Categoria: Acervo
Imagem: Calvino e sua esposa Idelette - Maçãs de Ouro na Arvore da Vida
Publicado: 19 de Fevereiro de 2014, Quarta Feira, 12h38
Por contraste, vários ministros de Genebra parecem ter tido casamentos saudáveis e felizes. Um triste encômio na morte de uma esposa frequentemente oferece o melhor (ou único) testemunho de tal contentamento doméstico. Para Calvino, a perda de sua esposa Idelette depois de nove anos de casamento deixou um buraco escancarado em sua vida. “Eu não sou mais que meio homem, desde que Deus recentemente levou minha esposa para casa para si mesmo“, escreveu Calvino. Quando a esposa de Pierre Viret, Elizabeth, morreu em 1546, perturbado marido expressou seu coração em termos similares: “Com a morte de minha amada esposa, o Senhor me golpeou – de fato, minha família inteira – com o golpe mais duro possível. Ele tirou metade de mim e me privou de uma fiel companhia, uma mulher que era uma boa dona de casa, uma esposa que se adaptou maravilhosamente ao meu caráter, meu trabalho e todo meu ministério“. O casamento de Theodore Beza com Claudine Denosse também parece ter sido caracterizado por mútuo respeito e profunda afeição. Beza e Claudine se encontraram e se casaram secretamente em Paris em 1544 ou 1545 quando ele era um jovem aspirante humanista católico, e ela era uma arrumadeira trabalhando para uma família nobre. Seu casamento clandestino foi solenizado em uma cerimônia pública em Genebra em Novembro de 1548, várias semanas depois do casal fugir da França para o bem da religião Protestante. Nos primeiros anos de seu casamento, Beza escreveu um poema em honra à sua querida esposa, comparando-a à virtuosa esposa de Provérbios 31: “Quem entre os homens descobrirá uma mulher leal e virtuosa? Pois achá-la é achar um tesouro. Nenhuma pérola é mais preciosa!” Beza e Claudine nunca foram capazes de ter filhos de si mesmos, mas mesmo assim seu lar estava cheio de parentes, estudantes estrangeiros, visitantes, empregadas e serviçais. Quando Claudine adoeceu e morreu subitamente em 1588, seu marido ficou arrasado. Escrevendo para um amigo próximo, Beza expressou a tristeza de seu coração:
“Ela era uma mulher favorecida com todas as virtudes de uma esposa, com quem eu passei 39 anos, 5 meses e 28 dias em completa harmonia. Ela nunca se dedicou a estudos formais, mas ela possuía tantas virtudes destacáveis que eu achava fácil lidar com esta falta. Nada mais amargo nesta vida poderia ter acontecido comigo e eu nunca desejei tanto o conforto de amigos. Justo quando eu mais preciso de ajuda – logo tendo 70 anos, se o Senhor desejar – eu perdi uma incrivelmente devotada esposa. Ainda assim seja abençoado o nome do Senhor.“
Apesar de Beza ter se casado novamente pouco tempo depois da morte de sua esposa, a memória de sua amada Claudine continuava fresca. Em seu Poemata (1597 ed.), o velho reformador escreveu este tributo à sua vida juntos: “Minha Claudia, fiel companheira de meu exílio, você com quem vivi feliz através de todas as várias vicissitudes da vida durante quarenta anos… Você estava unida a mim na flor da juventude. Você foi companheira tão fiel, na doença e na saúde. Nenhuma esposa era mais amada por seu marido, e nenhuma mulher amou seu marido com maior devoção“. O último desejo e testamento de Beza instruía que seu corpo fosse enterrado próximo à “minha última e amada primeira esposa, Claudine Denosse, que por tantos anos viveu comigo e me assistiu, e fez todo dever de uma verdadeira esposa cristã“.
Estes exemplos pungentes indicam que pelo menos alguns dos ministros de Genebra tinham grande afeição por suas esposas e reconheciam dependência emocional a elas. Esposas devotas ofereciam companhia para seus maridos. Elas davam a luz a seus filhos e os alimentava. Elas traziam boa ordem a seus lares. Calvino, Beza e seus colegas não questionavam estereótipos culturais e religiosos sobre a inferioridade de mulheres no casamento ou a responsabilidade dos maridos de “governar” o lar cristão. Mas eles também não promoviam um modelo de casamento patriarcal caracterizado por isolamento emocional e abuso físico. Calvino uma vez comentou: “O homem que não ama sua esposa é um monstro (portentum)“. Beza se referiu a estas questões diretamente em um de seus sermões, falando aos maridos:
“É verdade que vocês são os cabeças de suas esposas pelo comando de Deus no alto… Mas lembrem-se que Deus não extraiu a mulher dos calcanhares de Adão, mas do lado de Adão. Isto mostra a vocês que ela está verdadeiramente abaixo e inferior a você, mas também que ela está ao seu lado, o que deve deixar claro que ela não é sua escrava. Assim, não tenham nada com todas estas discussões cheias de insultos, estes golpes, estas pancadas e outros atos de violência! Eu não chamo tal comportamento de “senhorio”, mas de “tirania” e desumanidade inadmissível na Igreja.“
Fonte: Manetsch, Scott M., Calvin's Company of Pastors, Pastoral Care and the Emerging Reformed Church, 1536-1609, Oxford University Press, págs. 111 e 112. / Retirado do Site E-Cristianismo (link)