasileira, doutorando em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil e professor de Teologia Sistemática e História da Igreja no mesmo seminário e na Escola de Pastores, no Rio de Janeiro.

RESUMO
Este artigo tem como alvo oferecer uma introdução à vida e ao pensamento do teólogo suíço Karl Barth. Sem dúvida Barth é um dos maiores representantes da teologia protestante contemporânea. Todavia, este fato não oferece qualquer garantia de que tenhamos uma interpretação final do conteúdo ou das implicações de seu ensino.

O autor desse artigo fornece uma visão panorâmica da peregrinação teológica de Barth, bem como de alguns dos principais tópicos de sua teologia, tais como, a triunidade de Deus, a Palavra de Deus, a cristologia, a reconciliação e a predestinação. Esse estudo baseou-se em uma das principais obras de Barth, Die Kirchliche Dogmatik (Dogmática Eclesiástica). O autor ainda apresenta uma avaliação do pensamento de Barth à luz dos principais pontos da teologia reformada, conforme eles aparecem em suas clássicas confissões de fé.

Este ensaio tem como alvo oferecer uma introdução à vida e a alguns dos principais tópicos do pensamento de Karl Barth, talvez um dos teólogos mais importantes do século 20, um dos fundadores da chamada teologia neo-ortodoxa.[1] No decorrer do mesmo serão oferecidos um breve panorama das várias etapas da peregrinação teológica de Barth e uma avaliação de seu pensamento, tendo como base a fé reformada, como exposta nas confissões clássicas,[2] com especial atenção a seus principais temas teológicos (o Deus Triúno, a Palavra de Deus, a concentração cristológica, a reconciliação e a predestinação), a partir, especialmente, de sua Die Kirchliche Dogmatik [Dogmática Eclesiástica].[3]

FORMAÇÃO TEOLÓGICA[4]
Karl Barth nasceu em Basiléia, Suíça, em 10 de maio de 1886. Era filho de Fritz Barth, um ministro reformado e professor de Novo Testamento e História da Igreja na Universidade de Berna, na Suíça, e de Anna Sartorius. Ele recebeu sua educação inicial como membro da Igreja Reformada Suíça por seu pastor, Robert Aeschbacher. Essa educação deixou marcas profundas em sua mente, as quais podem ser notadas em toda a sua produção teológica. Por toda Die Kirchliche Dogmatik [Dogmática Eclesiástica][5] ressoam as frases do Catecismo de Heidelberg. Esses estudos levaram-no a se decidir por estudar teologia. Estudou nas universidades de Bern, Berlin, Tübingen e Marburg, tendo recebido seu bacharelado em 1909. Sua monografia foi sobre O Descensus Christi ad inferos nos três primeiros séculos.[6] Suas principais influências acadêmicas foram Adolf von Harnack (1851-1930), Hermann Gunkel (1862-1932), Adolf Schlatter (1862-1938) e Willhem Herrmann (1846-1922). Concluídos seus estudos, foi convidado a ser pastor-assistente da paróquia reformada suíço-alemã de Genebra (ele pregava de tempos em tempos no mesmo grande salão em que Calvino havia falado, três séculos e meio antes), e, em 1911, iniciou o pastorado numa pequena igreja reformada no interior da Suíça, em Safenwil (a única igreja numa pequena cidade de 2 mil habitantes), no cantão da Aargau, onde ficou até 1921.[7] Ele se deparou com a realidade rural e com os conflitos entre operários e patrões, que ocorriam na única fábrica existente na região e da qual dependia toda a comunidade. Barth passou, então, a envolver-se com conflitos e questões sociais. Por essa época, tornou-se socialista cristão, recebendo influências de Hermann Kutter (1869-1931) e de Leonhard Ragaz (1868-1945). Participou de ações políticas e ajudou a organizar um sindicato. Em 1915, filiou-se ao Partido Social-Democrata. Mas, com o início da I Guerra Mundial, Barth viu sua fé liberal abalada, assim como seus ideais socialistas.[8]

DER ROMERBRIEF
Barth percebeu que a teologia liberal de nada serviu em sua tarefa de pregar ao povo de Safenwil. Durante esses anos, conheceu Eduard Thurneysen (1888-1977), pastor em Leutwil, um amigo que o acompanharia por toda a vida. Em 1914, ele e Thurneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação. Durante quatro anos, Thurneysen estu-dou Dostoievsky, e Barth estudou Kierkegaard. Nessa época, ganharam importância para ele os escritos de Martinho Lutero (1483-1546) e de João Calvino (1509-1564). Ele também visitou o pregador pietista Christoph Blumhardt (1843-1919), na casa de retiro espiritual de BadBoll, em Wurtemberg, e foi convencido de forma irresistível da realidade da vitoriosa ressurreição de Cristo.

Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou a Carta aos Romanos [Der Römerbrief], que teria uma segunda edição totalmente reformulada em 1922.

Neste livro, Barth formulou vigoroso protesto não apenas contra a teologia contemporânea, mas contra toda a tradição que se vinha formando desde Schleiermacher e que fundamentava o cristianismo na experiência humana. A Carta aos Romanos foi também um protesto contra aquelas escolas que tinham transformado a teologia em ciência da religião e tinham apresentado a análise histórico-crítica da Bíblia como a única interpretação possível. Barth publicou a segunda edição da obra poucos anos depois, e esta edição, completamente revisada, pode ser considerada o início da nova escola que posteriormente se tornou conhecida como a escola dialética. Como fez ver claramente na Carta aos Romanos, Barth pretendia substituir a interpretação meramente filológica e histórica com uma exposição “dialética” mais profunda do próprio material bíblico. Encontrou exemplos principalmente nos clássicos da tradição cristã, como, por exemplo, em Lutero e Calvino. A interpretação da Bíblia de Barth, entretanto, não é mera cópia da obra dos reformadores; a dialética que encontrou na Bíblia não é, como acontece com Lutero, o contraste entre a ira e a graça de Deus, entre o pecado do homem e a justiça providenciada por Deus; é antes o contraste fundamental entre eternidade e tempo, entre Deus como Deus e o homem como homem. A aplicação deste conceito fundamental, via de regra, resultou na rejeição do humano, fazendo assim lugar para a revelação divina, para o “totalmente outro”, que é revelado pela palavra de Deus aos que em espírito de humildade mostram-se receptivos às ações divinas e à mensagem da igreja.

[9]

A Carta aos Romanos é considerada o texto mais representativo da teologia dialética.[10] Aqui ele enfatizou a transcendência de Deus, Deus como “absolutamente outro”, a “distinção qualitativa infinita” entre Deus e o homem. A teologia passou a ser o estudo não de filosofia ou experiência religiosa, mas da Palavra de Deus. Para Barth, “a Bíblia [veio a ser] não meramente uma coletânea de documentos antigos a serem examinados criticamente, mas, sim, uma testemunha de Deus”.[11] Argumentava que essas grandes verdades não podem ser construídas a partir da experiência ou da razão, mas devem ser recebidas da revelação de Deus, numa atitude de obediência. O que estava em curso era uma revolução no método teológico, uma teologia “do alto”, para substituir a antiga teologia “de baixo”, centralizada no ser humano. Barth ficou surpreso com a reação a seu livro.

Pareço mais um rapaz que, subindo ao campanário da igreja paroquial, puxa uma corda ao acaso e, sem querer, coloca em movimento o sino maior: trêmulo e amedrontado, percebe que acordou não apenas sua casa, mas também a aldeia inteira.

[12]

DIE KIRCHLICHE DOGMATIK
Em 1922, foi convidado a ser preletor de teologia reformada na Universidade de Göttingen, onde ajudou a desenvolver a teologia dialética junto com Eduard Thurneysen, Rudolf Bultmann (1884-1976), Friedrich Gogarten (1887-1967) e Emil Brunner (1886-1966). Uma de suas principais tarefas foi preparar palestras acerca da teologia dos reformadores.[13] Dessas meditações emergiu uma verdadeira renascença no estudo de Calvino (no qual Peter Barth, irmão de Karl, desempenhou um papel importante) e uma nova avaliação da pertinência de Calvino para nossos tempos perturbados. Entre 1926 e 1929, foi professor de Dogmática e Teologia do Novo Testamento na universidade de Münster e, em 1930 tornou-se catedrático de Teologia Sistemática na Universidade de Bonn.[14] Por essa época, Fräulein Charlote “Lollo” von Kirschbaum, membro da igreja luterana, começou a trabalhar como sua assistente, auxiliando-o com seu grande conhecimento em grego e hebraico.[15]

Com Fides quaerens intellectum (1931) – uma interpretação pessoal e vigorosa do Proslogium de Anselmo de Canterbury –, Barth elaborou a teologia da Palavra, o que significou um rompimento com seus amigos Brunner, Gogarten e Bultmann.

Nessa obra, Barth estudou melhor a natureza e função da teologia. Ao contrário de muitas interpretações de Anselmo, Barth argumentou que o argumento ontológico de Anselmo em favor da existência de Deus não era uma tentativa de provar Deus independente da fé, mas sim de entender com a mente aquilo em que já se acreditava através da fé.

Barth entendeu que, para Anselmo, toda teologia deve ser feita num contexto de oração e obediência. Isso significa que a teologia não pode ser uma ciência objetiva e desapaixonada, mas deve ser a compreensão da revelação de Deus em Jesus Cristo, possível somente por meio da graça e da fé. Barth afirmou que o pré-requisito para a teologia correta é uma vida de fé, e sua marca é o desejo de jamais contradizer explicitamente a Bíblia.

[Ele] compreendeu que a tarefa do teólogo não é tanto acentuar a distância entre o homem e Deus, mas muito mais penetrar no significado do conhecimento de Deus que é colocado à disposição do homem na revelação. Então, impõe-se a Barth o problema da analogia, como o único método apto a resolver o significado da Palavra de Deus. Somente com o método da analogia é que o teólogo pode chegar a compreender o conteúdo da revelação. Não, porém, por intermédio da analogia entis (analogia do ser), que sendo uma categoria filosófica e humana, não pode estar em condições de entender a Palavra de Deus. A única analogia que pode compreender Deus e sua revelação é a analogia da fé (analogia fidei): a analogia que parte da fé ao invés de partir da razão.

[16]

O Fides quaerens intellectum assinala, portanto, a segunda virada decisiva na peregrinação teológica de Karl Barth: o abandono da dialética em favor da analogia. A partir de então, em Barth, a teologia da Palavra se torna uma cristologia.

Em 1927, publicou o primeiro de uma projetada série de volumes sobre Die Christliche Dogmatik [Dogmática Cristã]. Mas Barth foi criticado por esta ser baseada na filosofia existencialista. Certamente, ele não subordinou a revelação ao existencialismo na mesma medida que Bultmann, mas desejava produzir uma teologia bíblica e livre da dependência de qualquer influência filosófica. Além disso, queria enfatizar a objetividade da revelação de Deus mais do que a subjetividade da fé humana. Então, ele decidiu começar novamente e, em 1932, iniciou a Die Kirchliche Dogmatik, obra que não chegou a terminar. Esta é a disposição dos volumes editados:[17]

I/1 (A Palavra de Deus como critério para a dogmática, 1932) e I/2 (A revelação de Deus, a Sagrada Escritura, o anúncio da Igreja, 1938): contém os prolegômenos da obra: a tarefa, o objeto, as bases, o método e os meios de conhecimento da teologia em geral e da dogmática em particular. A esses se acrescentam os capítulos fundamentais sobre a doutrina da Trindade (ponto de partida objetivo de toda teologia), a doutrina do Espírito Santo e a doutrina da Escritura.[18]

II/1 (A obra da criação, 1940): o conhecimento de Deus: possibilidades, limites; a realidade de Deus, seus atributos: “as perfeições do amor divino” (que incluem graça e santidade, misericórdia e retidão, paciência e sabedoria) e “as perfeições da liberdade divina” (que incluem unidade [ou simplicitas Dei] e onipresença, constância e onipotência, eternidade e glória).

II/2 (A eleição gratuita de Deus – O mandamento de Deus, 1942): a doutrina da eleição gratuita de Deus e o mandamento de Deus como o fundamento da ética cristã. Grande parte desse volume é um comentário de Romanos 9 a 11.

III/1 (A obra da criação, 1945): fundamentos da criação, relação entre o pacto e a criação. Todo o volume é uma profunda e abrangente exegese de Gênesis 1 e 2.[19]

III/2 (A criatura, 1948): a doutrina cristã do homem (antropologia teológica).

III/3 (O criador e a sua criatura, 1950): a providência de Deus, as potestades e os anjos.

III/4 (O mandamento do criador, 1951): problemas éticos em relação com o estado de criatura do homem; relação com a criação animada, relações homem-mulher: casamento, pais e filhos, povo e humanidade, respeito pela vida (suicídio, enfermidade, pena de morte, guerra), trabalho, ofício, dignidade, honra, Dia do Senhor etc.

IV/1 (O objeto e os problemas da doutrina da reconciliação. Jesus Cristo, o Senhor como Servo, 1953): Jesus Cristo, o Filho de Deus, juiz dos vivos e dos mortos, humilha-se a si mesmo e faz-se solidário com o homem destinado ao juízo: o Senhor faz-se escravo (ministério sacerdotal de Cristo); por esse ato põe-se manifesto que o pecado é especialmente o orgulho, que faz frente ao juízo de Deus que realiza a justificação do peca- dor; essa justificação traduz-se pela ação do Espírito Santo na vida dos homens pela união deste com a Igreja e no surgimento da fé em cada cristão.

IV/2 (Jesus Cristo, o Servo como Senhor, 1955): Jesus Cristo é a reabilitação do homem caído, que ascende para a vida com e para Deus; o escravo torna-se Senhor (ministério real de Cristo); por esse ato põe-se manifesto que o pecado é essencialmente a inércia ante a Palavra de Deus e suas exigências; a obra de Deus prossegue na vida pela santificação do pecador justificado; essa justificação traduz-se na vida dos homens pela edificação da Igreja e pela vida nova do cristão em amor.

IV/3 (Jesus Cristo, a verdadeira testemunha, 1959): Jesus Cristo é o fiador e o testamento de nossa reconciliação, em quem se manifesta em sua plena luz (ministério profético de Cristo); assim, o pecado revela-se como mentira, negação da verdade, rejeição da Palavra; a obra de Deus no homem, a vitória do Espírito Santo sobre o pecado-mentira, que se expressa na missão e no testemunho da Igreja, e na vida do cristão em esperança.

IV/4: Este volume foi publicado como fragmento, tratando da ética da reconciliação, do Pai-Nosso e do sacramento do batismo. A Die Kirchliche Dogmatik [A Dogmática Eclesiástica] recebeu esse nome por dois motivos:

Porque, tendo eu combatido muito o uso demasiado fácil que se faz do título “cristão”, quis começar por dar eu próprio o exemplo; depois, e este é o ponto decisivo, porque queria chamar a atenção, desde o início, para o fato de que a dogmática não é uma ciência “independente”; ela está ligada ao âmbito da Igreja e só assim torna-se possível como ciência e adquire todo o seu sentido.

[20]

A Die Kirchliche Dogmatik buscou ser expressão da fé da igreja, e não de uma escola teológica particular. Ele eliminou “todos os elementos de filosofia existencial que então [nos tempos da Dogmática Cristã] pensava que devia fazer intervir para fundamentar, apoiar e até justificar a teologia”.[21] A analogia fidei (ou analogia gratiae ou analogia revelationis) e a concentração cristológica – dois traços que caracterizam a Die Kirchliche Dogmatik – obedecem a esse critério de insistência de rigor absoluto, pois, para Barth,

uma dogmática cristã deve ser cristológica em sua estrutura fundamental como em todas as suas partes, se é verdade que o seu único critério é a Palavra de Deus revelada e atestada pela Sagrada Escritura e pregada pela Igreja e se é verdade que esta Palavra de Deus revelada se identifica com Jesus Cristo. […] A cristologia deve ocupar todo o espaço na teologia […] quer dizer, em todos os domínios da dogmática e da eclesiologia […] A dogmática deve ser em seu fundamento mesmo uma cristologia e nada mais.

[22]

Segundo Brown, “apesar de todas as suas falhas, a Church dogmatics é a obra mais impressionante dos tempos modernos a ser escrita por um único autor”.[23]

A IGREJA CONFESSANTE
Entre 1933 e 1934, Barth envolveu-se no movimento de resistência à presença do nacional-socialismo dentro das igrejas luterana e reformada. Dessa resistência, originou-se a Igreja Confessante (Die bekennende Kirche), apoiada por Dietrich Bonhoeffer, Hermann Hesse e Martin Niemöller, que em 4 de janeiro de 1934 reuniu-se como concílio livre das comunidades luteranas-reformadas em Barmen, o que deu início à “dispu-ta pela Igreja” (Kirchenkampf). Um concílio confessante ocorreu em 31 de maio desse mesmo ano, em que foi aprovada a Declaração Teológica (Declaração de Barmen).[24]

Por não querer começar suas aulas com a saudação nazista, mas persistir em começá-las com uma oração, Barth foi suspenso como professor universitário, sendo expulso da Alemanha, em 1935. Passou, então, a lecionar na Universidade de Basiléia, na Suíça. Após o fim da Segunda Guerra, Barth engajou-se em polêmicas sobre o batismo,[25] hermenêutica e o programa de “desmitologização” (ou melhor, a “interpretação existencial” de Bultmann, em que divisava um retorno à teologia liberal do século 19).[26] Ele também participou da assembléia de fundação do Conselho Mundial de Igrejas, em Amsterdã, Holanda, realizado entre 28 de agosto e 4 de setembro de 1948.

A HUMANIDADE DE DEUS
Barth continuou coerente em suas posições básicas, mas revisou algumas de suas opiniões. Nos primeiros anos do movimento neo-ortodoxo, Barth enfatizou fortemente a transcendência de Deus. Em 1956, numa preleção sobre a Humanidade de Deus, Barth reconheceu que havia sido unilateral demais, por causa da necessidade da época.[27] Agora era necessário haver outra mudança, mas não em oposição à ênfase anterior na transcendência de Deus. Junto e incluído na transcendência de Deus está sua humanidade – em Jesus Cristo.

Esta modificação atingiu até mesmo sua compreensão da revelação natural. Ele contrastou Jesus Cristo, a única Palavra de Deus e a única luz da vida, com outras “palavras verdadeiras” e “luzes menores” através das quais ele fala. Estas incluem a palavra não-cristã e a criação física. Mas Barth ainda insistiu que estes ainda não são independentes da única revelação de Deus em Jesus Cristo.

[28]

Em seu último curso na Universidade de Basiléia, Introdução à Teologia Evangélica,[29] em 1962, Barth definiu a existência teológica, que fora sua paixão: admiração diante do objeto teológico, submissão ao objeto incomparável, compromisso, fé. Com o termo “evangélica”, Barth não pretendeu assinalar um novo objeto da teologia nem uma nova perspectiva teológica, mas sim uma atitude particular, uma disposição interior do teólogo. O objeto e a perspectiva estão sempre em Cristo. E não poderia ser de outra maneira, dado que o Deus do evangelho não é outro senão Jesus Cristo. Mas o Deus do evangelho, Cristo, é abordado com uma atitude de humildade, modéstia, respeito, temor. Na meditação teológica, a mente deve deixar ser guiada por ele; nunca pode pretender submetê-lo aos seus critérios, sejam os da história, da psicologia, da política, da metafísica ou da antropologia. Qualquer espécie de racionalismo é um atentado contra a teologia evangélica e deve ser drasticamente reprimido. Deve-se adorar somente a Deus, a Escritura basta para guiar a Igreja, no sentido da verdade, e a graça de Cristo basta para regular nossa vida.

No período de 1962 a 1965, Barth enfrentou várias enfermidades, com diversas operações e internações hospitalares. Nesse tempo, sua influência teológica já estava em declínio. Por essa época, Carl Henry escreveu:

Com a idade de setenta e nove anos [1965], porém, as enfermidades próprias da decrepitude fizeram com que os pensamentos de Barth se voltassem mais e mais “para a tenda que começa a ser desfeita”, como ele teve ocasião de expressar-se. Apesar de ele continuar a manter seus colóquios mensais na sala que fica nas escadarias do Restaurante Bruderholz, próximo de sua residência em Basiléia, o fato é que a obra criadora de Barth já começou a tornar-se morosa, de modo que ele não se sente certo da possibilidade de levar a termo sua Dogmática da Igreja. Ativamente, mas com cautela, tem estado a modificar sua teologia na direção de uma concepção de objetividade, a fim de fugir à expropriação bultmaniana. “Barth quase se tornou outra vez um escolástico protestante”, assim ironiza Gerhard Friedrich, erudito do Novo Testamento de Erlangen. “Mais e mais o vemos a pender para o que é histórico, em detrimento do que é existencial.” Entretanto, o sentimento generalizado é de que as revisões que se processam na teologia de Barth são “demasiado mínimas e tardias” […] Isto significa que as revisões propostas à teologia de Barth se vêm arrastando demasiadamente, para que possam proporcionar algum apreciável impacto sobre a linha principal da teologia continental.

[30]

Em 1966, foi nomeado Senador Honorífico da Universidade de Bonn, tendo viajado nesse mesmo ano para o Vaticano, em setembro. Karl Barth faleceu em 10 de dezembro de 1968, aos 82 anos, em Basiléia. A última palavra que pronunciou, na noite anterior, em telefonema a seu amigo Thurneysen, foi: “Deus não nos abandona a nenhum de nós e tampouco a nós todos juntos! – Há um governo!”.[31]

TÓPICOS PRINCIPAIS DA TEOLOGIA DE KARL BARTH[32]
Podemos sintetizar a variação da linha teórica da teologia de Barth desta forma:[33]
No período dialético da Carta aos Romanos, encontramos as seguintes afirmações centrais:Deus é Deus, e não é o mundo; o mundo é mundo, e não é Deus, e nenhuma via conduz do mundo a Deus; se Deus encontra o mundo – e é este o grande tema da teologia cristã –, esse encontro é krisis, é juízo, é um tocar o mundo tangencialmente, que delimita e separa o mundo novo do velho.

No período da Die Kirchliche Dogmatik tomam consistência as seguintes afirmações centrais:

Deus é Deus, mas é Deus para o mundo: ao Deus que é “totalmente Outro” sucede a figura de Deus que se faz próximo do mundo; o mundo é mundo, mas é um mundo amado por Deus: passa-se do conceito da infinita diferença qualitativa aos conceitos de aliança, reconciliação, redenção, como conceitos-chave do discurso teológico.

Deus encontra o mundo em sua Palavra, em Jesus Cristo: daí se segue a concentração cristológica subseqüente ao enfoque do período dialético.

Para Barth, a “dogmática é a ciência na qual a Igreja, segundo o estado atual do seu conhecimento, expõe o conteúdo da sua mensagem, criticamente, isto é, avaliando-o por meio das Sagradas Escrituras e guiando-se por seus escritos confessionais”.[34] A partir dessa definição, podem ser identificados doze princípios metodológicos que guiaram a produção teológica bartiana:[35]

1 A dogmática é uma função da Igreja.

2 A dogmática deve estar baseada na Palavra de Deus somente.

3 A primeira e última pergunta da dogmática é a pergunta sobre Deus.

4 A dogmática sabe que Deus se revelou somente em Jesus Cristo.

5 O pensamento dogmático sobre a revelação de Deus em Cristo é um pensamento automaticamente trinitário.

6 A dogmática relaciona todas as partes [loci] da dogmática para seu centro cristológico.

7 A dogmática reconhece seus limites e preserva o mistério de Deus.

8 A dogmática insiste na liberdade do evangelho de uma relação e a priori com a existência humana.

9 O pensamento dogmático não separa a ética da dogmática.

10 A dogmática recusa-se a admitir qualquer tipo de dualismo e, assim recusa-se a considerar o mal tão seriamente quanto a graça.

11 A dogmática move-se da ação para a existência, da realidade para possibilidade, do evangelho para a lei, do “sim” de Deus para o “não” de Deus.

12 O pensamento dogmático sabe que uma dogmática pode ser arquiteturalmente bonita e teologicamente exata.

A abordagem filosófica de Barth reconheceu que todos temos nossas filosofias preconcebidas. Podem ser sofisticadas ou ingênuas. Podem oferecer uma compreensão valiosa da existência, ou não. Mas porque somos homens, e não Deus, nenhuma filosofia pode chegar a ser exaustiva. Além disso, toda filosofia exige ser modificada à luz da experiência, não menos que à luz da Palavra de Deus. Cada filosofia, portanto, por melhor que seja, nada mais é que uma hipótese de trabalho. “Não pode, de modo algum, tornar-se uma finalidade em si mesma” [CD, I/2 §21, p. 731]. “Quando se trata da questão do conhecimento de Deus, devemos começar com o dado primário da fé cristã – a revelação que Deus fez de si mesmo na sua Palavra. É à luz da Palavra de Deus que devemos julgar nossas idéias preconcebidas, e não vice-versa.”[36] Mas, mesmo tendo esses cuidados, pressupostos filosóficos neoplatônicos e kantianos continuaram exercendo influência sobre toda a construção da teologia bartiana.

O que se mostra responsável pela tensão existente na teologia européia contemporânea é a noção especulativa de que a revelação divina nunca nos seja comunicada objetivamente – nem mediante ocorrências históricas nem através de proposições inteligíveis – pois é algo sempre apreendido subjetivamente, à base de uma resposta de submissão em face de Deus. Tal maneira de conceber-se contraria o pensamento cristão tradicional de que a revelação divina seja manifestação objetiva e inteligível. […] Numa só palavra, portanto, a Igreja Cristã Histórica tem compreendido que a revelação divina é uma inteligível e objetivamente oferecida manifestação da divindade, seja isto com relação à revelação universal (mediante a natureza, a história e a consciência humana) ou à revelação especial (mediante os feitos redentores e as declarações registradas na Bíblia). […] [E a] redefinição dialética e existencial [da revelação reflete, de modo muito claro, a influência de Immanuel Kant, que] insistia em que os conceitos oriundos da razão humana não poderiam apreender realidades metafísicas e sustentava que as afirmações relativas à ordem espiritual, portanto, carecem de validade universal.

[37]

Talvez o problema mais sério reside no fato de que “o bartianismo não é nenhum atalho que nos capacita a evadir questões históricas. Não podemos ter a revelação e a teologia bíblica sem estarmos dispostos a defender a base histórica delas. O próprio Barth parece ser indiferente a isto, e, como conseqüência, parece que seu ensino é deixado flutuando no ar”.[38] Podemos entender esse afastamento dos elementos históricos do cristianismo (primeiro em Friedrich Schleiermacher, depois em Bultmann, Tillich e até mesmo em Barth) como um passo de submissão ao Iluminismo (Aufklärung) e, principalmente, à crítica kantiana à religião. Os campos da natureza e da história passaram a ser considerados como propriedade exclusiva da ciência secular, e a ciência, segundo ela afirma, não descobriu nesses campos nenhuma evidência de Deus. Tudo é aparentemente sujeito às leis da história: todos os eventos são análogos e interligados por relações inevitáveis de causa e efeito.

O triunfo dessa perspectiva expulsou os teólogos para a meta-história (geschichte) – para uma transcendência absoluta ou para algum tipo de imanência.[39] Separados, assim, da verdade objetiva, eles se voltaram para dentro de si mesmos em busca de uma compreensão da própria existência, sempre sem o apoio da história. Mas, fugindo da crítica kantiana, esses teólogos foram pegos pela crítica de Feuerbach e Marx.[40] A investigação desses movimentos teológicos, nos séculos 19 e 20, revela o grande erro que foi o abandono da história como um elemento da teologia cristã.[41] Por isso, a tendência para uma doutrina da reconciliação universal, que permeia a teologia de Barth, é apenas um sintoma de uma falha mais profunda, “sua falta de historicidade”.

Ao mencionar que esse tipo de objetivismo dogmático é vulnerável à crítica da religião de Feuerbach e de Marx, Bockmuehl diz:

A primeira fase da teologia de Karl Barth é sujeita a este juízo. É verdade que se opõe ao subjetivismo, armado com afirmações objetivas sobre a transcendência da Palavra de Deus. Ao mesmo tempo, Barth elogia a crítica de Feuerbach, vendo nela uma aliada contra o subjetivismo. Mas a sua teologia deixa de lado a história de Jesus Cristo, a verdadeira e principal objetividade da fé. Numa troca de artigos com Adolf Harnack em 1924, Barth relega a história de Cristo a um tipo de meta-história. Utiliza a distinção entre história [historie] (a história profana) e geschichte (a história sagrada), posteriormente popularizada por Bultmann. Assim, Barth fez da teologia uma contenda arbitrária e dogmática, em vez de a exposição da obra de Deus na história. Somente depois de 1956 é que Barth começou a descer a uma compreensão da história divina da salvação dentro da história do mundo.

[42]

Mas como essa influência filosófica difere da dependência de Agostinho ao neoplatonismo ou de Tomás de Aquino ao aristotelismo? Agostinho e Tomás de Aquino claramente reconheceram a primazia e a autoridade da Escritura. Ambos se separaram de suas filosofias, em que viam que elas conflitavam com as Escrituras. Barth, ao contrário, não concede à Escritura tal papel normativo e não é tão crítico com seus pressupostos neoplatônicos e kantianos, como Agostinho e Aquino foram com seus pressupostos filosóficos.[43]

Infelizmente, esses pressupostos evidenciaram-se em toda a construção teológica bartiana, especialmente na manutenção da distinção entre historie e geschichte, como veremos ao enfocarmos os principais tópicos de sua teologia.[44]

O DEUS TRIÚNO
Em Barth, Deus é absolutamente transcendente. A partir desse prisma, ele fez uma forte distinção entre a procura helênica por Deus (que ele chama de “teologia natural”) e a proclamação do evangelho de que em Jesus Deus nos procura (o que ele chama de “revelação”), usando essa percepção como a única força motora do discurso trinitário. Barth colocou a doutrina da Trindade como ponto de partida para a teologia. Ele argumentou que:

A doutrina da Trindade é o que, basicamente, define o caráter cristão da doutrina de Deus e, portanto, distingue como sendo cristão o conceito de revelação, diferente de outras doutrinas possíveis sobre Deus e sobre o conceito de revelação.

[45]

Barth via na doutrina da Trindade a única resposta possível para a pergunta: quem é esse Deus que se revela? A revelação bíblica, então, faz três perguntas: quem é revelado? O que ele fez para se revelar? O que a revelação realiza? A resposta a cada uma deve ser Deus, sem restrição.[46] “Deus se revela a si próprio. Ele se revela através de si próprio. Ele se revela a si próprio.”[47] E, separadas de cada uma dessas três frases, as outras duas permanecem ambíguas.[48] Toda a doutrina da Trindade, diz ele, é somente a especificação de que Deus pode se revelar a si próprio, assim como Deus de fato se revelou em Cristo.[49]

Para Barth, Deus é a resposta a todas as três perguntas. Se a revelação, Jesus, ou a realização da revelação entre nós, o Espírito Santo, não fossem simplesmente o próprio Deus, nós seríamos lançados a uma procura religiosa inútil pelo próprio Deus. Mas o que a cruz e a ressurreição revelam é exatamente que tal procura, negando a suficiência da palavra do evangelho, é incredulidade.

Resumindo, aquele que é revelado é Deus. Pai, Filho e Espírito Santo são formas divinas de ser que existem eternamente dentro da unidade absoluta de Deus. Ainda assim, a distinção entre essas formas[50] consiste numa precondição necessária para a revelação de Deus em Jesus Cristo e na presença espiritual de Deus dentro da vida da igreja. Contudo, o Deus que assim se revela a si próprio não se torna, com isso, meramente idêntico à revelação histórica e à presença consumada; a cruz revela, de novo, que Deus jamais é apreendido dessa maneira por nós.

A Palavra de Deus[51]
Barth fez uma distinção entre “inspiração verbal” e “inspiração literal”. A partir desse pressuposto, a Palavra e as ações de Deus nunca podem ser identificadas com palavras humanas ou eventos históricos registrados na Bíblia, mas devem ser transcendentais. A inspiração verbal seria teologicamente irrenunciável, na medida em que a Escritura testemunha a Cristo, o “verbo” divino. A inspiração literal, no entanto, deveria ser rejeitada como tentativa de dar uma garantia miraculosa para o testemunho da Escritura.[52]

Por outro lado, defendeu a “inspiração” (Inspiration) da Escritura como um processo ativo de permanente iniciativa de Deus, mas rejeitou a “inspiracidade” (Inspiriertheit), uma qualidade ontológica da Escritura enquanto letra.[53] A Palavra pregada e escrita (a única que ultrapassa o abismo entre Deus e o homem) nada mais faz além do que apontar para a verdadeira revelação divina, a saber, a palavra de Deus em seu sentido absoluto e transcendental.

Como a realidade do Criador se distingue de toda outra realidade pelo fato de que ele e somente ele existe para si, isto é, originariamente, assim sua automanifestação se distingue da de qualquer outro ser e espírito criado, pelo fato de que ele e somente ele pode manifestar a sua existência autenticamente, veridicamente, eficazmente, documentando assim o seu ser em sua revelação.[54]

Barth afirmou que reconhecer a autoridade da Escritura é uma questão de confissão, porque “se não estamos para desistir de nossa fé temos que crer no milagre da graça” (CD, I/2, p. 598). Quando falamos da autoridade na Igreja, isso implica que há na Igreja uma corte de apelação, que tem uma relação mais próxima com a base e a essência da Igreja que qualquer outra. Essa autoridade é a Escritura, porque ela é o registro existente mais antigo das origens da Igreja e, portanto, da base e natureza da Igreja. A autoridade da Escritura não é uma possessão em si mesma, nem mesmo uma dádiva outorgada pelo próprio Deus. A Escritura tem autoridade porque o próprio Deus a toma e fala por meio dela.[55]

A idéia de que a proclamação constitui o ponto de partida para a teologia é fundamental para o pensamento de Barth, por entender que a teologia deve servir exclusivamente às necessidades da pregação.[56] Ou, mais especificamente, diria que a tarefa da teologia é a de testar e guiar a pregação de maneira crítica. Isso é acima de tudo tarefa da dogmática: “A dogmática como disciplina teológica é a autocrítica científica da igreja cristã relativamente ao conteúdo de sua linguagem própria sobre Deus”.[57] A palavra de Deus é a Palavra ouvida na proclamação da Igreja hoje.

A Igreja prega a Palavra que é testemunha de Cristo, a Palavra revelada. Essa Palavra revelada, proclamada na linguagem da Igreja, é atestada pela palavra da Escritura. Dessa maneira, as três formas – pregação, revelação e Escritura[58] – convergem no nome único de Jesus Cristo, no qual Deus se revela. A Escritura é uma produção humana que se torna objetiva se for “revelada”, “escrita” e “pregada”, sob a ação do Espírito Santo, caso contrário, não é uma revelação de Deus. Portanto, é o Espírito Santo quem legitima a palavra humana sobre Deus, sempre de modo atual. Nesse sentido, a pregação torna-se central não apenas como pressuposto da atividade teológica, mas também porque é o ponto em que a Palavra de Deus confronta a congregação ouvinte hoje. Assim é que o encontro divino-humano ocorre, conduzindo à fé.

A doutrina da Palavra de Deus de Barth e sua cristologia correspondem reciprocamente. A Palavra de Deus nos confronta na Escritura Sagrada, mas a Escritura não é, no sentido verdadeiro, Palavra de Deus – é apenas testemunho dela e aponta para a eterna Palavra de Deus. Da mesma forma, o Cristo da história não é nem Filho de Deus nem Filho do Homem, no sentido exato. Em vez disso, “ilustra” e nos apresenta, como por analogia, as ações do eterno Filho de Deus e providencia o modelo para o papel do homem diante de Deus.

Pode-se ir mesmo além e dizer que Cristo – como pessoa histórica – não realizou nossa salvação dentro do contexto do tempo, mas que apenas dá testemunho da sal- vação eterna, cuja realidade se encontra no decreto de Deus, e a proclama. Como resultado disso, o conceito de salvação de Barth enfatiza o conhecimento: a morte e a ressurreição de Cristo deram a conhecer ao homem que a salvação eterna consiste nisto, que o Pai primeiro rejeitou e então elevou o Filho. Os que reconhecem este fato foram reconciliados com Deus. A história da salvação como registrada na Bíblia é apenas um reflexo da eterna “história da salvação” (Heilsgeschichte). Aprende-se a conhecer esta através daquela, e é assim, segundo Barth, que ocorre a reconciliação. O perdão dos pecados e a justificação nos fornecem uma analogia e representa aqui no tempo, aquela salvação eterna que é a única que constitui a base e o verdadeiro
objeto da fé.

[59]

Precisamos perguntar se realmente é possível que Barth elaborasse sua exposição das doutrinas clássicas do cristianismo se permanecesse completamente coerente à sua teoria das Escrituras. Colocando em termos simples, sua afirmação sobre a tensão que existe entre seu conceito da Palavra de Deus e suas afirmações teológicas acerca das Escrituras dificil- mente serve para justificar uma exposição tão sistematizada dos en- sinamentos bíblicos. Aplica-se aqui a justa crítica de Courthial:

Esta tradição crítica (não suficientemente criticada), estabelecida em “motivos de base” racionalistas ou existencialistas, marcou o pensamento de Barth com impressão tão profunda e persistente, que os “motivos de base” bíblicos – inegáveis – da Dogmática se patenteiam constantemente contrafeitos, e as formulações mais “reformadas” de Barth – e as há! – são, dir-se-á a despeito de si mesmo, constantemente “deformadas” […] O “defeito” maior e mais radical do pensamento de Karl Barth reside por certoexatamente neste ponto; sua doutrina não-escriturística da Escritura.

[60]

CONCENTRAÇÃO CRISTOLÓGICA[61]
O conceito da Palavra de Deus de Barth nos conduz a sua cristologia – e ele mesmo disse ter operado em sua Dogmática uma “concentração cristológica”. A Palavra de Deus é, a rigor, a pessoa de Jesus Cristo, que inclui a encarnação e a redenção. “Assim a Escritura se impõe a si mesma, em virtude desse conteúdo. Em contraste com todo outro escrito, a Escritura, com este conteúdo – realmente esse! – é Escritura Sagrada” e “isso implica que a Escritura Sagrada também é a Palavra de Deus”.[62]

A Palavra de Deus, segundo Barth, confronta o homem não apenas na mensagem pregada, mas também na Escritura, que fornece as normas para a pregação e o critério segundo o qual a proclamação deve ser testada. Significa isso, então, que a Escritura é a Palavra de Deus? Não no sentido direto – mas a Escritura refere-se à Palavra “revelada”, a saber, ao aparecimento do Deus oculto em Cristo. A Bíblia “dá testemunho” da revelação que ocorreu com a vinda de Cristo. “Dar testemunho”, nesse contexto, significa “apontar a uma direção definida além de si próprio a algum outro”.[63]

[Cristo revela que Deus] é Pai, Filho e Espírito Santo, Criador, Reconciliador e Redentor, o Altíssimo, o único Senhor verdadeiro, cujo conhecimento ocorre nessa inteireza ou não ocorre absolutamente. Com efeito, não há uma essência de Deus aquém ou além de tal inteireza; tudo aquilo que é possível conhecer e dizer sobre a essência de Deus só pode ser uma explicação ulterior de sua inteireza.

[64]

O divino não pode, de nenhum modo, ser colocado no mesmo nível com qualquer coisa temporal ou humana – esta pode, portanto, apenas “apontar” na direção daquele.

O abismo entre Deus e o homem foi ultrapassado em um ponto, e isso ocorreu com a encarnação, que significa que a eterna Palavra de Deus as- sumiu a natureza humana, e o fez em Jesus Cristo. Isso foi expressão da liberdade soberana de Deus, ação que ocorreu exclusivamente com resultado do exercício da liberdade divina. Barth encontra isso ilustrado no nascimento da virgem: o milagre da encarnação teve lugar sem qualquer cooperação humana.[65]

A cristologia que Barth desenvolve a partir dessas premissas ocupa lugar central em sua dogmática. Visto não ser possível qualquer contato entre o divino e o humano a não ser na encarnação, o resultado é que todas as questões no campo da dogmática são relacionadas com a cristologia. A relação entre Deus e o homem – o tema básico da teologia – foi demonstrada em Cristo de modo exemplar.

A eterna Palavra de Deus escolheu essência e existência humana, santificou-a e assumiu-a até fazer dela uma só realidade consigo mesmo, de maneira a tornar-se, enquanto verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a Palavra da reconciliação dita ao homem por Deus.

[66]

Nele vemos refletido o modo de Deus tratar com o homem e a obediência do homem e sua elevação à semelhança com Deus. A criação não tem outro significado que o de prefigurar a ação de Deus que seria realizada em Cristo. A doutrina da igreja de Barth (e também sua ética) foi desenvolvida de acordo com sua cristologia; entendia que ambas servem para explicar a relação entre Deus e os homens que é ilustrada na pessoa e obra de Cristo.

A “concentração cristológica” implica o completo repúdio de toda e qualquer espécie de teologia “natural”. Já na Carta aos Romanos, Barth atacava a religiosidade humana (ou religião natural), que se baseia somente na experiência humana e considerava a religião um dos aspectos dessa experiência. Tudo o que é humano deve reduzir-se a nada na presença da Palavra divina, que vem “diretamente do alto” e assim invade a existência humana e leva o homem a enfrentar a necessidade de tomar uma decisão.

Quando Emil Brunner, em Natur und Gnade (1934), afirmou que apesar disso deve haver um ponto de contato no homem natural para a Palavra proclamada, a fim de que o homem possa ser influenciado por ela, Barth respondeu com um categórico não! Em uma obra intitulada Nein! (1934), Barth não só se dissociou da teologia natural em sua forma tradicional (a idéia que o homem possui certo conhecimento de Deus e também uma percepção natural relativa ao certo e ao errado), mas também do conceito de Brunner da existência de “um ponto de contato”. Essa controvérsia provocou a separação de Barth e Brunner.[67] Mas a rejeição da “teologia natural” por parte de Barth provocou forte impacto sobre a teologia contemporânea, mesmo fora da escola dialética.[68]

RECONCILIAÇÃO
Gollwitzer diz: “A pessoa e trabalho de Jesus Cristo são um, e não podem ser separados nem sequer com a finalidade de estudo [em Barth]. Tudo aquilo que Ele é também o é o seu trabalho visando homens; Ele é homem a favor de outros homens”.[69] Mesmo diante dessa advertência, por uma questão de clareza, separaremos neste ensaio o entendimento bartiano da pessoa e obra de Cristo.

Para Barth, em Jesus Cristo, humanidade e divindade se unem sem comprometer a transcendência de Deus. Não existe a possibilidade de que o homem tenha acesso a Deus. É sempre Deus, em liberdade, quem se dirige ao homem. O homem não pode ser salvo por meio de seus feitos e esforços, a salvação é obtida pela graça de Deus. “Em vista desse seu Filho, que devia tornar-se homem e portador dos pecados dos homens, Deus amou o homem e, com o homem, todo o mundo desde a eternidade, antes ainda de criá-los.”70 Barth não chega a propor uma teoria específica sobre o mistério da expiação.

Para Barth, os atos de Deus são tão superlativamente divinos a ponto de estarem além das formulações claras da razão humana. Assim, a expiação é, ao mesmo tempo, mistério e milagre. Contudo, “no desenvolvimento temporal da expiação está presente o pacto eterno de Deus com o homem, sua eleição eterna da criatura huma- na, sua fidelidade eterna a si mesmo e a ela” [CD, IV/1 §58, p. 80].

[71]

Deus decidiu ser misericordioso para com o mundo em Jesus Cristo. A criação, a encarnação,[72] a cruz e a ressurreição[73] são a execução dessa decisão de ser misericordioso. O Filho de Deus viaja a um país distante para tornar manifesta essa decisão. Sua vitória consiste exatamente em realizar isso contra toda oposição. Ela traz a reconciliação da comunhão com Deus. Como tal, ela é o triunfo de Cristo sobre os poderes do pecado e da morte. Demonstrando afinidade com a teoria que Gustav Áulen (1879-1978) chamou de Christus Victor, temos em Barth um farto emprego da linguagem de “vitória”: Jesus é o vitorioso sobre os poderes das trevas, o “Redentor do pecado, morte e diabo”.[74] Jesus é o “rei vitorioso”.[75]

Já que era homem como nós, encontrou-se na condição de ser julgado enquanto homem. Como Filho de Deus e Deus ele próprio, tinha toda a competência e autoridade para fazer-se justiça. E, ademais, enquanto juiz divino em meio a nós, tinha toda a autoridade, no seu próprio abandonar-se ao juízo em nosso lugar, para exercer a justiça da graça, para declarar-nos verdadeiramente livres de acusação, do juízo e da pena, em virtude daquilo que ele teve que experimentar em nosso lugar, e para nos salvar do iminente perigo de nos perder. Colocando-se com divina liberdade no caminho da obediência, não vacilou em fazer sua, nesse mesmo abandono, a vontade do seu Pai. Fazendo isso por nós, assumindo a si, para que a justiça se cumprisse inteiramente, a nossa acusação, o nosso juízo e a nossa pena, sofrendo portanto em nosso lugar e por nós, realizou a nossa reconciliação com Deus.

[76]

A vitória não é fundamentalmente diferente de uma morte por nossos pecados, mesmo de uma satisfação da justiça divina. Isso se deve ao fato de Barth reconhecer que o pecado é inimizade contra a graça de Deus, a recusa de ser alguém que recebe Deus. Por isso, o Filho de Deus, em sua viagem, sofre por nosso pecado. Ele tem que sofrer a ira de Deus.

Nesse lugar ele não apenas suportou a inimizade do homem contra a graça de Deus, revelando-a em toda a sua profundidade. Suportou o fardo muito maior, a ira justa de Deus contra os inimigos de sua graça, a ira que tem que recair sobre nós.

[77]

Visto que Cristo assume nosso lugar e sofre a ira, Barth pode dizer que agora ela é removida de nós. Cristo interveio por nós. A “resolução em que o homem como tal está posicionado contra a graça” foi “expiada”. Cristo é aquele que foi “carregado com nosso pecado” e como alguém que “sofreu punição por nosso pecado”.

Barth afirmou que a expiação não produziu uma mudança em Deus, ou simplesmente uma mudança de idéia ou de sentimento no pecador, mas, antes, uma situação foi mudada devido à resolução de Deus ser gracioso. A inimizade rejeita tudo o que não é da graça. Como aquele em quem Deus decidiu ser gracioso para com todas as criaturas, Jesus tem que suportar a rejeição que quer frustrar essa eleição. Ele é o eleito e o rejeitado. Só assim ele pode ser por nós. Jesus tem que morrer para ser verdadeiramente por nós. A eleição divina seria um terror se Deus não fosse aquele que suporta nossa rejeição por nós.

Em Jesus, Deus desce até a criatura, enquanto esta é elevada para dentro da bem-aventurança e unidade da vida em Jesus. Mas Barth inverte a posição tradicional. A humilhação é associada com a natureza divina de Cristo; a exaltação, com a natureza humana. A permuta significa que ele reconhece que o aspecto vital da expiação é a autodoação de Deus, não o recebimento de pagamento por parte de Deus. Jesus não é um pagamento substituto.[78] Na autodoação de Deus, vemos a verdadeira divindade, e no Jesus triunfante, as criaturas são exaltadas para a comunhão com Deus.[79] Jesus é aquele por meio do qual a obra de Deus é feita para conosco e em nós. Como ele é aquele que, em rejeição e eleição, executa a decisão de Deus, é por meio dele e nele que nós morremos e somos ressuscitados. A velha pessoa é destruída, e a nova é erguida.[80] Apenas nesse sentido, Jesus é nosso “substituto”, ou “representante”, significando “aquele que toma o lugar”. Jesus assume, de modo ativo e pleno, o lugar em que estamos e em que deveríamos estar. Nós procuramos continuamente escapar desse lugar. Ele permanece até o fim. Uma vez que Jesus morre por nós, nós sofremos e morremos nele e com ele.[81]

PREDESTINAÇÃO
O modo como Barth relaciona a doutrina da predestinação com sua cristologia é especialmente esclarecedor.[82] No início de sua discussão na Kirchliche Dogmatik, lamenta que precise afastar-se muito mais, do que nos volumes anteriores, da tradição teológica recebida de Agostinho, Lutero e Calvino.[83] Barth aceitou o conceito da dupla predestinação. Mas esse vocábulo não significa, para ele, que algumas pessoas foram escolhidas para a salvação e outras para a condenação; refere-se, em vez disso, a Cristo, que ao mesmo tempo representa a escolha e a rejeição do homem. O destino sofrido por Cristo reflete um processo intratrinitário, no qual Deus escolhe o Filho e, nele, a raça humana, e que ele rejeita o Filho e permite que Jesus se submeta à morte a fim de que pudesse ser ressuscitado para a glória eterna. A predestinação é, pois, uma decisão eterna feita por Deus, significando que os homens – todos os homens – são eleitos, enquanto o próprio Deus, na forma do Filho, toma sobre si mesmo a condenação.

Esta medida determinou a estrutura de toda a teologia sistemática de Barth. Seu sistema, em suas palavras, é um supralapsariano modificado [CD, II/2, §33, p. 127- 145]: em toda eternidade, Deus escolheu juntar, em Cristo, a divindade às criaturas caídas; por isto ele escolheu que deveria haver criaturas e escolheu permitir que elas caíssem. E o sistema de Barth tem, como cerne, sua doutrina notória da preexistência do homem Jesus Cristo: o evento em que Deus e algo diferente de Deus existem é a vida de Jesus Cristo, e toda a história temporal é conseqüência deste evento.

[84]

Isso significa, segundo a interpretação de Barth, que o relato do Novo Testamento referente a Cristo Jesus não é, por si só, mensagem de salvação, mas apenas uma referência a – ou imagem de – algo que teve lugar na esfera eterna como processo dentro da divindade. Ele encara a morte e a ressurreição de Jesus como uma analogia a uma ação que ocorreu na eternidade, de Deus rejeitar e escolher o Filho. À luz dessa interpretação, a vida terrena de Jesus, em sua maior parte, é relegada a uma posição secundária. A rejeição de Cristo por parte de Deus Pai não é tornada clara até o momento de sua morte, enquanto a ressurreição retrata sua eleição eterna.85 A dificuldade é que essa posição conduz ao universalismo, porque a única diferença entre aqueles que estão na igreja e aqueles que estão fora é que a igreja sabe da sua eleição e o mundo não. Em outras palavras, a decisão relativa à eleição de indivíduos simplesmente é removida da inescrutabilidade da predeterminação soberana para a inescrutabilidade do chamado soberano.[86] Barth nunca afirmou uma total restauração da criação original ou ideal (apokatastasis panton), mas a conseqüência lógica de sua posição é que a rejeição de Deus pelo homem não é uma coisa séria, porque a eleição do homem por Deus cancela a escolha do homem. Sua resposta é que Deus não é obrigado a escolher ninguém. Nem é obrigado escolher a todos. Barth quis evitar ambas as posições porque, em seu entendimento, são abstrações que não transmitem a mensagem de Cristo, sendo simples conseqüências formais, sem conteúdo material. Seu entendimento da eleição é atraente, confortável, mas não trata honestamente os textos bíblicos que afirmam a perdição eterna e a responsabilidade real do homem. Conforme diz Berkouwer, “na teologia de Barth o triunfo da graça relativiza a seriedade da decisão do ser humano, assim como o kerigma é ameaçado de tornar-se uma simples anunciação sem nenhuma exortação vital”.[87]

Barth difere radicalmente de Calvino. Este recusava decididamente submeter os dogmas da religião cristã a um esquema particular – algo que os seus seguidores logo esqueceram. Calvino sempre começava com a questão sobre que dados a Escritura oferecia concernentes ao assunto em questão. Nunca inferia um dogma de outro. A profunda consciência de que a revelação divina é mesmo a revelação de Deus impedia-o de toda interpretação a priori. Barth não lê cuidadosamente e pacientemente todos os dados bíblicos a respeito da predestinação, para depois tirar uma conclusão. Todos os dados são logo submetidos ao seu esquema cristonomístico.

[88]

Comparando-se o entendimento da predestinação em Barth com várias posições sustentadas na história da igreja antiga, descobre-se que sua po- sição é inusitada: contém tanto tendências docéticas como nestorianas. É docética na medida em que sugere ser a mensagem do evangelho apenas ilustração de um evangelho intratrinitário, de natureza exclusivamente divina, e é nestoriana na medida em que a humanidade de Cristo nunca é identificada com sua divindade, mas é concebida apenas como analogia dela. Ou – expressando de outra maneira – o histórico (o testemunho do Novo Testamentário acerca de Cristo), que Barth encara com muita seriedade, é considerado como possuindo significado apenas enquanto expressa o que ele denomina evento intemporal dentro da divindade, o modo como o Pai trata com o Filho.

[89]

AVALIAÇÃO E CONCLUSÃO
As qualidades da teologia de Barth podem ser assim sumariadas:90 Sua doutrina da Trindade é basicamente ortodoxa, assim como sua defesa do nascimento virginal, sua ênfase no papel do Espírito Santo, suas percepções do uso da linguagem e de uma hermenêutica cristológica (CD, I/2 §21, p. 722 et seq.). Realmente, sua concepção inteira firmemente trinitariana e cristológica é um corretivo contra as aberrações antropológicas e eclesiológicas das heresias dominantes em seu tempo.

Mesmo sua rejeição da teologia natural tem seu valor – ainda que ele não tenha feito uma distinção clara entre teologia natural e revelação natural.

Ele também enfatizou a realidade objetiva da obra completa de Cristo em sua morte e ressurreição e na natureza vitoriosa de sua obra por nós. Suas retratações irônicas devem ser notadas – por exemplo, seu abandono do “totalmente outro” como idolatria (CD, IV/1 §59, p. 186), o fato de ter relegado o conceito de paradoxo ao campo do demoníaco (CD, IV/3 §69, p. 178; cf. IV/2 §64, p. 348) e sua descoberta do supremo farisaísmo no desespero de Kierkegaard (cf. CD, IV/1 §58, 62-63, p. 150, 689, 741). Além disso, sua vida foi marcada por reverência e humildade. Mas, ainda assim, Bromiley lembra: “reverência, é claro, não é nenhum substituto para a verdade; mas a verdade não é honrada sem reverência. Conseqüentemente, nós podemos respeitar estas qualidades na teologia de Barth, as quais deveríamos seguir até mesmo em nossas críticas, e as quais deveríamos desejar ardentemente para todo empenho teológico”.[91]

As principais objeções a Barth podem ser assim resumidas:[92]

Seu tratamento da Escritura é, de muitas formas, a parte mais fraca e desapontadora da Church Dogmatics inteira, e suas defesas contra o subjetivismo são muito fracas.[93]

Sua compreensão de que verdades transcendentais não podem ser expressas em categorias racionais realiza o que nega – expressa uma verdade transcendental em categorias racionais.

Sua negação da revelação geral não é bíblica.

Sua doutrina da predestinação tem recebido várias críticas por causa de seu esquema supralapsariano “modificado”, e, principalmente, por sua negação de uma eleição individual, soberana e graciosa.

Em estreita ligação com este último tópico, seu universalismo cristológico parece tornar vaga a seriedade da resposta humana, e, na mesma medida, a pregação corre o risco de tornar-se um mero aviso feito pela igreja ao mundo, despido da urgência de reconciliação com Deus.[94]

Ao expor Gênesis 1 a 3, ele introduz um conceito dúbio e não-bíblico, “saga”, e, por isso, em sua teologia, há um lugar bem pequeno para uma queda real (CD, IV/1 §57).

Essas fraquezas permeiam o edifício teológico bartiano, porque ele continuou a trabalhar com a distinção kantiana entre historie e geschichte (heils geschichte), da qual nunca conseguiu se livrar, por mais que condenasse o racionalismo e a dependência filosófica daqueles que o antecederam e o seguiram. Por isso, ele podia fazer declarações objetivas de certas doutrinas centrais (escolhidas aparentemente de forma arbitrária), enquanto se afastava de outras doutrinas cristãs importantes. Em suma, uma forte tendência fideísta permeia todo o esforço teológico de Barth, colocando em risco o testemunho cristão e acabando com qualquer possibilidade de apologética. Ademais, se não existem pontes inteligíveis ligando a teologia com a filosofia ou com as outras áreas do saber, de que maneira a fé cristã pode ser algo mais do que esoterismo para aqueles que estão fora da esfera de influência cristã?

Barth foi grandemente responsável pelo renovado interesse em Lutero e Calvino, mas ele (assim como Brunner) incorreu em outro erro, o de reinterpretar os ensinos dos reformadores segundo seus próprios pressupostos, fazendo os reformadores dizerem mais do que eles ensinaram, inclusive distorcendo o pensamento deles – além de os colocar em oposição aos seus herdeiros, os puritanos.[95] Mesmo usando os reformadores e confissões de fé da Reforma, as conclusões a que ele chegou são opostas à posição reformada clássica.

Barth nunca quis fundar uma nova escola teológica, mas seus discípulos não foram tão cuidadosos quanto ele em seu contínuo repúdio ao liberalismo. Infelizmente, teólogos (dentre outros, Dale Moody, Clark Pinnock, G. C. Berkouwer), denominações (a PCUSA, a United Methodist Church) e instituições (a Universidade Livre de Amsterdã [Holanda], o Seminário Teológico Fuller [EUA], alguns seminários da Southern Baptist Convention [EUA]) que abraçaram as premissas de sua teologia não permaneceram conservadores por muito tempo. Retornaram para o mesmo “Egito”, do qual, com tanto custo, ele se retirou. Esses se tornaram um triste epitáfio das fraquezas teológicas de Barth.

Uma área aberta para futura pesquisa refere-se à entrada e influência, no Brasil, dos vários sistemas teológicos europeus, notadamente de Barth (já algo mitigada), Bonhoeffer, Bultmann e Tillich, trazida por uma outra geração de missionários estrangeiros, em meados da década de 1960.[96] Richard Shaull (1917-2002) é um caso paradigmático na Igreja Presbiteriana do Brasil. Numa coletânea de ensaios em sua homenagem, ele foi elogiado por ter rompido com a teologia (retratada de forma caricata) que os primeiros missionários presbiterianos trouxeram ao Brasil (notadamente Charles Hodge e A. H. Strong) e, ter introduzido já em cursos de graduação a leitura de teólogos neo-ortodoxos.[97] Dentre os batistas (CBB), metodistas (IMB) e luteranos (IELCB), a mesma influência estrangeira, nessa mudança teológica, também pode ser notada.

Então, usando as palavras de Barth com uma ênfase um pouco diferente, entristecemo-nos em discordar dele, contudo somos compelidos a isso em obediência às Escrituras.

Não negamos os grandes méritos desse teólogo suíço. Sua incansável luta contra o neoprotestantismo, em todas as suas diversas formas, e contra o catolicismo romano não é estéril. Sua franca confissão acerca da Trindade Santa, da Deidade de Jesus Cristo, da absoluta corrupção do homem e da justificação somente pela fé tem fortalecido o coração de milhares de crentes no mundo inteiro. Seu poderoso apelo para que se passe radicalmente do sujeito para o objeto, da colocação do homem piedoso no centro para a focalização de Deus somente, sua passagem de experiências piedosas para a autorizada Palavra de Deus, tem sido uma bênção indizível para todas as igrejas. Em muitos países um novo estímulo para o estudo da Bíblia deve-se-lhe atribuir, e através de sua obra questões exegéticas e dogmáticas passaram a ser alvo de muito maior interesse. Muitas igrejas aprenderam de novo com ele o que significa ser igreja de Jesus Cristo, igreja que pode e deve ouvir exclusivamente a Palavra do seu Rei e Senhor. […] Alegremente reconhecemos tudo isso com gratidão. Mas apesar disso não se pode negar que esse pujante pensador submete constantemente a revelação de Deus na Santa Escritura às suas próprias teorias [como em sua discussão sobre a Escritura, a predestinação e a criação]. […] Em todo o seu pensamento falta-lhe aquela submissão à revelação da Escritura que encontramos de modo excepcional no teólogo não menor do que ele, Calvino. Isso é fatal no terreno santo dos mistérios de Deus. Tudo quanto se desvia da revelação divina exarada na Bíblia ou a diminui não tem valor no reino vindouro de Cristo, e deve ser rejeitado com implacável firmeza pela igreja de Cristo. Só uma teologia obediente à Bíblia pode atravessar séculos. A teologia bíblica de Calvino, pois, ainda viverá na igreja de Cristo muito depois que o poderoso sistema de Barth tiver passado à história.

[98]

NOTAS
1 Uma definição da neo-ortodoxia como movimento de reação ao liberalismo teológico está longe do escopo deste trabalho. Para mais informações, consultar: SCHNUCKER, R. V. Neo-ortodoxia. In: ELLWELL, Walter A. (Org.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1990. v. 3, p. 12-15, e OLSON, Roger. História da teologia cristã. São Paulo: Vida, 2001. p. 585-605. Para os desdobramentos deste movimento, cf.: GRENZ, Stanley e OLSON, Roger. Teologia do século XX: Deus e o mundo numa era de transição. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, e GUNDRY, Stanley (Org.). Teologia contemporânea. São Paulo: Mundo Cristão, 1987.

2 Gostaria de deixar explícito que meu pressuposto ao avaliar o pensamento bartiano é, claramente, a fé evangélica como afirmada e defendida na Confissão e Catecismos de Westminster e nas Três Fórmulas da União (Confissão Belga, Catecismo de Heidelberg e nos Cânones de Dort).

3 Seus muitos escritos (uma bibliografia completa, até janeiro de 1966, alcançou nada menos do que 553 títulos) podem ser divididos em quatro grupos principais: exegéticos, históricos, dogmáticos e políticos. Cf. BUSCH, Eberhard. Karl Barth: his life from letters and autobiographical texts. Grand Rapids. Eerdmans, 1994. p. 509-512.

4 A biografia definitiva é de Eberhard BUSCH, Karl Barth: his life from letters and autobiographical texts. Para mais informações biográficas, cf.: CASALIS, Georges. Retrato de Karl Barth. Buenos Aires: Methopress, 1966. p. 17-74, e PARKER, T. H. L. Karl Barth. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1977. Cf. também TORRANCE, T. F. Karl Barth: an introduction to his early theology: 1910-1931. Bloomsbury Street, London: SCM Press, 1962. p. 15-25. Para uma crítica fundamentada e bem documentada, da perspectiva adulatória de Torrance, cf.: REHMAN, Sebastian. Barthian epigoni. Westminster Theological Journal, v. 60, n. 2 (fall 1998) p. 271-296. Para uma defesa de Barth como um teólogo evangélico, ver o ensaio de Alan Pieratt, Era Karl Barth um evangélico?, Vox Scripturae 8/1 (jul. 1998) p. 61-72. Pieratt nem define o que é ser evangélico nem demonstra que Barth realmente cria no que constitui a fé evangélica.

5 Traduzida para o inglês por uma equipe de estudiosos sob a editoria geral de G. W. Bromiley e T. F. Torrance, com o título de Church Dogmatics (originariamente publicada em Edinburgh, pela T & T Clark, 1936 em diante), doravante CD. As citações dos tomos, volumes e seções [§] são do resumo da CD, preparada por Geoffrey W. BROMILEY, An introduction to the theology of Karl Barth, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1979. Uma coletânea introdutória da CD pode ser encontrada em Karl BARTH, Church Dogmatics: a selection with introduction by Helmut Gollwitzer, Louisville, Kentucky: Westminster, John Knox Press, 1994.

6 Barth nunca completou um doutorado, apesar de mais tarde em sua vida ele ter sido contemplado com inúmeros títulos honorários de diversas grandes universidades. Ele ganhou doutorado honoris causa em teologia das Universidades de Münster, Alemanha (1922, cassado em 1938 e concedido novamente em 1946), Glasgow, Escócia (1930), Utrech, Holanda (1936), St. Andrews, Aberdeen, Escócia (1937), Oxford, Inglaterra (1938), Budapest, Hungria (1954), Edinburgh, Escócia (1956), Faculdade Teológica Protestante de Estrasburgo, na França (1959), Chicago, Estados Unidos (1962) e Sorbonne, Paris, França (1963).

7 Em 1913, ele se casou com Nelly Hoffman, uma talentosa violonista, com a qual teve uma filha e quatro filhos: Franziska nasceu em 1914; Markus em 1915, Christoph em 1917, Matthias em 1921 (morto em 1941, acidentado nas montanhas), Hans Jakob em 1925.

8 OLSON. História da teologia cristã, p. 593: Barth “ficou decepcionado com o protestantismo liberal quando seus próprios mentores teológicos, como Harnack e outros professores alemães, apoiaram publicamente a política de guerra do imperador da Alemanha em 1914”.

9 Cf. HÄGGLUND, Bengt. História da teologia. Porto Alegre: Concórdia, 1995. p. 343-345. Der Römerbrief foi publicado em português como a Carta aos Romanos, São Paulo, Novo Século, 2000. Lamentavelmente, a opção por incluir comentários do tradutor ao lado dos comentários de Barth, separados apenas por colchetes, prejudica bastante a leitura.

10 Cf. CASALIS. Retrato de Karl Barth, p. 131-137: Essa nova abordagem metodológica passou a ser usada por Barth, na qual se colocam pontos de vista diferentes um em oposição ao outro, a fim de que possam mutuamente lançar luz sobre o assunto em foco. Ele insistiu que somos incapazes de esclarecer ou de expressar o conteúdo da revelação divina usando afirmações diretas, o que constituiria uma abordagem “dogmática”. Isso, em sua opinião, só poderia ser feito com base no confronto permanente de afirmações contrastantes. Desse modo, pode-se atingir um equilíbrio entre as declarações que afirmam e as que negam certas proposições. No entendimento de Paul Tillich (Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX. São Paulo: Aste, 1999. p. 243), esse tem sido “um termo inadequado. Essa teologia, no seu início profético, era paradoxal; depois, se sobrenaturalizou [grifo meu]. Mas nunca foi dialética. A dialética supõe um progresso interno que vai de um estado a outro impulsionado por dinâmica própria”. Sugestivamente, essa aversão a toda categoria “sobrenaturalista” perpassou toda a teologia de Tillich. Cf. em especial: GROUNDS, Vernon C. Precursores da teologia radical dos anos 60 e 70. In: GUNDRY, Stanley (Ed.). Teologia contemporânea, p. 88-105. Para uma avaliação crítica devastadora do método dialético, cf.: VAN TIL, Cornelius. The new modernism. Philadelphia, PA: Presbiterian and Reformed, 1947. p. 43-79, e especialmente Christianity and Barthianism. Nutley, Nova Jersey: Presbiterian and Reformed, 1977. p. 203-315.

11 BROWN, Colin. Filosofia e fé cristã: um esboço histórico desde a Idade Média até o presente. São Paulo: Vida Nova, 1989. p. 159.

12 Apud BERKOUWER, G. C. A half century of theology. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1977. p. 39.

13 Em Göttingen, Barth consagrou cinco semestres de cursos para aprofundar a história da teologia sistemática, enfocando, de forma intensa, a teologia de Calvino, Zwínglio, Schleiermacher e de dois textos decisivos da teologia reformada: a Confissão de Fé de La Rochelle e o Catecismo de Genebra.

14 Para uma primeira impressão da teologia bartiana, por parte dos teólogos do Wesminster Theological Seminary, já em princípios da década de 1930, cf. D. G. Hart, Machen on Barth: introduction to a recently uncovered paper, e J. Gresham Machen, Karl Barth and The Theology of Crisis, Westminster Theological Journal, v. 53, n. 2, fall 1991, p. 189-207. Já nessa época, as principais críticas de Cornelius van Til, Paul Wholley, Caspar Wistar Hodge e J. Gresham Machen se concentravam no campo da epistemologia, em especial no entendimento bartiano da Palavra de Deus.

15 Cf. a resenha do livro de Suzanne Selinger, Charlotte von Kirschbaum and Karl Barth: A Study in Biography and the History of Theology, University Park, PA: Pennsylvania State University Press, 1998, por George Hunsinger, em http://www.ptsem.edu/grow/Barth/Selinger_review.htm. Ele diz: “Em outubro de 1925 Barth trocou compromissos pedagógicos universitários de Göttingen para Münster. Sua esposa e família permaneceram para trás até que uma residência satisfatória pudesse ser achada. Em fevereiro de 1926 [Charlotte] von Kirschbaum visitou Barth durante um mês em Münster, antes que sua família se reunisse novamente, enquanto ele ainda estava vivendo sozinho. A situação de Barth neste momento deve ser notada. Ele tinha 39 anos, estava casado com Nelly (então com 32 anos) há quase 13 anos, e tiveram cinco filhos. O matrimônio não era particularmente feliz… Embora nós não saibamos o que aconteceu exatamente entre Barth e Charlotte von Kirschbaum naquele encontro fatal de 1926, nós sabemos que daquele ponto em diante eles se apaixonaram, e, a partir daí [até 1964, quando Von Kirschbaum teve que ser admitida em uma casa de repouso com a doença de Alzheimer], Barth entregou imediatamente manuscrito após manuscrito para seu conselho e correção, e a isso ela se comprometeu dali em diante, fazendo tudo que era possível para fazer avançar o trabalho teológico dele… Estes foram exatamente os anos de vida intelectual mais produtiva de Barth. Como uma estudante sem igual, crítica, investigadora, conselheira, colaboradora, companheira, assistente, porta-voz e confidente, Charlotte von Kirschbaum era indispensável a ele. Ele não poderia ter sido o que era, ou fazer o que fez, sem ela… Nós podemos desejar saber também onde Nelly Barth se encaixava no meio de tudo isso. Há indubitavelmente muito que nós nunca saberemos. Sabemos que, a seu próprio modo, ela nunca deixou de acreditar em seu marido e no trabalho dele. Nós sabemos que os dois experimentaram uma reconciliação depois que Charlotte saiu de sua residência [após 1929 ela passou a viver com a família], e que ela e Karl a visitaram na casa de repouso aos domingos, e que ela continuou essas visitas depois que Karl morreu em 1968, e que quando a própria Charlotte morreu, em 1975, Nelly honrou os desejos de Karl, enterrando Charlotte no jazigo da família Barth. Nelly morreu em 1976. Quem visita o cemitério de Basiléia Hörnli hoje pode ver o nome dos três gravados juntos na mesma lápide”.

16 Cf. MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século vinte. São Paulo: Paulinas, 1980. v. 2 (Os teólogos protestantes e ortodoxos), p. 18-19. Essa obra foi publicada em português como Fé em busca de compreensão, São Paulo: Novo Século, 2000. Essa obra deve ser lida juntamente com alguma edição do Proslogium, por ser comentário desta (por exemplo, Santo Anselmo da Cantuária, Proslógio em Os pensadores, São Paulo: Abril, 1984, p. 67-123).

17 Cf. CASALIS. Retrato de Karl Barth, p. 101-103. A quinta (e última) parte abordaria a escatologia (doutrina da redenção). Cf. também os apêndices III e IV, Karl Barth – His message to us e Karl Barth: Die Kirchliche Dogmatik – a book review em Cornelius van Til, Christianity and Barthianism, p. 477-490. Essa obra chegou a 13 tomos (um deles é o índice geral da obra), que se estenderam por 9.185 páginas! – quem as contou foi seu último assistente, Eberhard Busch.

18 Cf. OLSON. História da teologia cristã, p. 593-594: “Diferentemente da maioria dos sistemas de teologia, liberais ou conservadores, a Dogmática Eclesiática não tem […] [uma] seção introdutória sobre teologia natural ou evidências racionais para a crença em Deus e nas Sagradas Escrituras. Pelo contrário, Barth lançou-se diretamente à exposição da Palavra de Deus em Jesus Cristo, na igreja e nas Escrituras, ou seja, da revelação especial. […] Barth evitou a teologia natural, as defesas filosóficas da revelação divina, a apologética racional e qualquer outro alicerce racional para o conhecimento cristão de Deus além do próprio evangelho de Jesus Cristo legítimo em si mesmo”.

19 Barth dedicou quatro tomos à consideração da criação (CD, III/1, 2, 3, 4; tese básica em II/1 §25). Afastando-se de interpretações tradicionais, em seu entendimento, Gênesis 3.1-7 não é um mito, mas um conto ou saga (definida como um “quadro poeticamente elaborado de uma concreta e de uma vez por todas pré-histórica Geschichtswirklichkeit [realidade histórica], sujeita às limitações temporais e espaciais” (CD, III/1, p. 81), que deve ser interpretado cristologicamente (CD, IV/1 §60, p. 508). Adão não é uma figura histórica, mas é, exemplarmente, o representante de todos que o seguiram. Além do mais, não houve um tempo em que o homem não fosse um transgressor e que, portanto, estivesse sem culpa diante de Deus (CD, IV/1 §60, p. 495). Para um resumo e avaliação crítica da doutrina da imago Dei em Barth, ver Anthony Hoekema, Criados à imagem de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 63-66.

20 CD, I/1 §1.

21 CD, I/1 §2.

22 CD, I/2, §14, p. 114; I/2 §15, p. 975.

23 BROWN. Filosofia e fé cristã, p. 160.

24 Esta fase é sumariada por Daniel Cornu, Karl Barth, teólogo da liberdade, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971, p. 11-125.

25 Apesar de se entender como membro da tradição reformada, ele rejeitou o batismo infantil, recomendando o batismo de adultos. Sua posição pode ser resumida como se segue: o batismo não é um sacramento, e sim uma resposta ao único sacramento da história de Jesus Cristo, da sua ressurreição, do dom do Espírito Santo, e que, portanto, o batismo das crianças deve ser descartado como “uma práxis penitencial profundamente distorcida”. Cf. também: BARTH, Karl. O ensino da igreja acerca do batismo. Porto: [s.ed.], 1965.

26 Barth comentou, com razão, que este programa, ao tentar libertar o Novo Testamento de supostos mitos, exalou um “forte cheiro de docetismo”. Cf. BROMILEY, Geoffrey. The Karl Barth experience. In: MCKIM, Donald (Org.). How Karl Barth changed my mind. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1986. p. 75-76: “A correspondência entre Barth e Bultmann dá evidência da separação que já estava presente desde a inicial – e aparente – aliança com Bultmann: a insistência de Barth em exegese junto aos autores bíblicos em vez de acima deles; sua recusa em se curvar à primazia do existencialismo e seus conceitos supostamente mais puros; sua preocupação com a factualidade da Palavra revelando e reconciliando [a humanidade] em Deus, por meio da obra de Cristo; sua convicção de só que podemos descansar em Deus por Sua obra já realizada por nós; e em sua exigência por uma afirmação mais forte contra o juramento de lealdade pessoal que estava sendo imposta por Hitler [Bultmann veio a se tornar membro do partido nazista]. […] Ele divertidamente aludiu a uma nova doença [que ele chamou de] ‘bultmannitis’, que deixou várias vítimas severamente desnutridas. Ele chamou a escola de Bultmann de companhia de Coré [um levita rebelde que sugestivamente foi tragado no deserto, Nm 16], os comparou a gnomos de jardim, e sugeriu que o movimento inteiro era como um carro com quatro pneus quadrados […]. [O livro] Honest to God, de J. A. T. Robinson o fez lembrar da espuma misturada de três bebidas fermentadas (Bonhoeffer, Bultmann e Tillich) que as pessoas ficam mascateando e estão bebendo como o mais recente elixir. Para Barth, a melhor resposta para toda esta loucura teológica era tratá-la com o ridículo que ela merece”. Para a correspondência entre Barth e Bultmann, cf.: JASPERT, Bernd (Org.). Karl Barth – Rudolf Bultmann; letters 1922-1966. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1981. Um dos melhores estudos críticos em português sobre o programa de desmitologização é: RIDDERBOS, Herman. Bultmann. Recife: Cruzada de Literatura Evangélica do Brasil, 1966.

27 BARTH, Karl. A humanidade de Deus. In: BARTH, Karl. Dádiva e louvor: artigos selecionados por Walter Altmann. São Leopoldo: Sinodal, 1986. p. 389-405. Essa é uma coletânea representativa de ensaios e de palestras das principais etapas da peregrinação teológica de Barth.

28 LANE, Tony. Pensamento cristão. São Paulo: Abba, 1999. v. 2, p. 116.

29 Publicado em português como Introdução à teologia evangélica. São Leopoldo: Sinodal, 1996.

30 HENRY, C. F. H. Fronteiras na teologia moderna. Rio de Janeiro: Juerp, 1971. p. 46-47. Para algumas das razões para o declínio da influência bartiana na Alemanha, ver especialmente p. 35-48.

31 Para um comovente testemunho das últimas horas de Barth, cf.: BUSCH, Eberhard. Memories of Karl Barth. In: Donald McKim (Org.). How Karl Barth changed my mind, p. 14: “Na última noite, dois dias antes dele falecer, eu estava com minha esposa em sua casa. E eu penso que nestes últimos dias ele veio a temer a noite. Então ele não queria que nós deixássemos a casa dele. Por volta de uma hora da manhã, ele nos chamou, e nos disse que se deitaria um pouco, e que nós deveríamos vir e cantar canções. Por volta das 1:15 as janelas de sua casa estavam abertas para a rua da frente. Eu disse: ‘Nós teremos que fechar as janelas porque outras pessoas serão acordadas por nossa canção’. Barth disse: ‘Oh, não importa, será uma boa canção’. E primeiro ele começou com canções de sua infância, então ele me pediu para apanhar um hinário da igreja, e nós cantamos uma canção sobre o Advento. Agora, quando Barth cantou, ele não sussurrou. Ele cantou ruidosamente, como um leão. E eu penso que em muitas casas puderam ouvir aquela grande canção! Nós cantamos uma canção do Advento, que falava do grande conforto que nós receberemos com a vinda em alegria de Cristo. E esta foi a última vez que eu vi Karl Barth”.

32 Para uma penetrante avaliação de sua teologia, por uma ótica reformada, cf.: VAN TIL, Cornelius. Karl Barth and evangelicalism. Philadelphia, PA: Presbiterian and Reformed, 1964. p. 13-27. Cf. também, do mesmo autor, The new modernism, Philadelphia, PA: Presbiterian and Reformed, 1947, p. 131-159. CLARK, Gordon H. Karl Barth’s theological method. Philadelphia: The Presbyterian and Reformed, 1963. 33 GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998. p. 30. Cf. T. H. L. Parker, Karl Barth, p. 109, para acompanhar as fontes a que Barth recorreu nestas duas fases. Na época do Der Römerbrief ele citou Franz Overbeck, Kierkegaard, Dostoievski, Blumhardt, Grünewald, Calvino, Lutero e Friedrich Nietzsche. Na época da Kirchliche Dogmatik são citados Lutero e Calvino, mas também Agostinho, Tomás de Aquino e Schleiermacher. Os Pais Gregos também são muito mencionados: Irineu, Atanásio e especialmente Gregório de Nissa. João Damasceno e Inácio de Antioquia também são muito mencionados nos dois primeiros volumes da CD. Dos Pais Latinos, o mais citado é Tertuliano, mas o Credo dos Apóstolos e o Credo Niceno podem ser considerados representativos dessa tradição. Dentre os escolásticos protestantes, são citados Polanus, Cocceius, Wolleb e Turrentini, dentre os reformados, e John Gerhard e Quenstedt, dentre os luteranos. Poucos ingleses são mencionados. Dentre eles, Edward Irving, John Wesley e William Perkins. Mozart também é abundantemente mencionado, especialmente na CD III/3.

34 CD, I/1, §7.

35 BOLICH, Geoffrey. Karl Barth & evangelicalism. Downers Grove, Il: InterVarsity Press, 1980. p. 121-122.

36 BROWN. Filosofia e fé cristã, p. 164.

37 HENRY. Fronteiras na teologia moderna, p. 97-98, 101.

38 BROWN. Filosofia e fé cristã, p. 163. Ele diz mais: “A alternativa é perguntar a nós mesmos se esta fuga da história não tem sido demasiadamente apressada, e dedicar-nos à tarefa longa e árdua, porém, vital, de examinar de novo a base histórica da fé cristã”.

39 Este é o argumento central da pesquisa de Stanley Grenz e Roger Olson, Teologia do século XX: Deus e o mundo numa era de transição.

40 Cf. LANE. Pensamento cristão, v. 2, p. 114-115: “O filósofo Ludwig Feuerbach, em sua obra A essência do cristianismo (1854), afirmou que toda teologia (fala sobre Deus) é realmente antropologia (fala sobre o homem). Afirmar que Deus é amoroso e sábio, diz ele, é assegurar o supremo valor do amor e da sabedoria humanos. As culturas atribuem a Deus aquelas qualidades que eles acham louváveis. A religião é a forma primitiva e indireta de autoconhecimento do homem – que é agora substituída pela filosofia. As idéias de Feuerbach foram imensamente influentes – sobre Marx que viu isto como a explicação da religião; sobre Freud que viu Deus como a projeção no céu de uma figura paterna. Schleiermacher e a tradição liberal, baseando a teologia na experiência religiosa humana. Todos eles foram particularmente vulneráveis a estas investidas – como Bultmann também foi, mais tarde. Toda a teologia de Barth pode ser vista como uma resposta firme contra Feuerbach, uma tentativa de mostrar que Deus não é feito à imagem do homem. Para compreender Deus, nós não deveríamos começar com uma idéia abstrata do significado da palavra ‘Deus’ e então relacionar esta idéia ao Deus cristão. Este foi o caminho de Tomás de Aquino, que começou com a teologia natural – que é o caminho das teologias sistemáticas mais tradicionais que começam com a doutrina de Deus antes de considerar sua auto- revelação. Em vez disto, nós deveríamos começar com Deus como revelado em Jesus Cristo”. Barth escreveu um prefácio para a mais recente edição da obra A essência do cristianismo. Ele sentiu que o ataque feito por Feuerbach contra o Cristianismo afundou a teologia liberal.

41 BOCKMUEHL, Klaus. A crítica marxista à religião e a historicidade da fé cristã. In: FRESTON, Paul (Org.). Marxismo e fé cristã. São Paulo: ABU, 1989. p. 24-26. Ele diz: “Não quero com isso dizer que a teologia deva voltar à asseveração simplista de que a evidência da revelação de Deus na história é tão esmagadora que só uma pessoa cega ou perversamente irracional não a reconhece. Dessa forma a fé reduzir-se-ia a um reconhecimento frio dos fatos. A história não é a revelação e nem a revelação é a história. […] Se existissem fatos indubitáveis, com apenas uma interpretação possível, a fé não seria necessária. E não haveria um compromisso com a pessoa (Jesus Cristo) que demanda a auto-entrega, a confiança e o crédito – enfim, a fé, com a plena evidência disponível no futuro. Por outro lado, se não existisse fato algum, a mensagem seria uma ‘interpretação’ arbitrária e ridícula de coisas que nunca aconteceram. Contudo, este ‘decisionismo’ é o que encontramos em vários teólogos modernos. Sua posição, porém, só pode ser passageira, porque o seu irracionalismo os expõe à crítica de Feuerbach e Marx. Para evitar este desfecho, devemos insistir no elemento histórico da mensagem cristã. A história é a base necessária, embora não suficiente, da fé”.

42 Cf. também BOCKMUEHL. A crítica marxista à religião e a historicidade da fé cristã, p. 24.

43 Mas como resolver o problema do papel controlador dos pressupostos, ao ler as Escrituras e fazer teologia? O filósofo reformado Cornelius van Til propôs “um argumento por pressuposto”. Essa abordagem reconhece que nenhum fato, histórico ou não, pode ser interpretado de maneira coerente sem o pressuposto do Deus Trino da Bíblia (como afirmado na igreja primitiva na regula fidei). Avançamos a partir das pressuposições das Escrituras, por meio das proposições das Escrituras, até as conclusões das Escrituras. Isso, naturalmente, não é nem neutro nem objetivo. Tem, porém, dois argumentos fortes a seu favor. Metodologicamente, não podemos esperar que sequer entendamos, e muito menos que aceitemos, a mensagem da Bíblia, se impusermos sobre ela pressuposições estranhas. Devemos permitir, portanto, que nosso pensamento, pelo menos temporariamente, seja moldado pelas pressuposições da própria Escritura, simplesmente a fim de entendê-la. A não ser que sejam aceitas as reivindicações do Jesus histórico e Sua interpretação de Si mesmo, a possibilidade de qualquer conhecimento histórico se evapora. Os fatos da história e a interpretação bíblica deles são inseparáveis (cf. BROWN. Filosofia e fé cristã, p. 156-159). Para mais informações sobre a apologética pressuposicional, cf. Ricardo Quadros Gouvêa, Calvinistas também pensam: uma introdução à filosofia reformada, Fides Reformata 1/1, p. 34-59, jan.-jun. 1996, e, em especial, os excelentes artigos de David Charles Gomes, Fides et Scientia: indo além da discussão de “fatos”, Fides Reformata 2/2, p. 129-146, jul.-dez. 1997, e A suposta morte da epistemologia e o colapso do clássico, Fides Reformata 5/2, p. 115-142, jul.-dez. 2000.

44 Ainda que os conceitos de historie e geschichte permeiem algumas de suas principais afirmações teológicas, deve-se fazer justiça a Barth, pois ele criticou vigorosamente a epistemologia iluminista e kantiana, afirmando a absoluta prioridade da auto-revelação de Deus (principalmente na CD I/1), em forte contraste com a incredulidade e ceticismo metafísicos tão presentes em sua época.

45 CD I/1 §8, p. 301.

46 CD I/1 §8, p. 311-352.

47 CD I/1 §8, p. 312.

48 CD I/1 §9, p. 321-322.

49 CD I/1 §8, p. 32 e 329.

50 Cf. OLSON, Roger E.; HALL, Christopher A. The Trinity: guides to Theology. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2002. p. 96-97 e 140. Barth deixou claro que, ao falar sobre Jesus Cristo, ele estava falando sobre a encarnação da “Segunda forma de Ser” (Seinsweise) de Deus. Ele preferia o termo “forma” em vez de “pessoa” pois, aos ouvidos modernos, a palavra “pessoa” inevitavelmente implica uma personalidade, e Deus tem apenas uma personalidade. Ainda assim, o trinitarianismo bartiano tem recebido críticas. Dentre elas, a de que a real distinção entre as três pessoas divinas parece gravemente comprometida por um cristocentrismo que tende a transformar-se sistematicamente em cristomonismo – um isolamento e abstração da segunda pessoa da Trindade. Eles também dizem: “Enquanto o modalismo pode ter sido um perigo que surgiu muito cedo na carreira de Barth, em seu entendimento da doutrina da Trindade, suas reflexões posteriores (como na CD IV/1) […] deixam muito claro o reconhecimento de Barth da realidade das distinções ontológicas entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Não há nenhuma dúvida sobre a ortodoxia de Barth [neste tópico] e o seu compromisso com a fé nicena da Igreja Primitiva”.

51 Da qual falou na CD I/1 e I/2. Na teologia de Barth, a Palavra de Deus é o conceito central. A Palavra de Deus vem até nós em uma forma tripla: a Palavra pregada, a Palavra escrita e a Palavra revelada. Correspondentemente, a Palavra é, por natureza, fala, ato e mistério – uma triplicidade que está presente em cada forma da Palavra de Deus. Essa triplicidade na unicidade e essa unicidade na triplicidade oferecem a única analogia à doutrina da Santa Trindade. Para um estudo mais aprofundado sobre esse tópico, cf.: Welerson Alves DUARTE. O problema contemporâneo das exposições do conceito triádico da Palavra de Deus em Karl Barth. 2001. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, (Dissertação de Mestrado).

52 Deve ser mencionado que Barth admitia que o conceito de inspiração verbal já estava presente na teologia da Igreja primitiva: em Atenágoras (Leg. Pro Christianos, 7, 9), no Pseudo-Justino (Coh. ad Graecos, 8), em Hipólito (De Antichristo, 2), em Clemente de Alexandria (Protrepticus, IX, 82, 1), em Gregório de Nazianzeno (Orationes, 2, 105) e, atravessando os séculos, em Martinho Lutero e João Calvino.

53 CD I/2 §19. Para uma exposição de sua exegese de 2 Tm 3.16 e sua refutação, ver os ensaios de: PACKER, J. I. A inspiração da Bíblia; e BROWN, Harold O. J. A inerrância e a infalibilidade da Bíblia. In: COMFORT, Philip Wesley (Ed.). A origem da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 1998. p. 49-75.

54 CD I/1 §4, p. 114.

55 Cf. GODOY SOBRINHO, Antônio de. A autoridade da Escritura em Karl Barth e Rudolf Bultmann. Revista Teológica Londrinense 1, p. 16-18, 2001.

56 Cf. especialmente BARTH, Karl. A proclamação do evangelho: homilética. São Paulo: Novo Século, 2001. Esse texto não é o texto revisado a partir das notas de Barth, publicado em 1966, com o nome de Homilética, mas o texto de 1963 produzido a partir de notas de seus alunos.

57 CD I/1 §7.

58 Cf. CD I/1 §4, p. 89-124.59 Cf. HÄGGLUND. História da teologia, p. 349. Barth evitou usar o termo “história da salvação” (Heilsgeschichte), preferindo o conceito de Geschichte Jesu Christi (“História de Jesus Cristo”).

60 COURTHIAL, Pierre. O conceito bartiano das Escritura. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, [s.d.]. p. 6. Nesse ponto, Barth se distanciou da crença na inerrância das Escrituras, tradicionalmente aceita na igreja cristã desde os primórdios. Cf. GERSTNER, John H. A doutrina da igreja sobre a inspiração bíblica. In: BOICE, James Montgomery (Ed.). O alicerce da autoridade bíblica. São Paulo: Vida Nova, 1989. p. 25-68.

61 Para uma avaliação mais aprofundada deste tópico, cf.: VAN TIL, Cornelius. Barth’s Christology. Philadelphia, PA: Presbiterian and Reformed, 1962, e Christianity and Barthianism, p. 13-29.

62 CD I/1 §4.

63 CD I/1 §1, p. 14.

64 CD II/1 §25, p. 55-56.

65 Emil Brunner negou o nascimento virginal de Cristo, em seu livro The mediator, Philadelphia: Westminster Press, 1947, p. 326. Ele o chamou de “curiosidade biológica” e viu uma possível conexão com o docetismo, porque essa doutrina fazia com que o Espírito Santo usurpasse a função do pai humano. Barth rejeitou os argumentos de Brunner chamando-os de “um mau negócio” (CD I/2 §15, p. 184).

66 CD I/2 §15, p. 134. Deve ser notado que Barth aceitou a definição de fé de Calcedônia (CD IV/1 §58, p. 133) e também a cláusula filioque (CD I/2 §16, p. 250). Cf. BARTH. Church Dogmatics: a selection with introduction by Helmut Gollwitzer, p. 92: “As definições dogmáticas da Igreja Primitiva relativas à relação da divindade e humanidade na pessoa de Jesus Cristo, ou às naturezas divina e humana de Cristo, não são consideradas por Barth como o resultado de uma distorção do cristianismo primitivo pela metafísica grega, mas como uma introdução insubstituível para a compreensão correta das declarações sobre Cristo encontradas no Novo Testamento. Prevenindo-se contra a distorção de que estas definições se referem a um estranho e maravilhoso Deus-homem, Barth as interpreta como sendo a descrição, não de uma essência estática, mas de uma ação de Deus que acontece em Jesus Cristo. Esta é o centro determinante do destino cósmico e humano”. Cf. também BOERSMA, Hans. Alexandrian or Antiochian? A dilemma in Barth’s Christology, Westminster Theological Journal, v. 52, n. 2, fall 1990, p. 263-280.

67 Para uma avaliação das posições no diálogo entre Barth e Brunner, cf. também: VAN TIL, Cornelius. The new modernism. Philadelphia, PA: Presbiterian and Reformed, 1947. p. 188-211, e o ensaio de GONZÁLES Justo. La teologia en las últimas décadas. In: MACKINTOSH, Hugh Ross. Corrientes teológicas contemporáneas; de Schleiermacher a Barth, p. 296-300. Para a história da reaproximação tardia entre Barth e Brunner, cf.: HESSELINK, I. John. Karl Barth and Emil Brunner – A tangled tale with a happy ending (or, the story of a relationship). In: MCKIM, Donald (Org.). How Karl Barth changed my mind, p. 131-142.

68 Cf. HÄGGLUND. História da teologia, p. 348-349. Para Barth, não existe analogia entis (analogia que parte do ser das coisas, postulada por Emil Brunner), mas somente a analogia fidei (a analogia que tem a revelação como ponto de partida), compreendida a partir da revelação da graça de Cristo. Encontramos, assim, uma redução cristológica aplicada à antropologia. Cristo seria, então, o sujeito e o objeto da imago Dei, o seu brilho e reflexo. Cf. também Euler R. WESTPHALL, A revelação exclusiva em Jesus Cristo numa realidade religiosa pluralista, Vox Scripturae 4/1, p. 139-141, mar. 1996: “A crítica de Barth é procedente à medida que as culturas e religiões são idealizadas, como se tivessem em si mesmas elementos de salvação. As culturas e religiões estão debaixo da marca do pecado, e elas são em si pródigas em criar opressões e maldades. O pecado como tragédia e responsabilidade humana também se mostra no âmbito das culturas, pois o pecado é um poder pessoal e as culturas também estão cativas sob o pecado como sujeito da maldade. Devemos tomar o cuidado de não colocar a revelação de Deus no mesmo nível da história, das religiões e das culturas, como o fez a ideologia do Nacional- Socialismo, contra a qual Barth se insurgiu com tanta paixão. A identificação pura e simples da história ou religião com a revelação cria patologias irreversíveis no seio da Igreja de Cristo”.

69 Cf. BARTH. Church Dogmatics: a selection with introduction by Helmut Gollwitzer, p. 93. Para a centralidade da doutrina da reconciliação e sua ligação com o pacto da graça em Barth, cf.: COCHRANE, Arthur C. A doutrina do pacto de Karl Barth. In: MCKIM, Donald (Org.). Grandes temas da tradição reformada. São Paulo: Pendão Real, 1998. p. 91-98.

70 CD III/1 §41, p. 53-54.

71 Cf. MCDONALD, H. D. Modelos de expiação na Teologia Reformada. In: MCKIM, Donald (Org.). Grandes temas da tradição reformada, p. 109.

72 Cf. MATOS, Alderi S. de. Edward Irving: precursor do movimento carismático na Igreja Reformada, Fides Reformata I/2, p. 8, jul.-dez. 1996. Reconhecendo explicitamente a contribuição do teólogo presbiteriano escocês, Edward Irving (1792-1834), Barth afirmou nos termos mais incisivos o caráter radical da humanidade de Jesus e, nesse sentido, argumentou que na encarnação o Filho não assumira uma humanidade perfeita, incorruptível, mas a própria natureza humana decaída. Se Jesus nasceu na história humana de uma mãe humana, ponderou, então o seu corpo necessariamente consistia de matéria que partilhava do caráter decaído do mundo (CD I/2 §15, p. 154).

73 Que Cristo foi ressuscitado dos mortos em um sentido literal é afirmado por Barth com as seguintes palavras: “Se Jesus Cristo não ressuscitou – corporal, visível, audível, perceptível, no mesmo sentido concreto em que morreu, como os textos mesmo o afirmam – se ele não é ressuscitado também, então nossa pregação e nossa fé são vãs e fúteis; ainda estamos em nossos pecados” (CD IV/1 §59, p. 351 e s). Para uma avaliação mais crítica, cf. VAN TIL, Christianity and Barthianism, p. 90-113.

74 CD IV/1 §63, p. 766.

75 CD IV/3 §69, p. 165 e s. “Ele dá ênfase especial à idéia da vitória de Cristo sobre os adversários demoníacos da humanidade, tanto pessoais como cósmicos.” Sobre isso ver: BLOESCH, Donald G. Jesus is Victor! Karl Barth’s doctrine of salvation. Nashville, Tennesse: Abingdon, 1976. p. 24 e s. e 41 e s.

76 CD IV/1 §58, p. 124.

77 CD II/1 §25, p. 152.

78 Ainda assim, “por toda parte ele revela afinidades com a concepção de satisfação de Anselmo: Cristo suportou a penalidade do pecado da humanidade em todo o seu ser, humano e divino; ambos concorreram para tornar eficaz a obra de Cristo. Há um cunho jurídico na afirmação de que: ‘Portanto, ele sofreu por todos os homens o que todos os homens tinham de sofrer: seu fim como agentes do mal; sua ruína como inimigos de Deus; sua eliminação em virtude da superioridade do direito divino sobre seu erro’ (CD IV/1 §61, p. 552-553). Barth declara ainda que Jesus Cristo ‘não carregou somente a inimizade do homem contra a graça de Deus, revelando-a em toda a sua profundidade. Ele carregou também o fardo muito maior da justa ira de Deus contra aqueles que eram inimigos de sua graça, a ira que tinha de ser descarregada sobre nós’ (II/1 §26, p. 152). ‘Em seu próprio Verbo feito carne, Deus ouve que sua justiça foi satisfeita, que as conseqüências do pecado humano foram carregadas e expiadas e que, portanto, elas foram extirpadas do homem – o homem pelo qual Jesus Cristo intercedeu’ (II/1
§30, p. 403)”. Cf. MCDONALD. Modelos de expiação na Teologia Reformada, p. 109.

79 Cf. CD IV/1-2.

80 BERKOUWER, G. C. The triumph of grace in the theology of Karl Barth. Londres: The Pater- noster Press, 1956. p. 317.

81 Para uma crítica das tensões na doutrina da reconciliação bartiana, cf.: FORDE, Gerhard O. A obra de Cristo. In: BRAATEN, Carl E.; JENSON, Robert W. (Org.). Dogmática cristã. São Leopoldo: Sinodal & IEPG, 1995. v. 2, p. 83-85: “Em seu desejo de superar a teologia antropocêntrica do século XIX e sua expiação ‘subjetiva’, Barth corre o risco de remover a expiação completamente da esfera humana. […] Barth penetra com a razão no acontecimento da revelação e descobre que antinomias supostamente resolvidas pela vida, morte e ressurreição de Jesus foram colocadas e superadas ‘já’, ou de modo transcendente, em Deus. Tudo está antecipado e estabelecido na decisão de Deus de eleger, de ser conhecido como um Deus de graça. Criação, queda e redenção são simplesmente a explicitação, no tempo, dessa decisão. O resultado disso é que nunca se está inteiramente certo se o acontecimento histórico da cruz é vitória efetiva ou apenas a revelação ou manifestação da vitória eterna de Deus. Barth evidentemente gostaria de evitar essa alternativa e quer de algum modo dizer ambas as coisas. Se a decisão de Deus consiste em fazer-se conhecido como um Deus da graça, então a vitória já está assegurada por essa decisão prévia, mas ao mesmo tempo só pode ser implementada sendo feita historicamente, tornando a decisão conhecida na vitória histórica de Jesus. A decisão consiste em fazê-lo. Disso resulta uma certa oscilação na doutrina de Barth, em que se diz primeiro uma coisa e depois a outra”.

82 CD II/2 §32-35, p. 1-563.

83 A. D. R. POLMAN, Barth. Recife: Cruzada de Literatura Evangélica do Brasil, 1969, p. 40.

84 Cf. JENSON, Robert W. O Espírito Santo. In: BRAATEN, Carl E.; –––––– (Org.). Dogmática cristã, v. 2, p. 150-151.

85 Cf. HENRY. Fronteiras na teologia moderna, p. 62: “[Diferente dos] eruditos da Heilsgeschichte [que] insistiam na revelação histórica, procurando situar as manifestações divinas na própria linha temporal dos acontecimentos sagrados […] Barth absorveu a história no escopo dos decretos de Deus e procurou esvaziá-la de qualquer conteúdo de revelação, situando a justificação na criação e contemplando todos os homens como compreendidos na eleição no homem Jesus”.

86 CD II/2, §32-34.

87 BERKOUWER. The triumph of grace in the Theology of Karl Barth, p. 279.

88 POLMAN. Barth, p. 41. Este autor ainda diz: “A doutrina da predestinação segundo Barth fica de pé ou cai com a suposição de que Jesus Cristo é o sujeito e o objeto da eleição. Todavia, na Escritura não lemos que Jesus é o sujeito da eleição”. Cf. também VAN TIL, Cornelius. Barth’s Christology. Philadel- phia, PA: Presbiterian and Reformed, 1962. p. 12-14 e 24-27.

89 Cf. HÄGGLUND. História da teologia, p. 347-348.

90 Cf. BROMILEY, G. W. Karl Barth. In: HUGHES, Philip E. (Org.). Creative minds in contempo- rary theology. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1966. p. 55-59. Dentre aqueles que o viram mais positivamente estão: G. C. Berkouwer, E. J. Carnell, Colin Brown, Bernard Ramm, Klass Runia, G. W. Bromiley, J. I. Packer, George Ladd, Carl F. H. Henry, F. F. Bruce, Donald Bloesch e Klaus Bockmuehl.

91 Cf. BROMILEY. Karl Barth, p. 59. Cf. também BROWN. A opção conservadora. Teologia contemporânea, p. 343-344: “Karl Barth, cuja posição teológica fundamental está fora de harmonia com o evangelicalismo bíblico, é um caso típico. Poucos daqueles que conheciam o homem ou suas obras, que tinham consciência da sua humildade pessoal e da sua disposição para dar um testemunho simples do Senhor Jesus Cristo como seu Salvador, poderiam negar que revelava muitas evidências de uma fé salvadora. Mesmo assim, seu método teológico, bem como o sistema que construiu, embora certamente sejam a produtividade teológica mais impressionante desde Calvino, deixou de fazer qualquer impressão permanente sobre o restante do mundo teológico ou de seus colegas não-teológicos. Pior ainda, muitos daqueles que foram seus alunos adotaram posições que discordavam radicalmente com aquela que o próprio Barth adotou. […] Uma teologia defeituosa talvez não destrua a fé salvadora de um indivíduo, nem seu relacionamento pessoal com Cristo; mas fará com que seja difícil ou impossível para ele transmitir ou ensinar as verdades da fé para aqueles que o sucedem. Muita coisa que é chamada teologia moderna ou contemporânea é somente uma reação, tomando sua força da ortodoxia ‘morta’ à qual se opõe. Tão logo pareça vitoriosa, morre, ou é transformada nalguma coisa que é ainda menos reconhecível como ensino cristão. A ortodoxia, por contraste, por mais ressequida e desagradável que venha a ser ao paladar, sustenta, apesar disto, as verdades fundamentais e salvíficas da revelação bíblica. Logo, continuamente volta à vida, mesmo após seus encontros mais humilhantes com a dúvida, a indiferença, a hipocrisia, e a descrença”.

92 Cf. BROMILEY. Karl Barth, p. 51-55: Dentre os evangélicos que o viram mais negativamente estão: Cornelius van Til (que o acusou de ser um “criptoliberal”), Gordon Clark, John Gerstner, R. C. Sproul, Norman Geisler (que o acusaram de irracionalismo teológico), Charles Ryrie, Francis Schaeffer, Harold Brown e John W. Montgomery. É interessante notar que Barth não respondeu a perguntas feitas a ele por Gordon Clark, Fred Klooster e Cornelius van Til sobre tópicos controvertidos de sua teologia. Cf. FANGMEIER, Jürgen; STOEVESANDT, Heinrich (Org.). Karl Barth; Letters 1961-1966. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1981. p 342-343. Cf. também sua resposta magoada e algo irônica a Geoffrey Bromiley, p. 7-8, nesta mesma obra. Para outras críticas, especialmente por parte de teólogos e filósofos reformados holandeses, cf. CORNELIUS VAN TIL, Christianity and Barthianism, p. 117-200.

93 Cf. BROMILEY, G. W. Historical Theology: an introduction. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978. p. 420-421.

94 Cf. BLOESCH, Donald. Karl Barth: appreciation and reservations. In: MCKIM, Donald (Org.). How Karl Barth changed my mind, p. 128. Cf. também BROMILEY. Historical Theology: an introduc- tion, p. 437.

95 Cf. RAMM, Bernard. A teologia de Schleiermacher a Barth e Bultmann. In: GUNDRY, Stanley (Org.). Teologia contemporânea, p. 36-40. É interessante notar que Barth, mesmo reafirmando lealdade primária a Calvino e à tradição reformada, geralmente tomava o lado de Lutero em questões específicas, geralmente ligadas ao método teológico, principalmente pelo caráter paradoxal (ou dialético) da teologia do reformador alemão. Para esse aspecto específico da teologia de Lutero, cf.: GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1993. p. 63-74.

96 Esta terceira geração não é mencionada, por exemplo, em Carlos Caldas Filho, O último missionário,
São Paulo: Mundo Cristão, 2001, p. 35-45.

97 Cf. CUNHA, Carlos; BITTENCOURT FILHO, José (Org.). De dentro do furacão: Richard Shaull e os primórdios da teologia da libertação. São Paulo: Sagarana; CEDI; CLAI, 1985, especialmente p. 19-48. Cf. também a nota de falecimento, por Antônio Gouvêa de Mendonça, na Revista Teológica [do Seminário Presbiteriano do Sul], v. 62, n. 54, p. 121-124, jul.-dez. 2002.

98 POLMAN. Barth, p. 77-78.

 

Fonte: Portal Mackenzie - mackenzie.br


Gostou do artigo? Comente!
Nome:

E-Mail:

Comentário:



- Nenhum comentário no momento -

Desde 3 de Agosto de 2008