Categoria: Biografias
Imagem: Gravura representando John Eliot pregando para os indígenas norte-americanos / Imagem: Biblical eLearning
Publicado: 24 de Março de 2024, Domingo, 00h09
Por: Márcio Davi Ferreira da Cunha
Monografia apresentada ao Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília para a obtenção do grau de bacharel em História, sob a orientação do Prof. Dr. Jaime de Almeida.
Resumo
Esta monografia tem por objetivo apresentar a vida de John Eliot (1604-1690), com um enfoque no trabalho missionário que ele realizou entre os índios da Nova Inglaterra. Partindo de sua infância e juventude na Inglaterra até a sua ida à América. Observando a formação pessoal e acadêmica que permitiu a Eliot desenvolver o trabalho de cristianização dos índios. Também serão tratados o método usado por John Eliot para levar o Evangelho aos índios e a receptividade dos índios para com a mensagem pregada. O surgimento de algumas cidades convertidas também será um assunto abordado. Todos esses pontos, sem perder o foco na vida de John Eliot, o apóstolo dos índios – como era chamado. Visando, por fim, introduzir no debate historiográfico brasileiro essa figura missionária que teve um grande impacto, mas é praticamente desconhecida entre nós.
Introdução
Quando se fala em colonização e evangelização de índios, logo vêm à nossa mente os inúmeros exemplos de experiência evangelística na América Latina ou no Canadá. Todos protagonizados pelas companhias católicas de evangelização. E os Estados Unidos acabam ficando à parte, juntamente com os exemplos de evangelização indígena promovida pela então recente igreja protestante. E de fato os exemplos de cristianização indígena na história da colonização inglesa da América do Norte são escassos, assim como na história protestante – puritana. Entretanto, embora escassos, eles não são inexistentes.
Depois da reforma protestante de 1517, os adeptos dessa nova vertente do cristianismo foram perseguidos em toda a Europa. Incluído na Inglaterra. Os recém descobertos territórios do continente americano, que seriam colonizados, eram um lugar perfeito para receber esses protestantes, chamados puritanos na Inglaterra, que buscavam abrigo das perseguições religiosas. A Nova Inglaterra, como era chamada a colônia, era um lugar de liberdade religiosa. As colônias do Norte tiveram início com a chegada do navio Mayflower, que levava os dissidentes religiosos, em 1620. Chegando lá, no local que recebeu o nome de Plymouth, os colonizadores teriam muito trabalho pela frente, construindo sua civilização e se adaptando a um novo estilo de vida naquele lugar. Tanto trabalho que os levou a ignorar o mandamento bíblico de pregar o evangelho a toda criatura (Marcos 16:15). Essas criaturas eram os povos nativos, os índios. Para os colonos, eles eram criaturas selvagens, bestializadas, incivilizadas. Todos esses fatores contribuíram para a omissão evangelística dos puritanos.
Em 3 de novembro de 1631, porém, desembarca na colônia o homem que mudaria essa realidade e dedicaria a sua vida à evangelização e cristianização dos índios. John Eliot. Aqui, então, surge um exemplo de evangelização indígena na história da Anglo-América dirigida pelo cristianismo protestante, que embora pouco conhecido, foi grandioso.
É da experiência evangelística de John Eliot, em meio a todas as dificuldades e desafios que a vida em uma jovem colônia podia oferecer, que o seguinte texto tratará. Observaremos, portanto, o trabalho de John Eliot no contexto geral de sua vida e na colônia.
O trabalho, por conseguinte, tem como objetivo expor um panorama da vida de John Eliot com um enfoque em seu trabalho de cristianização dos índios. E é esperado que ao fim da pesquisa seja possível compreender a dimensão da obra de evangelização na vida de Eliot, a forma ou o método que Eliot usava para evangelizar os índios, a reação dos índios ao cristianismo, o nível de aceitação do cristianismo por parte deles e a relação desse trabalho de evangelização com a colônia e com a Inglaterra. Além disso, o trabalho tem a finalidade de introduzir a figura de John Eliot e o seu modelo de evangelização protestante no debate historiográfico brasileiro, uma vez que esses exemplos missionários protestantes, além de raros, são quase desconhecidos entre nós.
Para desenvolver o trabalho, foram analisadas fontes primárias, fontes secundárias, comentadores e biógrafos de John Eliot, buscando encontrar os sujeitos, seus atos e suas circunstâncias, para alcançar os objetivos desejados da pesquisa. E procurando base suficiente para futuras pesquisas na área, visando um maior aprofundamento nesse tema.
A Vida de Eliot Antes do Contato com os Índios
John Eliot nasceu no ano de 1604 em uma vila chamada Nazeing no condado de Essex, na Inglaterra. Filho de Bennett Eliot e Letteye Aggar. Não se tem muitas informações acerca de sua família ou de sua infância, mas sabe-se que seus pais eram cristãos devotos e o ensinaram a seguir essa devoção com uma educação cristã seguida de seu exemplo pessoal. Nas palavras do próprio Eliot: “I do see that it was a great favor of God to me that my first years were seasoned with the fear of God, the word and prayer.” (ELIOT, 1809).
John Eliot estudou na Universidade de Cambridge e, embora não se tenha relatos de sua vida na academia, sabe-se que ele tinha facilidade no aprendizado de teologia, adquiriu muito conhecimento nas línguas originais da Bíblia, hebraico e grego, e se aprofundou no curso de estudos liberais, além de ser um excelente gramático.
Após deixar a universidade, Eliot começou a lecionar. Ele foi contratado como professor assistente na escola primária de Little Baddow, Essex. Essa escola foi aberta por Thomas Hooker – notável pregador e fundador da colônia de Connecticut. Eliot trabalhou como assistente do próprio Hooker. Esse emprego lhe trouxe proximidade junto a Thomas Hooker e isso foi importante para a formação de seu caráter e princípios. Hooker ensinou John Eliot a sua forma de interpretar as doutrinas e os deveres da religião cristã. (MOORE, 1822).
A experiência pessoal de John Eliot em Little Baddow foi marcante e essencial para sua formação como pessoa e como ministro. A convivência com Thomas Hooker mudou completamente sua vida, levando-o a seguir os passos de Hooker pelo ministério puritano (ou não conformista). A própria percepção de Eliot sobre esse período de sua vida nos deixa claro quão importante foi para sua formação:
To this place I was called, through the infinite riches of God’s mercy in Christ Jesus to my poor soul, for here the Lord said unto my dead soul, Live; and, through the grace of God, I do live, and I shall live forever! When I came to this blessed family, I then saw, and never before, the power of godliness in its lively vigour and EFFICACY. (COTTON, 1702, p. 305).
Agora como um ministro puritano, John Eliot se depara com seu primeiro obstáculo. A Inglaterra estava quase completamente fechada para o cristianismo puritano, duramente perseguido pelo rei Jaime I. Diante desse cenário, caso Eliot permanecesse na Inglaterra, seu ministério deveria ser exercido na clandestinidade e com a ameaça constante de a qualquer momento ser pego e sofrer as represálias reais. Ainda assim, ele permanece na Inglaterra até ver seu amigo e mentor Thomas Hooker se mudar para a Holanda, fugindo das perseguições e sanções reais. E no caso de John Eliot, diz-se que a perseguição extrapola o campo ministerial e se estende também ao profissional, sendo ele impedido de continuar dando aulas na Inglaterra. (NEAL, 1811).
Não vendo mais chances de levar sua vida como ministro em sua terra natal e impedido até de lecionar, John Eliot decide partir rumo à Nova Inglaterra, local onde muitos ministros ingleses se valeram de refúgio e mantiveram sua liberdade religiosa. Assim, aos seus 27 anos de idade e com uma basilar formação acadêmica, profissional e espiritual – como discípulo de Hooker – Eliot embarca no navio Lyon com a companhia de mais 60 pessoas e, no dia 3 de Novembro de 1631 ancora no porto de Boston. Dentre os passageiros, se encontravam a esposa e os filhos do governador local John Winthrop e, por esse motivo, a embarcação foi especialmente recepcionada com uma grande demonstração de alegria e todo o possível foi feito para dar aos passageiros uma recepção agradável, incluindo a John Eliot. (WINTHROP, 1908)
Recém-chegado à América, John Eliot busca seguir seu propósito de colocar em prática o ministério cristão para o qual havia se preparado. Ele se dirige à igreja local “Primeira Igreja de Boston”. E encontra uma igreja em que o pastor, John Wilson, havia se ausentado em função de uma viagem para a Inglaterra. Para preencher sua ausência, Wilson designou aqueles a quem ele julgava mais competentes para o exercício da liderança ministerial: o governador John Winthrop, o vice-governador Thomas Dudley e o ancião Increase Nowell. Neste cenário, Eliot se apresenta àquela igreja e em pouco tempo é designado pelo governador para assumi-la até o retorno de Wilson. (The Records of the First Church in Boston, 1631).
Antes de deixar a Inglaterra, Eliot havia se comprometido com uma jovem chamada Anne Mountfort. Ela chega à Nova Inglaterra alguns meses após Eliot e eles se casam em outubro de 1632. O casamento se estende por toda a sua vida até a morte de Anne, em 1687, três anos antes da morte de Eliot. (ELIOT, 1854)
Os membros da igreja de Boston gostaram muito de John Eliot como ministro e expressaram o desejo de mantê-lo permanentemente como professor e auxiliar, após o retorno de Wilson. Entretanto, a permanência dele naquela igreja não foi possível. Antes de deixar a Inglaterra, Eliot já exercera a função de ministro e tinha muitos discípulos. Quando ele comunicou a esses membros que deixaria a Inglaterra rumo à América, alguns demonstraram interesse em segui-lo, por isso Eliot prometera que se eles o seguissem, ele seria seu ministro e o faria com devoção, desde que ainda não estivesse comprometido com nenhuma igreja. Por esse motivo Eliot se associa à igreja de Roxbury e em 5 de novembro de 1632 é estabelecido ali como professor. Em Roxbury, Eliot encontra um ambiente cristão favorável, pois grande parte da membresia já era conhecida dele. Logo, ele tinha a confiança dos membros da igreja e vice-versa. Eliot ocuparia o cargo de professor da igreja de Roxbury até o fim de sua vida. (COTTON, 1702).
Não muito tempo após Eliot se mudar para Roxbury, ele enfrentou um certo problema em função de alguns comentários honestos, mas imprudentes que ele fez a respeito de um tratado político que visava a paz entre os colonos e a tribo Pequot. Em outubro de 1634, um mensageiro da tribo Pequot se reuniu com o vice-governador com o objetivo de celebrar o tratado de paz entre a tribo e os colonos de Massachusetts. (WINTHROP, 1908).
Os Pequot estavam em guerra com outra tribo, os Narraganset, e com os holandeses. Logo, o objetivo que se tinha com esse tratado era manter a segurança das relações amistosas com os ingleses, ou até um suporte direto deles no conflito. A resposta do vice-governador ao mensageiro pequot foi a de que ele queria negociar com pessoas do alto escalão da tribo e não com o mensageiro.
No mês seguinte, dois embaixadores pequot se apresentaram para negociar. Eles traziam presentes da tribo. O vice-governador os acompanhou até Boston, onde os colonos estavam na igreja fazendo a leitura bíblica semanal e o auxiliariam nas negociações. O fato de já estarem reunidos na igreja oportunizou uma consulta ao clero, o que era comumente feito em transações importantes do Estado. Depois de deliberarem, os colonos aceitaram a oferta, mas sob certas condições, como entregar os índios pequot que haviam assassinado o capitão Stone e alguns outros ingleses tempos atrás, auxiliar em uma plantação na colônia de Connecticut e entregar 40 castores e 30 peles de lontra. (WINTHROP, 1908).
Nesses termos, o governo da colônia consentiu em estabelecer um tratado de amizade e paz com os Pequot, mas não uma aliança de defesa contra seus inimigos.
Era comum à época que os ministros tratassem no púlpito das igrejas de matéria de interesse público, por sua preocupação com o bem do povo. Diante disso, Eliot pensou que fosse seu dever propor a anulação desse tratado durante um sermão em Roxbury. Ele culpou os ministros e os magistrados por aconselharem o governador na celebração do tratado com os Pequot dessa maneira. E o fundamento de sua crítica ao tratado de paz celebrado pelo governador era que não houvera o consentimento do povo. O povo não fora consultado.
As censuras feitas por Eliot foram consideradas muito ofensivas. Foi vista em sua fala um menosprezo aos magistrados e em suas ideias uma certa hostilidade à boa ordem. Dado o prestígio social que John Eliot tinha, a apreensão e preocupação dessas autoridades eram naturais.
O motivo da insatisfação com a fala de Eliot deve ter sido agravado em função de um movimento que ganhou força no mesmo ano, 1634, que reivindicava uma parcela maior do governo para o povo a partir da instituição de um órgão representativo formado por algumas pessoas das várias cidades da colônia de Massachusetts. Assim, quando Eliot falava do consentimento do povo como sendo necessário para a elaboração do tratado, é provável que ele estivesse fazendo menção a esse desejado órgão representativo. (MOORE, 1822).
Diante disso, o governador nomeou Hooker, Welde e Cotton para conversarem com Eliot, convencê-lo de seu erro e induzi-lo a se retratar. Eles conversaram com Eliot e ele admitiu que havia formado uma visão incorreta sobre o assunto e que sua opinião estava errada. Ele reconheceu que, por ser um tratado de paz e não uma declaração de guerra, os magistrados e o governador podiam agir de ofício, sem consulta ao povo. Então, Eliot se retratou em seu púlpito e a explicação de seu novo ponto de vista foi bem aceita e considerada satisfatória.
E embora Eliot concordasse com uma maior participação popular, ele retrocedeu em suas declarações também para aliviar os ânimos exaltados dos magistrados e evitar insatisfação ou resposta popular ao tratado, buscando a manutenção da paz pública. Ainda assim, nada leva a crer que ele tenha abjurado do princípio geral de maior participação popular. (HUBBARD, 1848).
Alguns anos mais tarde, em 1637, a colônia vivenciou o marcante caso de Anne Hutchinson. Anne foi julgada pelo que acreditava e pregava. A principal heresia atribuída a ela foi o antinomianismo – doutrina que exalta somente a graça de Deus, deixando de lado a lei divina.
Assim, em agosto de 1637, foi convocada uma assembleia por ordem do tribunal geral e essa assembleia analisou as doutrinas e condutas de Anne Hutchinson e as condenou em uma lista com 82 apontamentos de erro. Três meses depois, ela foi levada ao tribunal para ser julgada por um grupo de anciões.
Na ocasião desse julgamento, John Eliot aparece entre as testemunhas contra ela. Todos os líderes da igreja discordavam de Anne e tinham por objetivo censurar e reprimir suas ideias, com exceção dos ministros John Cotton e John Wheelwright, que testemunharam a favor dela.
Após o início de julgamento, Eliot relatou que tinha ouvido algumas das conversas de Hutchinson e as havia anotado para não esquecê-las. No segundo dia de julgamento, Anne exige que as testemunhas arroladas fossem juramentadas. Isso gerou certa discussão por alguns acharem o procedimento desnecessário, mas Eliot e as outras testemunhas não se opuseram e o julgamento teve continuidade. (WINTHROP, 1908).
Durante o julgamento, Anne falava com muita convicção sobre suas ideias e revelações sobrenaturais que Deus lhe fazia. Diante das falas dela, Eliot se opôs, afirmando que a Bíblia já trazia uma expectativa das coisas prometidas e o que estivesse fora disso, deveria ser considerado errado. O governador, por sua vez, pediu cautela a Eliot e disse que não se deve limitar a palavra de Deus.
Então, um dos deputados presentes referiu-se a uma revelação que Thomas Hooker tivera enquanto estava na Holanda, em que ele viu destruição se aproximando da Inglaterra. Eliot reagiu à afirmação desse deputado com veemência dizendo que aquela fala não era fiel ao o pensamento e opiniões de Hooker. E durante todo o resto do julgamento, Eliot se manteve inflexível e severo, pois acreditava que estava cumprindo seu dever com Deus e com a igreja. (COTTON, 1702).
O julgamento foi encerrado e Anne Hutchinson foi condenada à pena de banimento da colônia – anos mais tarde, Hutchinson estava morando na colônia de Nova Iorque quando ela e seus filhos foram mortos em função de um ataque indígena. Além disso, um de seus filhos havia nascido com uma deficiência. Para os moradores de sua antiga colônia, esses acontecimentos soaram como um castigo divino por suas heresias.
Eliot permanecia à frente da igreja de Roxbury e em 1639, uma de suas preocupações era a salmodia da igreja. Para solucionar esse problema, ele juntou os líderes civis e eclesiásticos para decidirem sobre uma nova versão dos salmos para o uso no culto público. E John Eliot, Richard Mather e Thomas Welde foram destacados para tal tarefa, uma vez que eles eram bem qualificados em função do amplo conhecimento que eles tinham do hebraico. O resultado final do trabalho deles foi intitulado “Os Salmos em metro, fielmente traduzidos para o Uso, Edificação e Conforto dos Santos em público e privado, especialmente na Nova Inglaterra.” A impressão da obra foi feita em Cambridge, 1640, por Stephen Daye. A obra recebeu algumas críticas desfavoráveis por considerarem que a tradução deveria se aproximar o máximo possível do original ao invés de ser alterada para soar mais poética e ter a métrica correta. (COTTON, 1702).
Os Salmos traduzidos por Eliot, Welde e Mather foi o primeiro livro impresso nas colônias inglesas da América – no ano anterior já haviam sido impressos um juramento e um almanaque. (The History of Printing, 1855).
A Obra Missionária de Eliot com os Índios
Quando os ingleses chegaram ao continente Norte Americano, se depararam com os índios que já habitavam a terra. Os colonos agora teriam por vizinhança esses homens cujo idioma, hábitos, modo de vida e religião lhes eram desconhecidos.
Desde seu estabelecimento, os colonos mantiveram uma relação muito tênue com os autóctones, repleta de conflitos. Esses colonos, em sua maioria protestantes, nunca concentraram esforços para evangelizar, cristianizar os índios, embora esse fosse um anseio da colônia. Ainda assim, existiam casos isolados de índios se convertendo, a exemplo do Sagamore John e de um nativo chamado Hiacoomes. (HAZARD 1792).
Em 1646, a postura dos colonos muda. É aprovada uma ordem pelo Tribunal de Massachusetts para promover a difusão do cristianismo entre os índios. E os anciões ficam incumbidos de considerar a melhor forma de realizar tal projeto. A partir daí, Eliot passa também a se empenhar nesse projeto.
John Eliot sentia uma profunda preocupação pela condição moral dos índios. Essa preocupação se dava, em grande parte, por sua crença de que os índios seriam descendentes das tribos perdidas de Israel – essa era uma teoria bem aceita dentre as diversas outras sobre a origem dos nativos. (American Annals vol. I)
Eliot se empenha em aprender a língua indígena. Para conseguir isso, ele conta com a ajuda de um dos nativos, que sabia falar inglês – esse nativo é mencionado no final da Gramatica indígena escrita por Eliot como “a pregnant-witted Young man, who had been a servant in an English house, who pretty well understood his own language, and had a clear pronunciation.” Ele levou esse índio – supostamente chamado Drake – para dentro de sua casa, em meio a sua família. Assim, o contato diário com o idioma algonquin familiarizaria Eliot o suficiente com o vocabulário e construção frasal em pouco tempo. Eliot, então, traduziu os dez mandamentos, a oração do Senhor e várias outras passagens bíblicas, além de escrever sermões de autoria própria. (WINSLOW, 1649).
O aprendizado do idioma, entretanto, não foi fácil, principalmente em função da riqueza vocabular e da complexidade das estruturas frasais e de algumas palavras muito extensas que dificultavam muito na formação de frases. As traduções também apresentavam obstáculos. O principal deles era fazer com que o discurso moral e as ideias apresentadas, inclusive as metafísicas, fossem traduzidos de forma compreensível para os índios se valendo das palavras existentes em seu léxico.
Outro ponto de dificuldade encontrado por Eliot foi o aprendizado sem o auxílio de material escrito ou impresso, uma vez que o idioma só contava com a modalidade falada. Assim, somente a partir da comunicação oral com seu professor e com outros índios, Eliot teorizou as estruturas e os modos de construção das frases. Ele também listou verbos e procurou por todas as conjugações possíveis. Com isso, ele alcançou as regras gerais do algonquin e escreveu a primeira gramática dessa língua. Para isso ele também teve que analisar as pronúncias e a fonética do idioma para que ele pudesse ser escrito.
Já com um domínio mais avançado do idioma e da cultura algonquin, Eliot deu continuidade à sua obra de pregar o cristianismo aos nativos da Nova Inglaterra. Em função de seus estudos, Eliot e os índios de Nonantum já estavam bem familiarizados. Ele já conhecia muitos deles pessoalmente e contava até com o afeto de alguns. Esse contato permitiu que Eliot tomasse conhecimento da visão que aquele grupo de índios tinha dos colonos. Eles expressavam admiração pelos hábitos da “vida civilizada” dos ingleses e se mostravam inclinados a adotar costumes similares. Eliot foi surpreendido por essa declaração e explicou aos índios que o motivo desta superioridade era o conhecimento do Deus verdadeiro e o costume de se manter pelo trabalho regular. Em seguida, Eliot se dispôs a visitá-los em suas aldeias e ensinar-lhes, juntamente com suas esposas e filhos, as verdades do cristianismo. Essa promessa foi recebida com alegria pela tribo. (SHEPARD, 1865).
No dia 28 de outubro de 1646, Eliot e mais três colonos, Thomas Shepard, Daniel Gooking e John Wilson foram a Nonantum visitar a aldeia. Ao chegar lá, eles foram recebidos por Waban, o líder da tribo. Waban havia demonstrado grande interesse pela instrução religiosa e se propôs a permitir que seu filho mais velho fosse educado pelos colonos.
Os índios se reuniram próximo à cabana de Waban juntamente com Eliot e seus três acompanhantes. Naquele local seria proferido um sermão para os índios. A primeira oração foi feita em inglês e o sermão seria proferido em algonquin por Eliot – com Drake por perto, caso Eliot precisasse de um auxílio para se fazer claro em algum momento. A mensagem havia sido preparada previamente com o intuito de ser clara e inteligível para os índios.
O sermão teve por base a passagem de Ezequiel 37 versos 9 e 10. E, com base na passagem, sempre que Eliot dizia “diga ao vento”, ele acabava dizendo “diga a Waban”, uma vez que waban significava vento. Durante sua mensagem, Eliot frisou que se referia ao vento e não à pessoa de Waban. Ainda assim os índios mostraram surpresa pela coincidência. (SHEPARD, 1865).
Eliot, em seu sermão, também declarou e explicou aos moradores da tribo algumas das principais verdades da religião cristã. Ele falou sobre os dez mandamentos e as consequências de desobedecê-los. Também falou da criação e queda do homem, da grandeza de Deus, dos meios de salvação por Jesus Cristo, da felicidade dos crentes fiéis e a miséria final dos ímpios. Ao fim do sermão, Eliot perguntou aos índios se eles haviam entendido e eles responderam positivamente. Então Eliot convidou-os a propor questões ou dúvidas e surgiram questionamentos como: o que fazer para conhecer Jesus; se Deus entenderia as orações na língua algonquin (Shepard observa em sua obra, Clear sun-shine of the gospel, que talvez essa pergunta tenha sido feita pelo fato de a oração inicial ter sido proferida em inglês.); como poderia haver uma imagem de Deus se o quarto mandamento as proibiam; como podem existir tantas pessoas no mundo, se todas se afogaram no dilúvio. As perguntas surpreenderam John Eliot, pois mostravam o grande nível de compreensão por parte dos índios. E todas as perguntas foram respondidas.
Em seguida, Eliot levantou alguns questionamentos para os índios, no intuito de esclarecer ainda mais a mensagem e testar o quanto eles haviam absorvido dela. Ele perguntou aos índios se eles gostariam de ver a Deus e se duvidavam da existência dele por não poderem vê-lo. E a resposta foi positiva, afirmaram que não podiam vê-lo com os olhos do corpo, mas somente com os olhos da alma. Então Eliot perguntou se eles conseguiam acreditar que Deus está em muitos lugares diferentes ao mesmo tempo e a resposta foi novamente positiva – para ilustrar a omnipresença divina, o pregador comparou-a à luz do Sol que ilumina a todos ao mesmo tempo. E por fim, Eliot perguntou o que eles sentiam quando faziam algo de errado e eles responderam que sentiam angústia e tristeza. E assim se encerrou a visita dos colonos à tribo. Eles se despediram e receberam alguns presentes dos índios – maçãs e tabaco.
Mais tarde, no dia 15 de novembro, Eliot e sua comissão retornaram à tribo de Waban. A reunião foi mais numerosa que a anterior e ocorreu nos moldes da primeira. Eliot deu pedaços de bolo e maçãs para recompensar a participação das crianças na reunião. E novamente proferiu o sermão em algonquin e a reunião terminou com dúvidas, perguntas e respostas. E foi encerrada com uma oração na língua dos índios – principalmente para reforçar a ideia de que Deus entende todas as línguas. (WINTHROP, 1908).
Quando os colonos retornaram pela terceira vez à tribo, 26 de novembro, eles souberam que alguns índios tinham sido, por parte de alguns dos sacerdotes da tribo, persuadidos e ameaçados para não participarem mais das reuniões. Ainda assim a reunião aconteceu como de costume e Eliot aproveitou a situação para advertir os presentes contra as tentações do diabo. (GORHAM, 1858).
Alguns dias depois da reunião, um índio chamado Wampas foi até a casa de Eliot em Roxbury. Ele levou seu filho e outras três crianças e pediu que eles ficassem com os colonos para que fossem educados e passassem a conhecer a Deus. Então Eliot acolheu as crianças e firmou um acordo com Wampas. Vieram ainda outros dois jovens que queriam trabalhar em alguma família inglesa a fim de se aproximarem mais dos costumes e religião cristã.
Eliot também havia recebido uma notícia de que após a última reunião, Waban estava explicando o assunto de seu sermão a outro índio e que havia passado parte da noite orando.
No dia 9 de dezembro foi realizada uma nova reunião na tribo. E foi relatado a Eliot que os índios estavam sofrendo perseguições dentro da aldeia – estavam fazendo piadas por estarem se comportando como os ingleses. E durante a reunião John Eliot instruiu novamente esses índios.
Além disso, os índios que estavam na reunião ofereceram seus filhos para serem educados pelos colonos. Diante disso, Eliot começou a planejar e preparar o estabelecimento de uma escola próxima à aldeia. Ele dava grande importância à educação das crianças.
Ele estava surpreso com a acepção do cristianismo por parte dos nativos, mas ainda assim agia com cautela quanto à real conversão deles. E Eliot continuou pregando àqueles índios na esperança de que a boa semente, semeada em um solo até então seco e estéril, brotaria e renderia frutos verdadeiros. (SHEPARD, 1865)
O cuidado de John Eliot pelos índios não se limitou ao ensino religioso. Para ele, também era preciso investir na civilização e progresso social dos índios para que os avanços obtidos na área espiritual tivessem efeitos permanentes. Em conformidade com essa visão, ele se esforçou para abrir uma escola em meio aos índios, com o objetivo de gradualmente introduzir o modo de vida e o arranjo social inglês naquela tribo. Outro passo tomado foi o estabelecimento de um assentamento em local mais próximo à Roxbury para morarem os índios que haviam se convertido. Waban lideraria o grupo. E para reger o assentamento, algumas leis foram criadas pelos índios – com o auxílio de Eliot – baseadas em hábitos já existentes na tribo e nos mandamentos divinos, com o objetivo de promover a decência, limpeza e boa ordem. (WILSON, 1865).
Assim que os nativos receberam a concessão das terras por parte dos ingleses para o assentamento, eles começaram a trabalhar intensivamente, auxiliados por Eliot, que forneceu pás, enxadas e outros tipos de ferramentas para a preparação do terreno e construção das casas. (WILSON, 1865).
Por orientação de Eliot, eles cercaram seus terrenos com valas e muros de pedra. As mulheres também tiveram participação. Elas aprenderam a fiar com as inglesas e agora tinham tecidos para vender no mercado de Roxbury e das cidades vizinhas. Elas também vendiam, além dos tecidos, vassouras, cajados, cestas, uvas, morangos, perus e peixes. E na época da colheita do feno, alguns índios trabalhavam para os ingleses em troca de um salário.
O assentamento se desenvolveu rapidamente e enquanto maior e melhor estruturado ficava, mais índios saíam da tribo e aderiam ao novo estilo de vida, trocando o nomadismo tradicional pelo sedentarismo colono. (SMITH, 1880).
Esses índios, que deixaram sua tribo, se converteram e foram para o assentamento, ficaram conhecidos à época como “índios convertidos” – praying indians – e com o crescimento desse assentamento e, mais tarde, surgimento de outros, passaram a chamar esses locais de “cidades convertidas” – praying towns.
Havia uma outra tribo em Neponset, nos limites de Dorchester. Em 1643, Cutshamakin, o líder da tribo, assinou um tratado de submissão ao governo da colônia de Boston e em troca, a proteção que a colônia dava aos seus moradores seria estendida também à tribo. Os termos do acordo misturavam matéria civil e religiosa – todos os 10 mandamentos eram termos do acordo. Mas isso não resultou em nenhum efeito espiritual para a tribo. Principalmente porque os outros termos não deixaram os índios totalmente satisfeitos. (WINTHROP, 1908).
Anos mais tarde, em 1647, um pouco depois de suas ações em Nonantum, Eliot começou a se aproximar também da tribo de Cutshamakin e em um breve espaço de tempo ele já estava fazendo suas reuniões na tribo. Um caso marcante no processo de evangelização dessa tribo ocorreu na família do líder da tribo, Cutshamakin. A relação entre ele e seu filho era muito turbulenta. O pai tratava o filho com rispidez e ignorância e o filho agia com rebeldia e desobediência. E quando Eliot instruía o jovem no catecismo, ele se recusava a repetir o quinto mandamento – honrar o pai e a mãe. Então o rapaz foi advertido por John Eliot e John Wilson por sua falta de reverência como filho, mas em vão.
No dia seguinte eles exortaram Cutshamakin e disseram que o primeiro passo para reestabelecer a relação dele com o filho deveria ser a sua própria confissão de pecados. E assim, o chefe indígena confessou seus pecados diante de toda a tribo. Isso deixou todos os demais índios presentes à reunião muito impactados e com um sentimento penitente. Então, o menino emocionado pela confissão do pai, fez também a sua confissão e pediu perdão ao pai. E Cutshamakin chorou em voz alta diante da atitude do filho.
Esse acontecimento foi impactante na aldeia. Com a rotina das reuniões, o número de convertidos era cada vez maior e eles aprofundavam cada vez mais seu conhecimento nas coisas que Eliot tinha para ensinar. Mas ainda assim, Cutshamakin se encontrava relutante em relação à fé e ao relacionamento com Eliot. E isso era agravado ainda mais pelo seu temperamento explosivo.
Alguns dias mais tarde, depois do término da reunião, Eliot já havia se despedido e estava voltando para casa e Cutshamakin decidiu acompanhá-lo para que os dois pudessem conversar. O chefe da aldeia expressou sua insatisfação: os tributos. Depois que boa parte da tribo havia se convertido, Cutshamakin passou a crer que os impostos se tornaram injustos e desnecessários. Eliot ficou surpreso com essa fala e também preocupado com uma eventual diminuição na receita da colônia. Na reunião seguinte, Eliot tratou Cutshamakin com bondade e proferiu um sermão sobre a importância dos impostos e a necessidade de pagá-los fielmente. Ao fim do sermão, Cutshamakin reconheceu o ensinamento, mas afirmou que a tribo não iria segui-lo. Eles não pagariam os tributos.
Preocupado com o assunto, John Eliot consultou os magistrados, anciões e John Cotton. Cotton se dispôs a tratar do tema na próxima reunião semanal de leitura bíblica da igreja de Roxbury. Eliot convidou alguns dos índios que entendiam inglês para participar da reunião. E lá os índios expuseram tudo o que eles pagavam como imposto a Cutshamakin – que por sua vez se recusava a pagar à colônia. Eles então reconheceram o quão infundada era a queixa do líder.
Agora Eliot tinha a difícil tarefa de convencer Cutshamakin da injustiça de suas queixas. Na reunião seguinte, ele foi acompanhado de um ancião chamado Heath para auxiliá-lo nas conversas com o chefe. Ao chegarem à aldeia, eles o encontraram ressentido e mal-humorado. Eliot começou seu sermão, como de costume, e pregou com base no capítulo 4 do livro de Mateus. Ao interpretar os versículos 8 e 9, ele os aplicou ao caso de Cutshamakin, afirmando que toda sua ambição e desejo de poder era uma tentação de Satanás para afastá-lo de Deus. Eliot o exortou a rejeitar a tentação, advertindo-o que se ele não o fizesse, Deus o rejeitaria. Após o sermão, John Eliot e o ancião conversaram em particular com ele e finalmente ele pareceu convencido e disposto a pagar os impostos à colônia. (WHITFIELD 1865).
Outro desafio que Eliot encontrou foi em relação à saúde dos índios. Quando eles ficavam doentes, sua única opção era recorrer aos curandeiros da tribo, que por meio de rituais religiosos, realizavam os procedimentos de cura. Para afastá-los ainda mais de sua antiga religião e hábitos, e mantê-los no cristianismo, Eliot precisava dar a eles outra opção de tratamento para suas enfermidades. Ele passou a instruí-los no uso de remédios, assim como os colonos faziam. E pediu auxílio de médicos da colônia e da Inglaterra para tratar os índios e ensinar-lhes princípios gerais da medicina. (SHEPARD, 1865).
Outro hábito dos índios, censurado por Eliot, era o de realizar jogos de azar apostando. Eliot os advertiu e os convenceu da ilegalidade dessa prática. E então os índios perguntaram se eles estavam obrigados a pagar as dívidas contraídas anteriormente com os jogos – sendo que muitas dessas dívidas eram para com índios não convertidos. Eliot enfatizou a importância de não violar as promessas e ao mesmo tempo, não tolerar o pecado do jogo. (SHEPARD, 1865).
Enquanto os esforços de Eliot estavam em andamento em Nonantum e Neponset, outra região chamou sua atenção. Os índios da região de Concord, liderados por Tahattawan, ouviram falar de Eliot e do que ele estava fazendo nas duas tribos e se interessaram. Assim, Tahattawan e mais alguns de sua tribo foram a Nonantum ouvir Eliot pregar, e ficaram ainda mais desejosos de adotar os novos hábitos cristãos e se aproximarem dos ingleses. (SHEPARD, 1865).
Ao voltar a sua tribo, Tahattawan encontrou resistência por parte de alguns, mas com o auxílio de Eliot, eles mudaram de ideia. Então Eliot, Tahattawan e Thomas Shepard – um ministro puritano que costumeiramente acompanhava Eliot em meio aos índios – escreveram 29 leis que regeriam e regulariam o comportamento na aldeia. As leis proibiam a mentira, o roubo, o adultério, e vinculavam aos índios a uma vida pacífica e à observância do sábado.
Eliot passou a visitar essa tribo sempre que possível para instruí-los por meio de seus sermões e sanar as dúvidas dos índios. Com o passar do tempo, a tribo expressou o desejo de ter uma área mais próxima dos ingleses para se estabelecerem. Anos mais tarde, esse objetivo foi alcançado com a fundação de uma nova cidade convertida chamada Nashobah. A cidade seguia as instituições do culto cristão. Eliot ensinara e preparara alguns índios para que fossem os professores da cidade. Com tudo isso, Tahattawan e sua tribo abandonaram muitos de seus hábitos e costumes e adotaram um estilo de vida mais parecido com os dos colonos. (Collections of the Massachusetts Historical Society, 1792).
Além de Eliot, havia outros ministros que viam com muito interesse o trabalho missionário com os índios. No dia 3 de março de 1647, Thomas Shepard, John Wilson, John Allen – ministro da igreja de Dedham – e Henry Dunster – presidente do Harvard College – acompanharam Eliot à reunião da cidade convertida de Nonantum.
O sermão foi proferido por Shepard, com a tradução de Eliot. E ao final, Shepard deu espaço para que as mulheres fizessem perguntas. Então, uma mulher, esposa de Wampas, fez a seguinte pergunta: quando meu marido ora e eu não digo nada, mas mesmo assim meu coração concorda com o que ele diz, eu oro? Shepard lhe respondeu que a oração, para ser eficiente e verdadeira, não depende de palavras, mas de um ato do coração.
Essa mulher era uma das que tinham aprendido a tecer. Ela era notável por seu comprometimento com o trabalho e pela boa educação que dava aos seus filhos. Anos mais tarde, ela foi acometida de uma grave doença que a levou à morte. Enquanto ela ainda estava doente, John Eliot a visitou, orou com ela e ela disse a Eliot que mesmo doente, ainda amava a Deus e continuaria orando enquanto vivesse. Ela foi a primeira adulta que morreu entre os índios convertidos desde que Eliot havia começado sua missão. Eliot menciona esta a situação em uma carta escrita anos depois dos acontecimentos. (SHEPARD, 1865).
No dia 26 de maio de 1647, o Tribunal Geral da colônia manifestou uma preocupação com o bem estar dos nativos, e foi aprovada uma ordem para o estabelecimento de um sistema judiciário entre eles, adaptado às suas condições e desejos. Então ficou decidido que a cada três meses, um ou mais dos magistrados da colônia iriam às cidades convertidas e às tribos em processo de conversão a fim de ouvir e julgar as causas civis e criminais. Nos meses em que os magistrados da colônia não iam, os índios convertidos montavam um tribunal próprio, no qual o líder da cidade ou da aldeia era o juiz. As penas aplicadas eram pecuniárias e eram usadas para a construção de locais de culto, para a educação das crianças ou para algum outro uso público, a depender da recomendação de Eliot. Para auxiliar no julgamento dos índios, Eliot e os magistrados explicaram-lhes as leis e princípios como o da razão e da equidade. (SHEPARD, 1865).
No dia 8 de junho de 1647, um sínodo das igrejas se reuniu em Cambridge. Essa ocasião foi considerada favorável para expor os trabalhos de Eliot aos outros líderes eclesiásticos para que eles analisassem a obra. Os índios convertidos foram encorajados a participar da reunião. Na tarde do segundo dia, Eliot pregou aos índios em seu próprio idioma, na passagem de Efésios capítulo 2. Depois do sermão, as habituais perguntas e respostas ocorreram na presença dos ministros, anciões e demais participantes. Esse episódio deixou os presentes com a ideia de quão profunda estava sendo a evangelização e as mudanças nos costumes dos índios. (WINTHROP, 1908).
Em setembro de 1647, Thomas Shepard visitou novamente a cidade convertida de Nonantum juntamente com Eliot. E ele se surpreendeu com que encontrou: homens, mulheres e crianças vestidos à moda dos colonos. Muitas dessas roupas tinham sido dadas aos índios pelos colonos no sínodo de meses atrás. E como de praxe foi realizada a reunião e depois as perguntas. Algumas delas chamaram a atenção em especial de Shepard, como: Por que Deus não fez todos os homens com um coração bom? Por que Deus não mata o Diabo? (SHEPARD, 1865).
Além dessas perguntas, um índio chamado George adentrou bêbado no local de reunião e perguntou a Eliot quem havia criado o álcool. A situação foi considerada desrespeitosa por Eliot e pelos demais índios convertidos. E assim, George foi repreendido por Eliot e pelos índios. Então Eliot se lembrou que, tempos atrás, esse mesmo índio havia matado uma vaca em Cambridge e a trocou na faculdade de Harvard por um alce, e que por esse motivo fora admoestado em uma das reuniões, mas com tantas mentiras, ele havia convencido Henry Dunster de sua inocência, que julgou necessário mais investigação sobre o caso. Entretanto, Eliot, certo de sua culpa, acusou-o tão incisivamente que George não pôde negar e fez uma detalhada confissão. (SHEPARD, 1865)
Em Outubro de 1647, uma criança da cidade convertida de Nonantum que já estava doente a algum tempo acabou morrendo. Isso gerou uma comoção em algum dos índios convertidos que procuraram Eliot, a fim de saber que destino dar ao corpo da criança e como realizar o ritual fúnebre. Eliot os instruiu, e eles, abdicando de suas antigas práticas, fizeram um caixão com tábuas e pregos. Depois enterraram o caixão na floresta, se afastaram do local, oraram fervorosamente e choraram. (SHEPARD, 1865).
Na cidade convertida, os índios cumpriam o mandamento de guardar o sábado. Eliot, por dirigir a igreja de Roxbury, não podia estar com os índios durante o sábado e nem os índios iam à igreja de Roxbury, pois os cultos lá eram feitos em inglês. Então Eliot aconselhou os índios convertidos a se juntarem, aos sábados, para orar e ouvir um sermão de algum índio mais sábio.
Algumas vezes o dia do Senhor – como a tradição puritana costumava chamar o sábado – era violado por alguns dos índios convertidos. Por exemplo, em certa ocasião a esposa de Cutshamakin foi ao poço buscar água no sábado e no caminho conversou sobre assuntos mundanos. Isso chegou aos ouvidos de Nabanton, que seria o pregador do dia. Nabanton pregou sobre a importância da santificação do sábado e terminou repreendendo a má conduta que ele havia ouvido mais cedo. A exposição incomodou a esposa de Cutshamakin que, depois da reunião, disse a Nabanton que pior do que a conduta dela, havia sido a exposição disso no culto público. O incidente gerou uma discussão e por fim decidiram levar o caso a Eliot. Foram à casa dele no dia seguinte e ele os instruiu de acordo com a palavra de Deus. (SHEPARD, 1865).
Outro exemplo disso foi protagonizado por Waban. Em um sábado, dois índios chegaram a ele e lhe disseram que haviam perseguido um guaxinim que, na fuga, se escondera no oco de uma árvore; pediram a ajuda de Waban para derrubar a árvore e pegar o animal. Waban, pensando na boa refeição que isso renderia para ele e os outros dois índios, enviou dois de seus homens para derrubar a árvore e capturar o animal. Os demais índios convertidos ficaram ofendidos com essa conduta de violação ao sábado e a levaram a Eliot na reunião seguinte. (SHEPARD, 1865).
Eliot repreendia e admoestava os índios de forma muito acertada. A exemplo, Wampas, em um momento de raiva, bateu em sua esposa. Isso era algo comum entre os índios, mas, com o início da cristianização, eles passaram a considerar uma grande ofensa e o agressor, nesses casos, era submetido a uma multa. Wampas foi abrigado a responder por seus atos diante de uma reunião pública – que por acaso era extraordinariamente grande e contava com a presença do governador e muitos outros ingleses. Assim, o índio fez uma humilde confissão de seu crime e assumiu inteiramente a sua culpa. Quando Eliot colocou diante dele seu pecado de bater na esposa e se entregar à violência, à luz da Bíblia, Wampas se virou para a parede e chorou. Todos os presentes o perdoaram, mas ainda assim ele tinha que pagar a multa e pagou.
Nessa época, um dos índios fez uma pergunta a Eliot que o deixou intrigado. Ele perguntou o por quê de os ingleses já estarem a tanto tempo naquele lugar e só agora terem começado a instruir os nativos nos caminhos de Deus, pois se isso tivesse sido feito antes, o conhecimento de Deus por parte dos índios já seria muito mais avançado, e muitos pecados teriam sido evitados. Diante desse questionamento, Eliot reconheceu a falha e assegurou ao índio que os ingleses se arrependiam sinceramente de sua própria negligência.
Agora, com sua nova religião e novos hábitos, os índios convertidos deveriam renunciar à poligamia. Então surgiu um grave problema. Alguns dos índios, antes de se converterem, haviam tomado duas mulheres por esposa e tido filhos com uma ou com ambas. E, diante disso, os índios não sabiam que atitude tomar. Para Eliot e Shepard, a situação era tão complexa que eles levaram o assunto aos demais ministros da colônia e assim decidiram que medida tomar – a medida tomada não foi informada no documento analisado, mas sabe-se que uma regra geral foi estabelecida para tais casos. (SHEPARD, 1865).
Numa das reuniões de leitura bíblica na cidade convertida de Nonantum, um índio, já de idade avançada, perguntou: se Deus ama aqueles que o adoram, por que alguns homens passam tanta tribulação mesmo depois de se converterem?
E em outro momento, Wampas, ao invés de fazer uma pergunta, expôs uma dificuldade pela qual ele e outros índios convertidos estavam passando. Era a seguinte: por um lado os outros índios, não convertidos, os odiavam e os perseguiam, por estarem se convertendo ao cristianismo; por outro lado, os ingleses não confiavam neles e suspeitavam da autenticidade da conversão deles. Mas, mesmo diante disso, Deus sabia da autenticidade da conversão deles. Diante dessa fala, Eliot concordou quanto às suspeitas dos ingleses, mas afirmou que ele e outros colonos que tinham o hábito de frequentar os cultos nas cidades convertidas não tinham tais suspeitas. E por fim, Eliot proferiu palavras encorajadoras e exortou-os a serem fiéis, verdadeiros e perseverantes. (SHEPARD, 1865).
Em seus esforços para evangelizar os índios, John Eliot encontrou uma aldeia em Pautucket, perto do rio Merrimac, liderada por Passaconaway. Em 1647, acompanhado pelo capitão Willard, foram até o Merrimac e Passaconaway, ao vê-los, fugiu juntamente com sua mulher e filhos. Ainda assim muitos índios da tribo permaneceram e ouviram o que Eliot tinha a dizer.
Em abril de 1648, Eliot foi novamente ao Merrimac. Nessa época do ano havia uma grande circulação de índios na região, pois o rio era um movimentado ponto de pesca. Nesta segunda visita, Passaconaway não fugiu como antes. Ele se dispôs a ficar e ouvir a pregação de Eliot – baseada em Malaquias 11. Após a pregação, os índios fizeram perguntas. Um deles perguntou se todos os índios que já haviam morrido tinham ido para o inferno. A pergunta foi respondida. Após um tempo, Passaconaway se manifestou dizendo que nunca havia orado a Deus, porque nunca ouvira falar a respeito desse Deus. Declarou crer nos ensinamentos pregados e se dispôs a orar a Deus e ensinar seus filhos a seguirem seu exemplo. A conversão de Passaconaway seria de grande valia para Eliot, uma vez que ele era muito influente entre os líderes de outras tribos. (SHEPARD, 1865).
No ano seguinte, Eliot foi convidado por Passaconaway a mudar-se para a tribo a fim de viver entre seu povo e ensinar-lhes as verdades cristãs, pois, segundo ele, as visitas esporádicas não eram eficientes, uma vez que a tribo esquecia os ensinamentos nesse meio tempo. Eliot se alegrou com as palavras do líder, pois viu um sincero interesse dele pelo cristianismo.
Eliot, então, passou a buscar uma área próxima à colônia para estabelecer uma cidade convertida com Passaconaway e os outros índios convertidos. Entretanto, eles não se mostraram muito interessados em deixar a área próxima ao rio Merrimac, em função da disponibilidade de recursos que tinham lá. (WHITFIELD 1865).
Durante esse mesmo período, Eliot começou a visitar uma tribo em Nashaway, onde sua pregação foi bem recebida. Um tempo depois, o líder da tribo de Quaboag – que ficava a 3 milhas de Roxbury – encontrou-se com Eliot em Nashaway e pediu que ele visitasse sua tribo, demonstrando interesse pelo cristianismo e pelo estabelecimento de uma cidade convertida naquele local. Eliot visitou a tribo e pregou lá. Alguns dias depois, uma tribo vizinha – Mohegan – assassinou vários índios na região. Esta situação preocupou a igreja de Roxbury quanto à segurança de Eliot em meio a esses índios, pois os colonos desconfiavam que os assassinatos deviam ser uma represália à aceitação do Evangelho pela tribo. Nestas circunstâncias, o líder da tribo de Nashaway separou vinte de seus homens para que acompanhassem Eliot e o protegessem se necessário. Essa prontidão por parte dos índios agradou a Eliot, pois mostrava o interesse dos nativos no trabalho que estava sendo realizado. (WHITFIELD 1865).
No final de 1648, John Eliot, John Wilson e Thomas Shepard foram à cidade de Yarmouth em Cape Cod para auxiliar a igreja local, que estava sofrendo em função de algumas disputas entre os ministros. Depois que eles trabalharam com a igreja da colônia, eles foram visitar e pregar para os índios daquela região. Na tribo, o idioma falado pelos índios era uma variação do Algonquim, e isso dificultou a comunicação, mas Eliot encontrou um índio local que falava inglês e foi auxiliado por ele. Depois do sermão, ele respondeu às perguntas dos nativos e voltou à sua casa em Roxbury. (SHEPARD, 1865).
A Sociedade Para a Propagação do Evangelho na Nova Inglaterra
Em 1649, Eliot trocou cartas com um senhor na Inglaterra nas quais ele se referia à cidade convertida de Nonantum. Este senhor aconselhou a Eliot que plantasse hortas e pomares na cidade convertida. John Eliot respondeu que os índios estavam empenhados no plantio de um grande milharal, mas não tinham ferramentas de trabalho suficientes. Eliot também disse que os índios eram muito habilidosos trabalhando com a madeira.
Pouco tempo depois, Eliot recebeu uma doação em dinheiro que deveria ser destinada para a aquisição de ferramentas e para a educação das crianças indígenas. Eliot contratou uma professora e um professor da escola de Dorchester para ensinar as crianças. (WINSLOW, 1649).
Enquanto isso, Eliot se mobilizava para reunir mais ministros na obra evangelística entre os índios. O ministro Mayhew, da cidade de Vineyard, atendeu ao convite de Eliot e começou a estudar o algonquim.
Em agosto de 1649, Thomas Shepard – que havia sido muito presente em todo o trabalho desenvolvido com os índios – morre, deixando Eliot profundamente triste.
Eliot buscava ampliar as cidades convertidas – principalmente a de Nonantum – e levar a elas uma melhor organização social, e recebeu um auxílio generoso do Tribunal Geral da Inglaterra. (WINTHROP, 1908).
Eliot se alegrou e relatou os trabalhos de conversão feito com os índios em duas cartilhas: “The day breaking, if not the sun-rising of the Gospel” e “Clear sun-shine of the Gospel” – essa última, feita com as anotações de Thomas Shepard sobre as visitas às tribos e o progresso do Evangelho em meio aos índios. Essas cartilhas foram levadas à Inglaterra por Edward Winslow, um representante da colônia, e lá ele as entregou a vários clérigos ingleses e também ao Parlamento.
O apelo feito ao parlamento não foi em vão. No fim de 1649, o parlamento britânico criou a Sociedade para a Propagação do Evangelho na Nova Inglaterra. Esta sociedade receberia doações em dinheiro, o administraria e o disporia para atividades com fins evangelísticos na Nova Inglaterra. As igrejas inglesas contribuíram com o projeto. As Universidades de Oxford e Cambridge também. Apesar de toda mobilização, o projeto sofreu oposição de alguns ministros ingleses. Mas ainda assim, muitas doações foram feitas. Esse dinheiro era repassado aos comissários das colônias da Nova Inglaterra, que por sua vez, repassavam o dinheiro aos ministros que tinham algum trabalho de evangelização. Com isso, John Eliot passou a receber um salário e a ter suas iniciativas financiadas. (Collections of the Massachusetts Historical Society, 1792).
Eliot então começou a planejar uma expansão da obra educacional em meio aos jovens índios com o objetivo de alfabetizá-los, instruí-los, e mesmo levá-los à faculdade. Ele via o investimento na educação dos jovens índios como um ponto crucial na evangelização e manutenção do cristianismo entre os índios. (WILSON, 1841).
Eliot também via uma grande importância na leitura da bíblia para que a conversão fosse eficaz e que os índios convertidos se aprofundassem ainda mais na fé. Então ele começou a planejar uma tradução completa da Bíblia para o Algonquin. (WILSON, 1841).
A Sociedade para a Propagação do Evangelho na Nova Inglaterra também auxiliaria Eliot na manutenção e expansão das cidades convertidas, principalmente a partir da doação de ferramentas para o uso agrícola e de serviços gerais.
Em 1651, Eliot fundou mais uma Cidade Convertida às margens do rio Charles, distante 18 milhas de Boston. A cidade foi chamada Natick e viria a ser a maior e principal cidade convertida fundada por John Eliot. A área destinada para a cidade era grande e permitiria um desenvolvimento da agricultura, plantio de pomares, pesca e etc. Além disso, foi planejado por Eliot o estabelecimento de uma igreja fixa em Natick com a manutenção de serviços regulares de adoração pública. (WHITFIELD 1865).
A cidade de Natick ocupava os dois lados do rio Charles e, para melhorar o trânsito pela cidade, Eliot decidiu construir uma ponte sobre o rio. Ele convenceu os índios e uma ponte com oitenta pés de comprimento e nove pés de altura foi construída. Ver a ponte construída serviu de estímulo tanto para Eliot quanto para os índios convertidos. Depois foram criadas duas ruas de um lado do rio e uma rua do outro lado. As terras foram loteadas e cada família recebeu uma área para moradia. Além disso, uma área especial foi destinada para o templo onde ele foi construído com 50 pés de comprimento e 25 de largura. Para isso, os índios contaram com o auxílio de um carpinteiro inglês que os guiou e ensinou a fazer esse tipo de obra. O templo foi usado também como escola fora dos horários de culto e contava até com um quarto que hospedaria John Eliot enquanto ele estivesse na cidade. Uma larga área também foi destinada para a agricultura e plantio de pomares. (Collections of the Massachusetts Historical Society, 1792).
A nova Cidade Convertida deveria ser regida por alguma forma de governo. Para Eliot, todo governo civil e todas as leis deveriam derivar somente das Escrituras. Os índios deveriam ser governados pelas Escrituras em todas as coisas, tanto na igreja quanto no Estado, para que o Senhor fosse legislador e juiz daquele povo. Eliot sonhava ver essa forma de governo sendo estabelecida também na Inglaterra. Numa de suas cartas ele diz: “Oh, que dia abençoado será quando a palavra de Deus for a carta magna e o principal livro de direito da Inglaterra, e todos os advogados terão que ser teólogos para estudar as escrituras”. (WHITFIELD, 1865).
Eliot, então, se inspirou na organização politica que os judeus tiveram durante o período de peregrinação pelo deserto descrito no livro de Êxodo. No dia 6 de agosto de 1651, os índios convertidos se reuniram para escolher seus governantes.
No dia 8 de outubro, Eliot recebeu em Natick a visita do governador Endicot e do reverendo John Wilson. Foi feito, então, um culto público no qual um dos índios convertidos fez o sermão, com base em Mateus 8:44-46. O governador ficou tão impressionado com a organização de Natick e com o nível de conversão dos índios que pediu a Eliot que escrevesse sobre esse feito.
Tanto Eliot como o governador escreveram sobre o progresso que estava sendo feito com os índios e enviaram seus textos à Inglaterra a fim de informar e prestar contas a Sociedade para a Propagação do Evangelho na Nova Inglaterra.
Todos os trabalhos de cristianização feitos com os índios até então eram baseados em partes pontuais da Bíblia que haviam sido traduzidas. O desejo de traduzir a Bíblia completa para o Algonquim era antigo, mas só agora Eliot teve a condição – principalmente financeira – de colocar em prática esse projeto. Em setembro de 1661, o Novo Testamento foi publicado em Algonquim. A publicação foi feita na colônia e 20 cópias foram enviadas à Inglaterra, endereçadas ao Rei e membros da Sociedade para a Propagação do Evangelho na Nova Inglaterra. Cada cópia continha uma dedicatória agradecendo pelo auxílio e informando que o Antigo Testamento seria publicado em breve. (The History of Printing, 1855).
Em 1663 foi publicado o Antigo Testamento. Agora os índios tinham acesso completo à Bíblia. Algum tempo depois, foi adicionado o catecismo puritano à publicação da Bíblia. Depois de pronta, alguns exemplares completos foram enviados a Inglaterra junto com a prestação de contas do dinheiro recebido por Eliot da Sociedade para a Propagação do Evangelho na Nova Inglaterra.
As traduções de Eliot, entretanto, não se limitaram as Escrituras. Em 1664, ele publicou uma tradução ao Algonquim do livro Call to the Unconverted – Chamado para o não convertido – de Richard Baxter. Quando Eliot traduziu a Bíblia, ele se esforçou para que a tradução estivesse o mais próximo possível do original. Com o Call to the Unconverted, ele se permitiu fazer adaptações para que o livro se adequasse melhor à realidade dos índios e fosse melhor compreendido por eles. Anos mais tarde, Eliot publicou mais uma tradução do livro The Practice of Piety – A Prática da Piedade – de Lewis Bayly. E além disso, traduziu dois livros de Thomas Shepard, The Sincer Convert e The Sound Believer, mas eles não foram publicados porque a Sociedade para a Propagação do Evangelho na Nova Inglaterra não aprovou o projeto. (The History of Printing, 1855).
Outro trabalho notável de Eliot foi sua gramática do Algonquim, publicada em 1664. A publicação tinha por objetivo auxiliar os cristãos interessados na obra missionária em meio aos índios no aprendizado daquele idioma. A gramática se inicia com um texto de agradecimento a Robert Boyle e termina com um breve relato de Eliot sobre como ele mesmo aprendera o Algonquim. (The History of Printing, 1855).
Eliot continuava visitando as tribos e pregando para os índios. Até que foi deflagrada a Guerra do Rei Philip, como era conhecido o líder da tribo de Wampanoag, em junho de 1675. A guerra começou porque três soldados do Rei Philip foram acusados, julgados e declarados culpados de assassinar John Sassamon, um índio convertido que havia trabalhado como tradutor de Philip, mas que fora acusado de ser um espião dos colonos na aldeia de Philip.
Após o inicio da guerra, num primeiro momento, os índios convertidos foram perseguidos pelo Rei Philip e ainda sofriam desconfiança por parte dos colonos que temiam que eles passassem para o lado de Philip. Nestas circunstâncias, o tribunal da colônia aprovou uma ordem de remoção dos índios convertidos de Natick. Eles seriam levados para Deer Island, onde permaneceriam até o fim do conflito. Eles partiram no dia 30 de outubro de 1675 em 3 embarcações e se despediram de Eliot em meio a lágrimas e orações. (Collections of the Massachusetts Historical Society, 1792).
No ano seguinte, muitos dos índios convertidos que haviam permanecido estavam compondo o exército colonial contra o Rei Philip. Por isso, tribunal da colônia permitiu que os índios que estavam em Deer Island retornassem. Quando retornaram, muitos deles estavam debilitados e doentes. Eliot, com o auxílio de Daniel Gooking, se esforçou para conseguir remédios e cuidados médicos para esses índios. Até que em agosto de 1676 o Rei Philip morreu e o conflito chegou ao fim.
Ao fim da Guerra do Rei Philip, John Eliot continuou o seu trabalho com os índios e passou a se dedicar também à escritura de seu livro “The Harmony of the Gospel in the Holy History of Humiliation and Sufferings of Jesus Christ from his Incarnation to his Death and Burial” – A Harmonia do Evangelho na Santa História de Humilhação e Sofrimento de Jesus Cristo de sua Encarnação até sua Morte e Sepultamento – em que ele traz uma narrativa da vida de Jesus com base nos Evangelhos. O livro foi publicado em 1678 somente em inglês.
Em sua velhice, Eliot continuou com seus trabalhos e em 1685 recebeu o livreiro e escritor John Dunton, que se referiu ao seu trabalho como um maravilhoso sucesso de evangelização entre os índios. Além disso, Eliot ainda permanecia como ministro em Roxbury, função essa que ele exerceu ininterruptamente de sua chegada a cidade até sua morte. (DUNTON, 1818).
John Eliot teve seis filhos com sua esposa Anne Eliot, que faleceu em março de 1664. John Eliot morreu em 20 de maio de 1690.
Conclusão
A infância de John Eliot, sob o exemplo cristão de seus pais, sua educação acadêmica na Universidade de Cambridge – onde ele aprofundou seus conhecimentos bíblicos e teve seu primeiro contato com idiomas diferentes do seu, a proximidade que ele teve com Thomas Hooker, trabalhando como seu assistente e ainda as perseguições sofridas por ele na Inglaterra pareciam prepará-lo para um futuro ainda desconhecido.
Ao desembarcar na Nova Inglaterra, Eliot continuou sendo forjado pelas adversidades. Mas ele sempre se manteve fiel às suas crenças e rigoroso em sua interpretação das leis divinas. Ele já chegou em Boston exercendo seu ministério pastoral, substituindo John Wilson. E continuou exercendo depois que se muda para Roxbury. Um bom exemplo do rigor que John Eliot tinha em sua interpretação das escrituras se deu no julgamento de Anne Hutchinson, em que ele se opôs veementemente a ela e à sua doutrina antinomianista. Outro exemplo de seu rigor se dá quando ele retraduziu os salmos do hebraico para o inglês com o intuito de manter a métrica mais próxima do original pensando em melhorar a salmodia da igreja no culto público. E outro exemplo era a preocupação que Eliot tinha pela condição moral dos índios.
Essa preocupação de Eliot pelos índios, que ele acreditava serem descendentes das tribos perdidas de Israel, e o compromisso que ele tinha com os ensinamentos bíblicos, o levaram a estudar e aprender o algonquim, para que ele pudesse se comunicar com os índios e evangelizá-los. Esse aprendizado foi lento e dificultoso em vários aspectos, mas Eliot se manteve firme.
Com o domínio do algonquim, Eliot começou a se aproximar ainda mais dos índios, visitando-os em suas aldeias, ensinando-lhes as bases da fé cristã e sanando-lhes as dúvidas que surgiam. Constantemente e pacientemente Eliot manteve sua obra, até que os resultados começaram a aparecer, primeiramente em Nonantum, onde os primeiros índios se converteram e mais tarde passaram a compor a primeira cidade convertida.
Com o tempo, Eliot chegou a outras tribos, mais índios se converteram e outras cidades convertidas foram se formando. Além do cristianismo, Eliot levava aos índios o convite a uma mudança de estilo de vida. O seu trabalho missionário se difundiu de tal forma que em certos momentos alguns índios procuravam Eliot e pediam para que ele os visitasse em suas tribos, por exemplo, quando o líder da tribo Quaboag pediu que Eliot visitasse sua tribo e fundasse uma cidade convertida lá.
Embora Eliot estivesse fazendo progresso em seu objetivo de cristianizar e civilizar os índios, ele não contava com nenhum apoio ou auxilio financeiro para tal – mesmo não impossibilitando o trabalho, essa falta de recurso impunha dificuldades e limites. Entretanto, a situação mudou com a criação da Sociedade para a Propagação do Evangelho na Nova Inglaterra, que auxiliaria financeiramente os trabalhos de evangelização nas colônias.
Com isso, Eliot pôde auxiliar as cidades convertidas com ferramentas que facilitariam na agricultura, no plantio de pomares, no trabalho com madeira, etc. Eliot também pôde recrutar professores para ensinar os índios convertidos, principalmente os jovens e as crianças. Também foi possível a fundação da cidade convertida de Natick, que se tornou a maior cidade convertida. Ele também se dedicou à tradução da bíblia para o algonquim, permitindo o acesso direto dos índios às Escrituras.
Mesmo durante as dificuldades, como na guerra do Rei Philip, Eliot se manteve constante em seu trabalho e próximo aos índios. Até a sua morte.
O trabalho da vida de John Eliot tomou grandes dimensões nas colônias e em meio aos índios, embora não seja possível estimá-lo em números, em função da falta de pesquisas com esse objetivo. Nota-se também uma boa aceitação do cristianismo por parte dos índios, embora eles reagissem às mensagens com muitas perguntas, questionamentos e incompreensões. Os colonos, por sua vez desconfiavam muito da autenticidade da conversão dos índios, mas quando viam essa conversão posta à prova, eles a reconheciam.
A pesquisa feita cumpriu com os objetivos iniciais e permitiu uma compreensão do tema, abrindo espaço para futuras pesquisas na área. Por exemplo, uma análise comparativa entre a experiência missionária protestante na Nova Inglaterra e a experiência missionaria católica no Canadá. Sem dúvidas, o trabalho introduz o tema, como era esperado, e abre margem para futuras produções.
Referências Bibliográficas
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DUNTON, John. The Life and Errors of John Dunton. J. Nichols. 1818. https://archive.org/details/lifeanderrorsjo01duntgoog
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Fonte: CT - Christianity Today / Tradução: Marcell de Oliveira