OS SANTOS E A VIRGEM MARIA NO ANGLICANISMO


Categoria: Acervo
Imagem: Liturgia Anglicana - Blog do Rev. Padre Jorge Aquino
Publicado: 06 de Novembro de 2016, Domingo, 02h36

Por: Bispo Josep Rosselló, professor e ministro anglicano.

Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e o ser humano, Cristo Jesus, homem” – 1 Timóteo 2:5

Escrever sobre Anglicanismo sempre é um prazer, mas também preciso comentar que proclama uma grande tristeza no meu coração. É um grande prazer, porque sinceramente, acredito que o Anglicanismo é a expressão mais próxima ao Cristianismo primitivo. Em outras palavras, Anglicanismo no seu melhor, é o melhor tipo de Cristianismo. Anglicanismo no seu pior, é o pior tipo de Cristianismo.

Por outro lado, causa tristeza por muitos que usam o nome de Anglicanismo para criar igrejas que chamam de Anglicanismo sem ter base alguma.

Uma das questões onde hoje existe confusão, se refere ao tema que desejo tratar neste artigo.

Maria e os Santos
Uma das coisas que os Reformadores Ingleses tiveram muito cuidado de fazer corretamente foi acabar com a pratica de invocar os santos e venerar as relíquias. Os Reformadores rejeitam estas duas práticas, porque viram que estas eram claramente contrarias as Escrituras. As Escrituras ensinam que só temos um mediador diante de Deus, Jesus Cristo (1 Timóteo 2:5). Não precisamos um sacerdote, ou santo vivo ou morto para interceder entre Deus e nós. Os Reformadores Anglicanos reconheceram a veneração das relíquias pelo que realmente era: idolatria. Precisamos entender que a idolatria e sua condenação são um dos maiores temas na Bíblia.

A saudação do Anjo Gabriel a Maria (Lucas 1:28-37) e o cântico de Maria em louvor de Deus (Lucas 1:46-55, veja o Cântico de Anna em 1 Samuel 2:1-10) não justifica de jeito nenhum a pratica de venerar a Maria, pedir o favor de Maria nas nossas petições, e fazer peregrinações a lugares “santos” onde se tem dito que ela tem aparecido. Tampouco, dá permissão para criar estatuas de Maria e fazer procissões com ela, como é feito por alguns em Walsingham e em outras partes.

Em nenhum lugar das Escrituras encontramos um texto bíblico que apoie a pratica de invocação dos mortos. De fato, encontramos na Bíblia outros textos que mostram uma forte oposição a qualquer comunicação com os mortos (1 Samuel 28:7-25).

Isto é claramente contrario aos princípios da reforma da Igreja da Inglaterra, tanto nos 39 Artigos da Religião como no Catecismo e no Livro de Oração Comum.

Se é certo que encontramos textos em Apocalipse 5:8 e Apocalipse 8:3-4, com referencias as orações dos santos no céu, estas referencias não significam que possamos pedir a eles que orem por nós. Esta interpretação é uma clara (des)interpretação do texto no seu contexto. Pelo contrario, estas orações representam nossas orações e suplicas como nação santa e povo escolhido de Deus.

Certamente, existe na Igreja de Roma e nas Igrejas Ortodoxas (Orientais e Ocidentais) tradições antigas de invocar os santos e venerar e pedir intercessões a Maria, uma tradição que remonta a antiguidade. Em qualquer caso, o fato de uma tradição estar fundamentada na antiguidade, não significa em nenhum caso que seja aceitável ou que fosse aceita pela igreja apostólica. As doutrinas dos apostolos se encontram no Novo Testamento. Por este motivo, encontramos no Novo Testamento exemplos de orações a Jesus, mas não encontramos nenhum exemplo onde se invoque os santos ou se venere a Maria.

De onde surgem estas práticas?
É evidente que o culto que foi desenvolvido ao redor da mãe de Jesus, incorpora muitas crenças e praticas associadas com as deusas pagãs do mundo antigo. Aquelas regiões onde o culto de Maria cresceu, também são as mesmas onde o culto as diversas deusas cresceu. A devoção as deusas foi transferido a Maria que, aos olhos dos “pagini” (o que chamamos em português, caipiras), era simplesmente outra manifestação da Mãe divina. Em um dos ícones antigos, encontramos Maria com chifres de vaca da deusa Hathor.

A devoção de Maria, a invocação dos santos, e a veneração das relíquias foram rejeitados pelos Pais Anglicanos no século 16 por ser considerado contrário a própria Palavra de Deus. Portanto, não tem sentido, nem lugar, tal prática no Anglicanismo.

A ideia de que tudo é aceitável no Anglicanismo, somente pode ser uma opinião daqueles que desejam promover suas ideias e conceitos na Igreja Anglicana, sem aceitar o formulário Anglicano. Existem candidatos as ordens sagradas que nunca tiveram a intenção de cumprir os votos sagrados realizados na sua ordenação, foram aceitos na Igreja Anglicana para depois mudar e reintroduzir praticas e doutrinas contrarias as Escrituras.

A crise atual do Anglicanismo só se pode entender a partir da aliança que existiu entre os modernistas e alguns setores ritualistas e tradicionalistas a partir do século 19 até finais do século 20.

O Anglicanismo histórico existe no formulário (Livro de Oração Comum e Ordinário, o Catecismo e os 39 Artigos da Religião) que foi desenvolvido a partir do século 16 e foi aceito como o ethos Anglicano até meados do século 19, quando começou a surgir o movimento ritualista de Oxford.

Estes fatos tem sido usados para justificar todo tipo de inovações que são contrarias as Escrituras, e ao caráter Reformado e Protestante do Anglicanismo.

Qual é o lugar de Maria e os Santos no Anglicanismo?
A Igreja Anglicana tem um grande respeito por Maria e os santos, como exemplos de fidelidade, santidade e obediência a Deus, porém não se pode entender pelos seus milagres ou vidas que Maria e os santos tivessem uma relação especial com Deus ou Cristo, as quais nós não possamos ter. Somos agradecidos ao Senhor pelo exemplo daqueles cristãos que viveram antes de nós, e foram exemplo de vida e permaneceram firmes na fiel Palavra.

No Anglicanismo, existem igrejas locais que tem sido nomeadas com o nome dos Apóstolos, mas isto não pode ser entendido como pedindo a proteção ou a benção deles sobre esta igreja, ou sendo o padrão dessa paróquia. Simplesmente, é o desejo de lembrar os exemplos de vida e santidade dos Apóstolos.

Nós, Anglicanos, fazemos nossa a resposta de Maria ao Anjo Gabriel, quando diz, “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra” (Lucas 1:38). Seguimos também o exemplo encontrado em Lucas 11:27-29: “E aconteceu que, dizendo ele estas coisas, uma mulher dentre a multidão, levantando a voz, lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que mamaste. Mas ele disse: Antes bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a guardam.” Por este motivo, temos Maria como um exemplo de mulher consagrada e temerosa de Deus. Teve o grande privilegio de levar ao Senhor no seu ventre, e cuidar dele durante sua infância e adolescência.

O Anglicanismo não esquece que Maria foi uma mulher mortal, ou que ela teve outros filhos depois de Jesus. De fato, lembramos como Jesus amou a Maria, pedindo ao apóstolo João para cuidar da sua mãe viúva, enquanto ele estava dando sua vida por todos nossos pecados e nossa salvação, inclusive os de Maria. “E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria mulher de Clopas, e Maria Madalena. Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa.” (João 19:25-27)

Os Anglicanos tem observado dias festivos como a Anunciação, porque estas celebrações nos lembram do nascimento e vida de Jesus como encontramos no Novo Testamento. Lemos o Cântico de Maria, porque glorifica a Deus, e nos lembra deste evento histórico.

Disse então Maria: A minha alma engrandece ao Senhor, E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; Porque atentou na baixeza de sua serva; Pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada, Porque me fez grandes coisas o Poderoso; E santo é seu nome. E a sua misericórdia é de geração em geração Sobre os que o temem. Com o seu braço agiu valorosamente; Dissipou os soberbos no pensamento de seus corações. Depôs dos tronos os poderosos, E elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, E despediu vazios os ricos. Auxiliou a Israel seu servo, Recordando-se da sua misericórdia; Como falou a nossos pais, Para com Abraão e a sua posteridade, para sempre” (Lucas 1:46-55).

O Problema Anglicano
O problema se encontra quando encontramos igrejas que usam o termo “Anglicano”, promovendo numerosas praticas que são estranhas ao espirito do Anglicanismo clássico. Fazendo isto, tem seguido o movimento ritualista e tradicionalista. Distorcendo o caráter e jeito anglicano que é reformado, protestante e católico, ainda que não romano.

Estes setores auto titulados “anglicanos” no Brasil e na América Latina tem tentado desfazer e distorcer a Reforma Protestante na Inglaterra e “romanizar” novamente a Igreja Anglicana até tal ponto que o Papa pode aceitar de volta estes Anglicanos. Não à toa, isto aconteceu com um grupo de 12,000 anglo-católicos que foram recebidos pela Igreja de Roma.

Os Reformadores Protestantes tinham um grande apreço pelos Pais da Igreja. Eram grandes conhecedores da Patrística. Por isso, eles tentaram extirpar os ensinos e práticas erradas e, assim, restaurar a pureza da fé apostólica. Mantiveram as praticas e costumes antigos, onde eles ainda pudessem ser bem utilizados, sempre e quando fossem em consonância as Escrituras, fosse para a edificação do corpo de Cristo e não fomentasse a superstição.

A solução ao problema
Os Anglicanos atuais podemos aprender muito dos ensinos e exemplos dos Reformadores Ingleses. Antes de incorporar uma pratica na vida e culto da igreja, eles perguntavam estas três questões:

É esta pratica conforme as Escrituras? Qualquer afirmação de que a prática está em consonância com as Escrituras deve ser examinada cuidadosamente. Muitos textos que são usados para apoiar certas praticas, na verdade não a apoiam a mesma. Eles são lidos, entendidos, mudados e/ou esticados, assim dão a aparência de apoiar a pratica, ou ensino, ou doutrina. É importante sempre ter em conta o testemunho de todas as Escrituras e as considerar na sua totalidade, não simplesmente um texto insolado, explicado de tal forma que entra em conflito com outros textos. Quando não está claro se uma prática, ou doutrina, está em conformidade com a Palavra de Deus e a prática histórica da Igreja de Cristo, então é melhor evitar esta prática.

É esta prática ou doutrina edificante? É fácil de entender? Realmente serve para edificar a congregação na fé Cristã e o estilo de vida cristã? Se a prática, ou ensino, exige uma explicação complicada e os benefícios não são óbvios imediatamente para a congregação local, então é melhor que ela seja evitada.

Esta doutrina ou pratica promove superstição? Anima e fortalece crenças em “doutrinas errôneas e estranhas a palavra de Deus”? Pode ser que certa pratica por si mesma não seja contraria ou incompatível com as Escrituras, no entanto, promova crenças que são. Se houver qualquer dúvida sobre o que uma prática pode estar ensinando ou reforçando, o melhor é evitar a prática. Nisto seria sensato dar atenção cuidadosa à 1 Coríntios 8:11 e Romanos 14:21.

Os princípios destas três questões tem sua origem nos documentos “Relativo ao Culto da Igreja” e “Cerimônias, porque algumas devem ser abolidas, e outras retidas” que aparecem no principio do Livro de Oração Comum de 1662. Eles estão no centro do Anglicanismo clássico. Eles são uma parte integrante do legado que os Reformadores Ingleses deixaram à posteridade. A herança que entregaram as gerações futuras, o património sobre o qual o Anglicanismo foi construído nos últimos 500 anos.

Não em vão, aqueles Anglicanos que aceitam a oferta do Papa, na verdade estão deixando de ser Anglicanos para ser Católicos Romanos. E, ao mesmo tempo, aqueles que desejam introduzir e manter doutrinas, costumes e praticas estranhas as Escrituras e ao formulário Anglicano, são na verdade uma “quinta coluna” insolente ao testemunho dos mártires anglicanos que deram suas vidas pelas verdades eternas do Evangelho.

 

Fonte: Café com o Bispo


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